Politica

Portas abertas a estrangeiros

Seguindo a orientação de Paulo Guedes anunciada em Davos, Ministério da Economia pretende lançar em maio sistema que favorece a participação de empresas do exterior nas licitações do governo. Brasileiros defendem competição justa e contrapartidas

Correio Braziliense
postado em 26/01/2020 04:04
Guedes no Fórum Econômico Mundial: mudanças nas regras de licitações ajudam inserção do Brasil na OCDE

Empresas estrangeiras não vão precisar esperar o Brasil entrar no Acordo de Compras Públicas (GPA, na sigla em inglês) da Organização Mundial do Comércio (OMC) para começar a concorrer às licitações do governo brasileiro. O Ministério da Economia promete entregar já em maio deste ano um sistema de compras que vai viabilizar a entrada dos estrangeiros nesse mercado, que movimenta cerca de R$ 50 bilhões por ano e hoje é atendido por 350 mil fornecedores brasileiros.

O sistema vai entrar em vigor em 11 de maio — bem antes do prazo de dois anos previsto para a conclusão do acesso brasileiro ao GPA, anunciado nesta semana pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, no Fórum Econômico Mundial. E, segundo a Secretaria de Gestão do Ministério da Economia, representa uma atualização do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (Sicaf) que vai permitir que os fornecedores estrangeiros participem dos pregões do governo federal — justamente a modalidade de licitação mais utilizada pelo Executivo: só em 2018, os pregões responderam por R$ 19,1 bilhões dos R$ 47,7 bilhões empenhados em compras públicas.

A Secretaria de Gestão do Ministério da Economia explicou que o governo vem tomando medidas para ampliar a concorrência do mercado de compras governamentais desde o ano passado. “O acordo anunciado pelo ministro Paulo Guedes faz parte de um conjunto de iniciativas para incentivar a participação de empresas estrangeiras em licitações públicas”, afirmou a secretaria, em nota, esclarecendo que a atualização do Sicaf faz parte de uma das medidas que já foram anunciadas neste sentido: o novo decreto do pregão eletrônico.

Publicado em setembro, o novo decreto do pregão eletrônico autoriza as empresas que não têm representantes no Brasil a participarem dos pregões eletrônicos governamentais apresentando apenas uma tradução livre dos documentos requeridos pelo certame. A tradução juramentada, que era exigida anteriormente e dificultava o acesso dos estrangeiros aos pregões, passa a ser exigida só quando a empresa sagra-se vencedora do certame.

Essa possibilidade, porém, demandou uma atualização do Sicaf, que estará pronto para receber esses documentos em tradução livre em maio, quando a nova regra passa, então, a valer. “A partir de maio, as empresas poderão se cadastrar no Sicaf e participar das licitações sem a necessidade de um representante no Brasil”, informou a Secretaria de Gestão do Ministério da Economia. Após essa etapa, o governo pretende traduzir a área de pregões do sistema de compras governamentais para o inglês a fim de estimular a participação dos estrangeiros nessa modalidade de licitações. 

Condições iguais

A abertura do mercado de compras governamentais para estrangeiros é defendida pelo governo como uma forma de ampliar a concorrência das licitações e reduzir a corrupção em obras públicas. A medida pode ajudar o Brasil a entrar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mas a mudança também desperta preocupação em parte do empresariado brasileiro, que teme perder mercado para os estrangeiros e, por isso, espera que o governo garanta condições iguais de participação nos pregões que serão realizados de acordo com as novas regras. 

Professor de economia da Fundação Getúlio Vargas, Robson Andrade explicou que o argumento do governo federal é factível porque, “quanto mais concorrência, menor será a probabilidade de termos práticas desleais nas compras governamentais, como a cartelização e o conluio de empresas que vimos ocorrer nos últimos anos com empreiteiras e fornecedores de merenda, por exemplo”. E ressaltou que a medida também pode melhorar o gasto público, já que a concorrência pode reduzir o preço dos produtos e serviços contratados pelo governo.

Andrade admitiu, por outro lado, que é preciso pensar em cobrar contrapartidas das empresas estrangeiras para garantir que a contratação de um serviço ou um produto externo não prejudique a economia brasileira. Como possíveis contrapartidas, ele cita a contratação de mão de obra local e a reciprocidade – isto é, a oportunidade de as empresas brasileiras também participarem dos pregões dos países que serão beneficiados pelo novo sistema.

O empresariado brasileiro, que hoje fica com todo esse mercado de R$ 50 bilhões/ano, porém, também pede que os estrangeiros sigam os mesmos critérios dos brasileiros. A indústria farmacêutica — que vendeu 

R$ 12,9 bilhões em medicamentos para o governo em 2019, segundo a Associação Contas Abertas — lembra que a Anvisa é uma das melhores agências reguladoras do mundo. “Concordamos com o aumento da concorrência, mas não podemos importar de países que têm uma regulação inferior”, defendeu o presidente do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), Nelson Mussolini. “Não podemos nos pautar só pelo preço. Tem que ter preço e qualidade”, concordou o professor Robson Andrade.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) concluiu, então, que o sucesso de acordos como o da OMC depende da calibragem dos seus compromissos. “Esses acordos precisam sempre ser equilibrados para, de um lado, garantir mais acesso às exportações do Brasil e, de outro, manter políticas públicas importantes para o país e para setores, como fazem as principais economias”, afirmou o diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI, Carlos Abijaodi.

O mercado das compras governamentais

Valores:
  • R$ 50 bilhões/ano no Executivo
  • R$ 700 bilhões/ano considerando, além do Executivo, as empresas públicas, o Legislativo e o Judiciário
  • 10% a 12% do PIB 

Setores mais atuantes:
  • Fornecedores dos insumos da saúde, educação e tecnologia
  • Prestadores de serviços como limpeza, segurança e equipamentos de TI
  • 350 fornecedores estão cadastrados atualmente no Brasil

Dados: Secretaria de Gestão do Ministério da Economia


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