Correio Braziliense
postado em 09/02/2020 06:00
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), decidiu colocar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altera a forma de provimento dos cargos no Supremo Tribunal Federal (STF) como um dos 10 assuntos prioritários para este ano. O ato de Alcolumbre surpreendeu os integrantes da mais alta Corte do país e gerou fortes reações nos bastidores. De acordo com a PEC, os ministros do STF passariam a ser escolhidos pelo presidente da República entre os integrantes de uma lista tríplice. Os votantes seriam representantes do Poder Judiciário, o procurador-geral da República e o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).Aliados do ministro da Justiça, Sérgio Moro, veem a medida como uma maneira encontrada pelos parlamentares para impedir que ele alcance uma cadeira no Supremo. Ex-juiz da Operação Lava-Jato, Moro aceitou o convite para entrar no governo Bolsonaro com a expectativa de assumir o posto hoje ocupado pelo ministro Celso de Mello, que, em novembro deste ano, completa 75 anos, idade limite para permanecer no plenário do Tribunal. Em 2021, será a vez de o ministro Marco Aurélio Mello encerrar seu período de atuação.
Moro é contra qualquer alteração na forma de provimento de cargos no Supremo. Atualmente, de acordo com a Constituição Federal, para ocupar uma vaga de ministro do STF, é necessário ter mais de 35 anos, menos de 65, e reputação ilibada, além de notável conhecimento jurídico.
Pela proposta, apresentada ao Legislativo pelo senador Lasier Martins (Podemos-RS), os critérios permanecem os mesmos, mas a forma de escolha muda. O presidente da República passaria a ter menos poder na indicação. Uma lista com três nomes seria votada por sete entidades, entre elas, a Ordem dos Advogados do Brasil, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o próprio Supremo. Após escolhido pelo presidente entre os integrantes da lista tríplice, o ministro passaria por sabatina no Senado, como já ocorre atualmente, e poderia ficar no cargo por 10 anos, vedada a recondução. Após deixar a cadeira, de acordo com o texto da PEC, o ministro ficaria impedido de se candidatar a qualquer cargo eletivo pelo prazo de cinco anos.
As regras entrariam em vigor no momento da publicação. Assim, se a proposta fosse aprovada ainda neste ano, as regras seriam alteradas já para o ingresso de sucessores dos ministros Celso de Mello e Marco Aurélio.
No Supremo, o ato de Alcolumbre foi visto com apreensão. Nos bastidores, existe a avaliação de que a medida pode não ter apoio suficiente para seguir tramitando. Os ministros preferem aguardar a evolução do tema e evitam polemizar sobe o assunto para que ele não ganhe força política. O principal receio é que dar poder a tribunais e à OAB na hora da escolha pode elevar o corporativismo, como ocorreu algumas vezes no Ministério Público Federal, onde o procurador-geral da República pode ser escolhido a partir de uma lista tríplice votada pela categoria. Muitas vezes propostas internas, voltadas para as carreiras de procuradores e subprocuradores, dominam as promessas de campanha. Por outro lado, o fato de o presidente ter mais poder de escolha cria o risco, como ocorre no MPF, de selecionar alguém que engavete denúncias contra o Executivo, proteja o presidente em caso de irregularidades e beneficie pautas do governo.
O ministro Gilmar Mendes, do STF, afirma que as discussões em torno do caso devem ser aprofundadas e acredita que ainda restam muitas dúvidas em relação a eventuais benefícios e malefícios das alterações. “Ficar discutindo proposta é muito difícil. É o caso de ter mandato? Se a resposta for positiva, qual é o prazo? Isso precisa ser discutido. Geralmente, usa-se para cortes constitucionais, e nem todas as cortes constitucionais têm mandato. Por exemplo, o modelo austríaco não tem mandato e segue a ideia da vitaliciedade com limite de idade. Isso precisa ser avaliado de maneira bastante profunda. E não se trata apenas de mandato, mas do modus operandi, o modo de escolha”, disse.
No Senado, Lasier Martins defende a proposta, que tramita desde 2015. Ele reclamou que a PEC ficou em nono lugar entre as prioridades de votações neste ano na Casa Legislativa. “Há uma expectativa e um desejo dos brasileiros de que se resolva essa matéria para acabar com aquela tendência de manter grandes delinquentes em liberdade”, disse ele na tribuna.
Modelo
A estruturação do Supremo no Brasil segue o modelo adotado pela corte constitucional dos Estados Unidos. A forma de ingresso dos ministros é semelhante, embora, por lá, os embates no Senado sejam intensos na época de escolha. Não é incomum que candidatos sejam barrados pelos parlamentares, seja por envolvimento em processos, ações controversas, ou, simplesmente, por serem alvo de polêmicas.A advogada constitucionalista Vera Chemim, mestre em direito público administrativo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), discorda da necessidade de alterar a forma de preencher as vagas no Supremo. “Vai contra o sistema norte-americano, que a gente adota. A forma de escolha dos ministros é praticamente uma cópia do que se faz nos Estados Unidos, onde o presidente indica e o Senado escolhe. Tem intervenções dos poderes Executivo e Legislativo. A única diferença é que, quando o Senado norte-americano sabatina, ele realmente vai aprovar ou desaprovar. Aqui no Brasil é praticamente uma convenção”, diz.
Para Vera Chemim, a criação de um mandato de 10 anos também não é positiva. “Isso vai tirar o magistrado de lá justamente quando ele está em um nível de maturidade muito grande do ponto de vista intelectual, de conhecer a jurisprudência. Eu acredito que o sistema atual seja melhor. Temos por exemplo o ex-ministro Ayres Britto, de grande atuação, que deixou a Corte aos 70 anos de idade”, completa.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.