Correio Braziliense
postado em 15/02/2020 04:12
O presidente Jair Bolsonaro tem feito o possível para se descolar dos baques recentes relacionados ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que teve uma das semanas mais difíceis desde que assumiu o cargo. Além da queda na expectativa de crescimento econômico, divulgada, ontem, pelo Banco Central, e das sucessivas altas na cotação do dólar, repercutiram mal as falas recentes do ministro quanto aos funcionários públicos “parasitas” e à frequência com que as empregadas domésticas iam à Disney quando a moeda americana estava em patamares mais baixos.
A reação do Planalto às declarações não foi acolhedora. Bolsonaro não apenas se recusou a defender o ministro, mas deixou claro o descontentamento com ele. Na última quinta-feira, o presidente se afastou da visão “parasitária” dos servidores, ao dizer que “responde pelos próprios atos” e sugerir que jornalistas tirassem satisfações “com quem falou isso”. No mesmo dia, também divergiu de Guedes quanto à interpretação de que o dólar acima dos R$ 4 “é bom para todo mundo”. Para Bolsonaro, está “um pouquinho alto”.
Embora criem ruídos, as polêmicas e a frustração econômica são insuficientes para abalar as estruturas do governo e estragar a relação entre os dois, segundo especialistas. Somadas à reação lenta dos indicadores econômicos, as declarações podem até ter arranhado a imagem do ministro para a população em geral, mas “não afetou investidores e empresários”, afirma o analista político Thiago Vidal, da Prospectiva. O conjunto de fatores, segundo ele, “não é dos melhores”, porém não é tão ruim a ponto de prejudicar o governo.
Na avaliação de Vidal, só deve ocorrer um “desencantamento com Guedes” se os resultados negativos forem recorrentes — o que não é possível avaliar com base no que aconteceu nesta semana. O economista Bruno Lavieri, da 4E Consultoria, também considera baixa a chance de que a relação entre o presidente e o ministro se desgaste “a ponto de Bolsonaro, eventualmente, querer se livrar de algo que atrapalhe”. Esse cenário só deve existir “se, além de dar declarações que prejudiquem o governo, o crescimento continuar mirrado e não houver perspectivas de melhoras”, diz.
Além disso, não entra na conta de Guedes, por exemplo, a expectativa de que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça 0,89%, menos do que o 1,3% do ano anterior, apontada, ontem, pelo Índice de Atividade Econômica (IBC-Br) do Banco Central (leia reportagem na página 7). Ao menos por agora, o resultado não deve ser motivo de desavença com o presidente, ressalta a consultora econômica Zeina Latif. O maior problema entre os dois, na opinião dela, é a diferença de perfil. “Ao contrário do ministro, Bolsonaro não é reformista”, resume.
Eleições
Se as divergências nesse sentido se aprofundarem, podem virar motivo de problemas maiores, mesmo que a economia volte a crescer. A proximidade das eleições de 2022 pode levar a esse desgaste, porque, com a pretensão de se manter na Presidência da República, Bolsonaro tende a defender, cada vez menos, a pauta reformista. “Em relação a isso, ele é bem transparente”, frisa Latif. O chefe do Executivo já sinalizou, outras vezes, que não concorda com algumas medidas propostas por Guedes. Um exemplo é a criação de imposto sobre transações financeiras, defendido diversas vezes pelo ministro, em declarações sempre seguidas por negativas do presidente.
Os especialistas concordam que as divergências, no entanto, estão longe de resultar em represália que siga além de frases desautorizando Guedes. A demissão do ministro, mesmo diante da troca de cadeiras empreendida nos últimos dias, não está no radar no futuro próximo. Para Vidal, inclusive, existe mais chance de que o chefe da equipe econômica saia do governo por vontade própria. “Não é comum que um ministro da Economia, antigamente da Fazenda, fique muito tempo na cadeira. Não acredito que Bolsonaro o tire de lá, até porque não tem nome para substituir”, lembra.
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