Correio Braziliense
postado em 17/02/2020 04:33
Tomando de empréstimo uma autodefinição do grande pensador francês Raymond Aron, cuja vida e cujas ideias de resistência continuam inspiradoras, eu tenho sido um “expectador engajado” da vida política brasileira, seja sofrendo de longe suas vicissitudes, seja participando, mesmo que marginalmente, de alguns momentos definidores. Já presenciei momentos de vazio político, nos quais o destino de nosso país parecia esfumar-se sem direção, assisti a horas de desordem e de insensatez e, como não poderia deixar de ser, vivi também épocas de regeneração e de esperança.
Por isso, assisto com inquietação ao momento atual, que me parece de grande indefinição e de ausência de rumo estratégico.
Desde o fim do governo Dilma, o país deixou de piorar. Negar o desastre econômico que estava se formando naquele tempo é um triste exemplo de até que ponto a opinião política pode desfigurar a mente humana, que evoluiu para conhecer e para compreender. É também fora de qualquer dúvida que os conturbados anos do governo Temer foram de regeneração, seja no plano das contas públicas, seja no controle da inflação, na grande redução dos juros básicos e até no funcionamento da Petrobras.
O atual governo Bolsonaro manteve a direção na economia, acrescentando uma reforma de Previdência bastante ampla, que melhora muito as perspectivas futuras do país. No plano das intenções temos pela frente uma série de medidas que, se efetivamente ocorrerem, vai permitir que o país retorne para uma trajetória de crescimento. No entanto, há nuvens no horizonte, pois o balanço das conveniências eleitorais começa a pesar ainda muito cedo nas decisões do governo.
O Brasil encontra-se ainda em estado de convalescença, inspirando cuidados. É preciso, mesmo que por um tempo limitado, que a maioria da sociedade se esqueça da luta política, da obsessão por competir, vencer e prevalecer. E quem tem que dar o primeiro exemplo é o próprio governo. Governos deveriam existir para governar e não apenas para vencer as próximas eleições. Sinto no ar uma espécie de paralisia política e pode perfeitamente ocorrer que a cooperação governo-Congresso, que tão bem funcionou no primeiro ano, deixe de existir.
Uma outra questão que merece discussão é a crescente presença de militares da ativa, em posições que até o regime militar reservou para políticos civis. O atual governo mantém uma opinião de que os anos de regime militar foram de êxito inquestionável e que a transição para as gestões constitucionais e civis trouxe mais problemas para o país. Está não é a completa verdade histórica, qualquer que seja o ponto de vista ideológico.
É verdade que nos seus primeiros anos, o regime militar promoveu uma grande modernização institucional da economia brasileira, praticamente assentando os fundamentos que funcionam até hoje. Os resultados econômicos vieram rapidamente, tal o efeito que a racionalidade exerce sobre o Estado. Abriu-se um novo ciclo virtuoso e o crescimento da economia durou de 1966 até meados dos anos 1970. O que não se pode omitir é que esta tarefa foi confiada a especialistas civis como Roberto Campos, Octávio Bulhões e Delfim Neto.
Concluído o saneamento da economia e devolvida a ordem à vida social, a volta da normalidade foi desnecessariamente lenta. No plano econômico, o poder absoluto levou a erros absolutos, quando o governo Geisel impôs à economia uma marcha forçada, de que resultou a volta da inflação e a insolvência externa.
No capítulo final, foi imposta ao país uma longa agonia de seis anos, com o mandato do presidente Figueiredo se arrastando sem apoio da sociedade e sem capacidade de enfrentar os problemas econômicos, que chegariam ao auge justamente na passagem para o governo civil. A verdade histórica é que o governo militar nos salvou, no começo, de um desastre, mas nos legou, ao final um novo desastre. É preciso voltar aos fatos para não se deixar iludir pelo mito.
Pensar que a sociedade e as instituições civis são um problema é um mau sinal para nosso futuro.
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