Politica

Políticos e entidades reagem a ataque de Bolsonaro a jornalista

Entidades de classe criticam veementemente o chefe do Executivo por fazer insinuações sexuais contra jornalista. Instituições destacam que presidente, além de faltar com o decoro, busca desqualificar a imprensa e confundir a opinião pública

Correio Braziliense
postado em 19/02/2020 06:00
Bolsonaro sobre a jornalista: ''Ela queria um furo. Ela queria dar o furo, a qualquer preço, contra mim''Em mais um ataque à imprensa, o presidente Jair Bolsonaro ofendeu a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, nesta terça-feira (18/2) de manhã, com uma insinuação sexual. Ao comentar o depoimento na CPMI das Fake News no Congresso, prestado por Hans River, ex-funcionário da Yacows — uma agência de disparos de mensagens em massa por WhatsApp —, o chefe do Planalto disse, aos risos, que “ela (repórter) queria um furo. Ela queria dar um furo a qualquer preço contra mim”. Já à tarde, ele voltou a abordar o assunto e “parabenizou” os veículos de comunicação por repercutirem a sua fala, dando a entender que tudo não passou de uma interpretação errada.

Entidades da classe jornalística repudiaram em peso a atitude do presidente. A Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) declararam que “as insinuações do presidente buscam desqualificar o livre exercício do jornalismo e confundir a opinião pública”. “Como, infelizmente, tem acontecido reiteradas vezes, o presidente se aproveita da presença de uma claque para atacar jornalistas, cujo trabalho é essencial para a sociedade e a preservação da democracia”, afirmaram as instituições.

Em comunicado oficial, o presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Paulo Jeronimo de Sousa, reclamou que Bolsonaro é “agressivo” e que desrespeitou “de forma covarde” a repórter da Folha, “para vergonha dos brasileiros”. Ele ainda pediu à Procuradoria-Geral da República (PGR) para denunciar a quebra de decoro do chefe do Executivo.

“Este comportamento misógino desmerece o cargo de presidente da República e afronta a Constituição Federal. O que temos visto e ouvido, quase cotidianamente, não se trata de uma questão política ou ideológica. Cada dia mais, fica patente que o presidente precisa, urgentemente, buscar um tratamento terapêutico”, ressaltou.

“Desrespeito”

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e o Observatório da Liberdade de Imprensa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também emitiram nota, frisando que “os ataques aos jornalistas empreendidos pelo presidente são incompatíveis com os princípios da democracia, cuja saúde depende da livre circulação de informações e da fiscalização das autoridades pelos cidadãos” e que “as agressões cotidianas aos repórteres que buscam esclarecer os fatos em nome da sociedade são incompatíveis com o equilíbrio esperado de um presidente”.

“O desrespeito pela imprensa se revela no ataque a jornalistas no exercício de sua profissão. Com sua mais recente declaração, Bolsonaro repete as alegações que a Folha já demonstrou serem falsas. Na mesma entrevista, Bolsonaro chegou a dizer aos repórteres que deveriam aprender a interpretar textos, assim ofendendo todos os profissionais brasileiros, não apenas a repórter da Folha”, destacaram as entidades.

A Comissão Nacional de Mulheres da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) foi outra instituição que se pronunciou. O grupo lembrou que “mais uma vez, Bolsonaro protagonizou um grave episódio de machismo, sexismo e misoginia”. “A Fenaj manifesta repúdio ao teor do pronunciamento do presidente e, junto com sua Comissão Nacional de Mulheres, coloca-se como incansável na tarefa de denunciar, tão sistemático quanto forem, os absurdos declarados por Jair Bolsonaro.”

“Dedicamos nossa solidariedade e atuação sindical, seja no campo político ou no jurídico (em fase de encaminhamento), às mulheres desse país, às mulheres jornalistas, às mulheres trabalhadoras, na pessoa de Patrícia Campos Mello, na certeza de que não passarão os insultos e ofensas de cunho machista, sexista e misógino”, frisou. “Que nosso grito de repúdio sirva para frear tais comportamentos, vindos de quem quer que seja, sobretudo do mandatário da Nação, que deveria defender toda a população e, sobretudo, as maiorias silenciadas de direitos.”

Sem desculpas

Bolsonaro criticou a discussão criada em torno da sua fala e não se mostrou arrependido. Após deixar uma reunião ministerial no Palácio da Alvorada, ele questionou: “Eu agredi sexualmente uma repórter hoje (nesta terça-feira — 18/2)? Parabéns à mídia aí, valeu, hein! Eu cometi violência sexual contra a repórter hoje?”, esbravejou. Questionado se não achava desrespeitoso a forma como se referiu à repórter, o presidente não respondeu e entrou no carro, rumo ao Palácio do Planalto.

Ofensas

Na semana passada, Hans River ofendeu a jornalista ao dizer que ela havia se insinuado para ele em troca de informações a respeito do uso de disparos de mensagens via WhatsApp na campanha eleitoral. As declarações foram contestadas com materiais divulgados pela Folha em formato de mensagens de texto e áudios. No entanto, Bolsonaro reforçou a versão de Hans River.

Pedido de quebra de sigilos

Deputados e senadores da comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) das Fake News votarão um requerimento para quebra de sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático de Hans River. Ele é suspeito de mentir em depoimento, além de ter feito ataques à jornalista Patrícia Campos Mello, do jornal Folha de S. Paulo. O requerimento é de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). A votação deve ocorrer na semana após o carnaval. Há outros 90 requerimentos a serem apreciados, muitos deles de convocação de outros depoentes. Na opinião do parlamentar, está na hora de a CPMI começar a focar na produção de provas em detrimento de ouvir novos convocados. “Parece-me que é preciso que a comissão passe da etapa de discurso e manifestação de cunho político à coisa mais prática. É preciso uma informação concreta sobre com quem Hans conversava, com quem se relacionava. A palavra é a parte menos importante. O que mais atrapalha hoje é a batalha de narrativas”, criticou.

Repercussão

Veja trechos de notas de entidades 

“Nesta terça-feira, mais uma vez, para vergonha dos brasileiros, que têm o mínimo de educação e civilidade, o presidente da República, Jair Bolsonaro, é ofensivo e agride, de forma covarde, a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo. Esse comportamento misógino desmerece o cargo de presidente da República e afronta a Constituição Federal. (...) Cada dia mais, fica patente que o presidente precisa, urgentemente, buscar um tratamento terapêutico”
Associação Brasileira de Imprensa (ABI)

“As insinuações do presidente buscam desqualificar o livre exercício do jornalismo e confundir a opinião pública. Como, infelizmente, tem acontecido reiteradas vezes, o presidente se aproveita da presença de uma claque para atacar jornalistas, cujo trabalho é essencial para a sociedade e a preservação da democracia”
Associação Nacional de Jornais (ANJ) e Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner)

“Os ataques aos jornalistas empreendidos pelo presidente são incompatíveis com os princípios da democracia, cuja saúde depende da livre circulação de informações e da fiscalização das autoridades pelos cidadãos. As agressões cotidianas aos repórteres que buscam esclarecer os fatos em nome da sociedade são incompatíveis com o equilíbrio esperado de um presidente”
Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e Observatório a Liberdade de Imprensa da OAB

“Que nosso grito de repúdio sirva para frear tais comportamentos, vindos de quem quer que seja, sobretudo do mandatário da Nação, que deveria defender toda a população e, sobretudo, as maiorias silenciadas de direitos”
Fenaj

Políticos também reagem 

Após o comentário desrespeitoso de Bolsonaro, o jornal Folha de S. Paulo emitiu nota afirmando que o presidente da República “agrediu” a profissional e todo o jornalismo e “vilipendiou a dignidade, a honra e o decoro que a lei exige do exercício da Presidência”. Por sua vez, Patrícia Campos Mello postou no seu perfil oficial do Twitter prints de conversas que ela teria tido com Hans River e que revelam uma investida por parte dele para tentar sair com a repórter do jornal paulista.

Partidos e parlamentares se solidarizaram com a jornalista. “A liberdade de imprensa é um patrimônio de uma sociedade democrática e livre. Causa consternação todo e qualquer movimento que queira calar ou desqualificar a imprensa e, mais preocupante ainda, quando o ato vem carregado de sexismo e desprezo contra as mulheres”, declarou o PSDB. Filiado ao partido, o governador de São Paulo, João Doria, desaprovou o comentário de Bolsonaro. “Quero reafirmar todo o respeito à liberdade de imprensa. Respeito pelos jornalistas, por aqueles que fazem a notícia. Considero muito desrespeitosa a atitude do presidente, mais uma vez, em relação aos jornalistas, em especial a uma jornalista mulher. Desrespeitosa e condenável a atitude do presidente”, destacou.

Deputadas federais do PT também manifestaram apoio à jornalista e organizaram uma nota de repúdio para entregar ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sobre a ofensa proferida contra a jornalista no exercício de sua profissão. “No Brasil inteiro, as mulheres repudiam as palavras de Jair Bolsonaro contra Patrícia Campos Mello. Uma jornalista que fez uma reportagem das mais importantes, denunciando todos os erros e o crime eleitoral cometido por ele através de mensagens em massa”, afirmou Maria do Rosário (PT-RS). “Agora, ele ataca, mais uma vez, e nós, mulheres do PT, somos solidárias à sua luta como todas as mulheres brasileiras”, emendou ela, que liderou o movimento.

Em meio às críticas, houve quem pedisse o impeachment de Bolsonaro. “O país experimenta total degradação das relações institucionais. A agressão de Bolsonaro atinge todas as mulheres do Brasil. O ocupante do Planalto falta com decoro, atenta e viola a dignidade do cargo. O impeachment será inevitável. Basta”, disse o deputado federal Ivan Valente (PSol-SP). 

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