Correio Braziliense
postado em 20/02/2020 04:04
Aposta no diálogo
O clima está tenso em Brasília, mas o vice-presidente Hamilton Mourão não se altera com as crises políticas e as dificuldades do governo. O general de quatro estrelas procura manter a compostura que o cargo recomenda, contrariamente ao destempero que acomete diversos integrantes do governo. Em entrevista ao programa CB Poder, parceria entre o Correio e a TV Brasília, o ocupante do segundo cargo da República aposta no diálogo institucional para superar os entraves às reformas necessárias e avançar nas grandes questões nacionais. Nesse contexto, o vice-presidente considera que o diálogo mais difícil se situa na Câmara, em razão da diversidade de pensamentos. Mas ele acredita que há uma vontade conciliatória entre os poderes. “Não vejo uma forma simples essa ligação com a Câmara. Mas ela vem se dando”, comentou. O CB Poder vai ao ar nesta quarta-feira, às 13h30. na TV Brasília Leia a seguir trechos da entrevista concedida ontem no gabinete da Vice-Presidência, no Palácio do Planalto.
Os governadores reclamam que foram excluídos do Conselho da Amazônia. Eles têm motivo para se queixar?
O Conselho é um organismo para coordenar as políticas públicas estabelecidas pelo governo federal, e com uma finalidade: a de fazer acontecer. Os governadores, muito pelo contrário, estão dentro do Conselho. Não fisicamente, mas estão com suas ideias, com suas demandas, com suas prioridades. Eu estou indo pessoalmente a cada estado. Já estive em Roraima e no Amazonas. Agora, logo depois do carnaval, eu vou ao Pará, ao Amapá e ao Maranhão, e, depois, a última perna é Mato Grosso, Rondônia e Acre. Isso tudo com uma única finalidade: me encontrar com o governador. Apresentar a ele quais são as ideias do Conselho e como é que o Conselho vai funcionar, além de ouvir as demandas, ouvir a visão do governo do estado em relação àquilo que devem ser as prioridades para que o estado avance nos três vetores que são a missão do Conselho: a proteção, a preservação e o desenvolvimento da Amazônia.
Tem de haver mineração em terra indígena?
Está previsto na Constituição, desde que haja lei. É uma questão de lei. Nós não estamos fugindo um segundo da Constituição. O presidente, então, propôs um projeto que está lá no Congresso e vai levar a todo tipo de discussão, como ocorre dentro do Congresso, que é onde estão os representantes, (onde estão) as mais diversas formas de pensamento da nossa população. Eles vão debater esse assunto até chegar a algo que seja bom para todos.
Mas o diálogo do governo com o Congresso está bom?
Não é porque o governo coloca um projeto de lei dentro do Congresso que ele tem que sair da outra ponta igual. Se fosse assim, então não precisava do Congresso. O governo, ao aportar um projeto de lei para o Congresso, está lançando as bases para discussão de algo que não vem sendo discutido. No caso específico, da exploração econômica das terras indígenas. Então, é aquela história: você tem um grande número de indígenas que desejam ter um rendimento econômico fruto do trabalho que eles têm nas suas terras. Hoje, não é permitido que isso aconteça. Então tem que ser discutido o assunto.
É na Câmara onde o governo tem mais dificuldade?
A Câmara, naturalmente, tem que ter mais dificuldade. Em primeiro lugar porque a Câmara tem 513 cabeças, cada uma pensando da sua maneira, dividida em 28 partidos. Então, ela é multifacetada. Em qualquer hipótese é difícil. Não é simples essa articulação, esse diálogo. Tem que trabalhar com um grande número de pessoas diferentes, buscar convencê-las. Então, não vejo uma forma simples essa ligação com a Câmara. Mas ela vem se dando. O exemplo mais claro que eu coloco foi a Câmara ter aprovado a reforma da Previdência. A Câmara está discutindo a reforma tributária, a Câmara tem o seu próprio projeto de reforma administrativa. Então, eu vejo que é um Congresso reformista. Ele está indo ao encontro daquilo que são as principais ideias do governo do presidente Bolsonaro. Mas tudo necessita de sintonia fina, conversa. A política é feita dessa forma.
Em quais temas o governo espera avançar, em ano eleitoral?
Há cinco aspectos que têm que avançar neste ano. São as três PECs que mandamos no fim do ano passado: a Emergencial, a dos Fundos e a do Pacto Federativo. E, obviamente, a questão tributária e administrativa. Elas têm que avançar.
O que é mais difícil desse pacote?
A questão tributária é mais difícil porque os três entes da Federação têm interesse. Nós temos mais de 5,5 mil municípios. Então, esse tema vai concentrar os os debates mais árduos.
O ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, disse que cometeu erros nessa articulação com o Congresso. Por que o governo não consegue deslanchar essa relação?
A reclamação sempre vai acontecer. Faz parte do relacionamento entre pessoas, principalmente em tempos de rede social, onde existem exacerbações sobre os mais diversos temas e quando as pessoas parecem que não procuram se conter no seu modo de se expressar. Então, acabam acontecendo algumas rusgas. O ministro Ramos fez a sua autocrítica porque pegou o bonde andando. Vamos lembrar que ele entrou no governo em julho, com vários acordos que já haviam sido feitos por aqueles que estavam representando o governo nessas negociações, como o ministro (da Cidadania) Onyx Lorenzoni, como a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP). Então, o Ramos teve que ir se adaptando. Agora, neste ano, ele começa à cavaleiro da situação. Então, acho que terá mais condições de implementar um diálogo e uma relação mais afirmativa.
O senhor também se refere assim em relação ao ministro Braga Netto, que assumiu agora a Casa Civil. Haverá uma remodelagem nesse ministério?
A Casa Civil é o centro de governo; é responsável pela coordenação e controle dos ministérios, uma tarefa gigantesca. Então, eu acho que o presidente chamou o Braga Netto visualizando isso. A partir da semana que vem, passado o carnaval, ele (Braga Netto) verá como conduzirá essa tarefa de coordenação e controle, que ele sabe fazer. Vai depender mais ainda das pessoas com de ele se cercar.
Na posse dos ministros, muita gente sentiu falta de uma avaliação do primeiro ano da Casa Civil. Como avalia o trabalho do Onyx Lorenzoni?
O ministro Onyx teve uma tarefa gigantesca ao longo do ano passado, porque ele não só teve que montar o governo durante o período de transição. Então, ele foi um partícipe fundamental, inclusive na escolha de vários dos ministros. Também, ele tinha responsabilidade pela ligação com o Congresso e, ao mesmo tempo, essa tarefa hercúlea que é a coordenação e controle dos ministérios, que não é simples. A partir do momento que o presidente coloca cada ministro como titular da sua pasta, a Casa Civil tem que ter um diálogo constante com esses ministérios. Tem que ter instrumentos, ferramentas de gestão, para que possa controlar as principais políticas públicas. Tudo conversando com o presidente, conversando com ministros. Então, foi uma tarefa muito grande que o ministro Onyx teve.
A Casa Civil foi esvaziada. É possível a volta do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI)?
O PPI, na realidade, nunca foi da Casa Civil. Era da Secretaria-Geral, lá atrás. Depois acabou indo para a Casa Civil. A Casa Civil tem um papel fundamental porque ela, volto a dizer, é o centro de governo. E o que é um centro de governo? É um centro de comando, controle e comunicações, onde o ministro-chefe da Casa Civil tem que ter uma consciência situacional de tudo o que está ocorrendo no governo. Quais são as políticas do Ministério da Saúde que estão em andamento, quais são as políticas do Ministério da Educação, metas que têm que ser traçadas para os ministros. Isso é responsabilidade dele, despachar com o presidente, e posteriormente ser colocado para o ministro. É uma tarefa enorme. Se o Braga Netto conseguir colocar isso em funcionamento, teremos um ganho extraordinário para o governo.
Quando chega a reforma administrativa?
Não conversei com o presidente nos últimos dias porque estava no Amazonas, mas o que eu sei é que nossa proposta de reforma administrativa foi montada pela equipe do ministro (da Economia) Paulo Guedes, especificamente pelo Paulo Uebel (secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital). Eles andaram de ministério em ministério, de autarquia em autarquia, vieram aqui à vice-presidência, expuseram os pontos, perguntaram as críticas que nós tínhamos. É algo que está consolidado, bem montado. E a gente sabe que tem a proposta da Câmara, que também toca em vários assuntos pertinentes à reforma administrativa.
Há motivo de preocupação para os atuais servidores?
Não. Quem já entrou no serviço público não tem nada a temer dessa reforma administrativa.
Não vai atingir em nada? Corte de benefícios...
Não, porque a questão de benefícios estava estabelecida na parte previdenciária, que já foi bem discutida.
E os benefícios das carreiras? Às vezes há as gratificações que os servidores ganham, até por uma complementação salarial...
Para os atuais não há essa visão. O principal que nós temos que entender é que o ingresso no serviço público não pode ser um carimbo de que você vai permanecer eternamente naquela situação, sem a necessidade de apresentar um rendimento que seja coerente com a responsabilidade que recebeu.
Ou seja, vai se exigir metas dos servidores?
É mérito. A meritocracia. Eu venho de uma instituição onde a meritocracia é a chave. Então, você avança dentro da carreira. A carreira é um funil. Chegam lá na frente apenas aqueles cujos méritos os levaram até lá.
A Petrobras enfrenta uma greve dos petroleiros. Qual será a solução? Há também a greve dos caminhoneiros.
Esses assuntos têm que ser tratados com o máximo de paciência, com calma. A questão dos petroleiros, para mim, claramente é uma greve política, porque esse grupo, durante o período em que a Petrobras foi saqueada de cima a baixo e lateralmente, eles nunca se pronunciaram. Nunca vi nenhuma faixa. Sei que terça-feira, teve uma manifestação no Rio de Janeiro, onde tinham umas mil pessoas. Mas grande parte dessas pessoas eram dos partidos políticos mais radicais da esquerda. Então, o que está acontecendo é uma exploração política. O TST já disse que é ilegal essa greve. Então, eu vejo que, em um curto espaço de tempo, chegaremos a um consenso. Em relação aos caminhoneiros, a categoria terá que entender que isso está ligado à oferta e à procura. Há um tempo se compraram muitos caminhões, a atividade econômica caiu, e, ao cair a atividade econômica, diminui a oferta.
Mas os caminhoneiros querem o tabelamento do frete. O presidente Bolsonaro terá que escolher: ou atende à categoria, ou atende ao agronegócio, que defende o fim do tabelamento.
O tabelamento do frete vai contra tudo aquilo que a gente advoga em termos de liberdade econômica. O preço tem que ser regulado pelo mercado. É aquela história: se eu tenho uma carga para transportar e me aparecem 10 pessoas me propondo transportar essa carga, o que que eu vou fazer? Aquele que tiver o melhor caminhão e o melhor preço, ou seja, técnica e preço, eu vou dizer: “está aqui, você leva a minha carga”. Isso é uma lei do mercado. A partir do momento em que você tabela o frete, você acaba até com a concorrência.
Então o senhor acha que a tendência é essa? Não ter tabelamento?
No futuro próximo, a partir do momento em que se estabilize a economia — porque isso está muito ligado ao baixo desempenho da economia —, toda essa massa de pessoas que têm os rendimentos oriundos do transporte vai ter mais coisa para transportar. Em consequência, eles não estarão brigando pelo preço do frete.
Com o orçamento impositivo, o governo perdeu a capacidade de levar avante suas prioridades?
Eu julgo que houve aí uma extrapolação das prerrogativas do Poder Legislativo. O Poder Legislativo legisla. Acho que, em relação ao orçamento, o Poder Legislativo tem a capacidade de montar o orçamento, dizer que tanto é da Saúde, tanto é da Educação, tanto é da Defesa. Ou seja, estabelecer as suas prioridades ali. A partir daí, a execução pertence ao Poder Executivo. O próprio nome diz. Executivo executa. Se o parlamentar vai apontar, ainda, a forma como o Executivo vai executar, aí vai ficar meio complicado.
Estão tentando derrubar o veto...
Está uma queda de braço. Tem que ter muita calma nessa hora. Conversar lá dentro do Congresso. Na terça-feira, o ministro Ramos e o Guedes sentaram com o Rodrigo (Maia) com o Davi (Alcolumbre) e estão compondo essa questão. Porque, realmente, em um orçamento que já está 94%, 95% dele comprometido com despesas obrigatórias, se aqueles 5%, 6% que o governo tem para estabelecer suas políticas não está na mão dele, então é melhor a gente fechar tudo aqui e irmos para casa.
O governo não viu esse problema?
Esse assunto apareceu no apagar das luzes do ano passado, ali em dezembro. Não acompanhei a discussão que estava sendo feita dentro do Congresso. Não vou crucificar A, B ou C. A realidade é a seguinte: nós temos um problema hoje que são R$ 30 bilhões do orçamento, que poderão ficar inteiramente na mão do parlamento. Então, eu acho que a gente está indo por um lado errado. É sentar com o parlamento e dizer: “Aí, minha gente, isso aí é responsa nossa”.
O governo enfrenta enorme repúdio às declarações de Bolsonaro contra a jornalista Patrícia Campos Mello. Como fica essa questão?
Eticamente, eu não teço nenhuma crítica ao presidente da República. Sou o vice-presidente dele. No momento em que ele discutir algum assunto comigo, converso com ele. Em relação a esse caso aí, o caso está ultrapassado. Eu acho que o presidente sabe muito bem. Muitas vezes ele quer fazer uma brincadeira e acaba a brincadeira não sendo bem compreendida. Eu acho que a gente pode passar por cima desse assunto.
Não é porque o governo coloca um projeto de lei dentro do Congresso que ele tem que sair da outra ponta igual. Se fosse assim, então não precisava do Congresso
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