Correio Braziliense
postado em 02/03/2020 04:04
Criada há duas semanas, a comissão mista que busca um consenso em relação à reforma tributária tem a pretensão de, em 45 dias, resolver impasses que se estendem há décadas na discussão sobre o assunto no país. Não existe consenso sequer sobre como deve ser resolvida a questão principal, que é a necessidade de se simplificar a cobrança de impostos. A premissa é base inquestionável da reforma, mas a maneira como deve ser colocada em prática divide opiniões dentro e fora do Congresso.
O presidente da comissão mista, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), afirma que “temos duas propostas que têm o mesmo chassi, só muda a carroceria”. O difícil, no entanto, é conciliar os detalhes. Antes de os trabalhos começarem, o que é previsto para acontecer amanhã, setores da economia já discordam publicamente da essência das Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que tramitam hoje na Câmara e no Senado — a PEC 45 e a PEC 110, respectivamente.
As duas devem convergir em um só texto, que terá como ponto principal a unificação de pelo menos cinco tributos em um só, uma espécie de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), ou Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), como foi nomeado no projeto dos deputados. Grupos liderados pelos setores de comércio, varejo e serviços, no entanto, consideram a estratégia ultrapassada e dizem que o resultado será aumento de carga tributária de determinadas atividades. Empresários do setor lançaram, inclusive, um movimento contra as propostas em fevereiro.
Eles sugerem que o IVA sobre o consumo seja deixado de lado e que o ponto principal da reforma passe a ser a desoneração da folha de pagamentos, compensada pela criação de mais um imposto, que incidiria sobre transações financeiras. Seria uma espécie de nova Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF), mas mais moderna, sobre transações digitais. O ministro da Economia, Paulo Guedes, é um defensor da ideia, mas ela já foi rechaçada várias vezes pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que garante que os deputados não vão tocar no assunto.
Apesar do atrito entre os dois Poderes, o Executivo tem se aproximado para contribuir com o debate sobre a reforma, ao menos do ponto de vista técnico. Interlocutores que participam das conversas afirmam que o relator da comissão mista, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), não descarta incluir a desoneração no texto, mas acham possível que o assunto seja definido, se for o caso, em lei complementar posterior.
Desde janeiro, a equipe técnica de Ribeiro, tem se encontrado com a técnicos da Receita Federal para estudar os principais pontos da reforma. As duas pontas têm feito levantamentos sobre os principais incentivos fiscais, para verificar a viabilidade de extingui-los ou alterar o modelo adotado atualmente. Mudanças na Zona Franca de Manaus (ZFM) também estão em debate. Uma opção é manter a região de livre comércio, como é hoje, por alguns anos, e ir diminuindo os benefícios aos poucos.
Jogo de cena
Essa é apenas uma parte da extensa pauta que a comissão mista encontrará, o que leva alguns parlamentares a questionarem a necessidade de um colegiado. O líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL), está certo de que a “comissão mista não terá efetividade”. Para ele, a estratégia de criar um colegiado para unificar as propostas “é só jogo de cena”. Ele lembra que os assuntos já são discutidos há mais de um ano nas duas Casas. A PEC 45, que servirá como base da nova proposta, já foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara em maio de 2019 e está em avaliação na comissão especial.
Um novo texto terá que começar do zero. Depois dos 45 dias que o grupo terá para elaborá-lo, ele ainda precisará passar pela análise da CCJ da Câmara, pela comissão especial e pelo plenário da Casa. Se aprovada em dois turnos, será encaminhada para o Senado. Lá, passa pela CCJ e, em seguida, pelo plenário, fase que também exige duas rodadas de votação. O autor da PEC 45, deputado Baleia Rossi (MDB-SP), integrante da comissão mista, calcula que o ideal é que a Câmara aprove a reforma até maio, para que o Senado consiga concluir a tramitação antes do recesso parlamentar, que começa em julho.
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