Correio Braziliense
postado em 02/03/2020 20:03
A Câmara de Populações IndÃgenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF) afirmou, em nota pública, nesta segunda-feira, 2, ser "inaceitável" a conduta do deputado estadual Jeferson Alves (PTB-RR), que cortou, com um alicate e uma motosserra corrente que controlava acesso à Rodovia BR-174.
Toda a ação foi gravada e divulgada pelo parlamentar nas redes sociais. Apoiado por outras pessoas, Jeferson Alves rompeu a corrente dizendo que "nunca mais" a rodovia será fechada. "Presidente Bolsonaro, é por Roraima, é pelo Brasil, não a favor dessas ONGs que maltratam meu Estado", afirmou no vÃdeo.
O acesso pela estrada é controlado durante a noite pelos Ãndios, com restrições de passagem para caminhões. A terra indÃgena também está no meio de uma polêmica acerca de uma linha de transmissão de energia, que passaria pela reserva, ao largo da estrada.
Segundo a Procuradoria, ações como a do deputado na rodovia, que corta a Terra IndÃgena Waimiri Atroari, situada entre Roraima e no Amazonas, podem "incitar graves conflitos sociais, práticas racistas e violência contra minorias, depredação do patrimônio público da União, promovendo insegurança jurÃdica".
De acordo com o MPF, "o texto afirma que essas situações exigem a devida apuração legal e a responsabilização dos autores, o que já está sendo providenciado no caso do ataque à Terra IndÃgena Waimiri Atroari".
A Procuradoria afirma que "é inaceitável que autoridades públicas se arvorem a fazer justiça com as próprias mãos, suplantando as instituições e o foro adequados para tratar controvérsias dessa natureza, desrespeitando as leis e a Constituição da República".
"O documento lembra que a corrente foi instalada pelo próprio Exército, com o objetivo de proteger os indÃgenas e a vida silvestre na área. O controle seletivo de acesso à rodovia ocorre apenas à noite, sendo permitida a passagem de ambulâncias, ônibus de linha interestadual e caminhões com cargas perecÃveis em qualquer horário. A nota lembra que o povo indÃgena quase foi dizimado durante a construção da BR-174 e que a questão do acesso está em discussão em processo judicial, ainda sem decisão definitiva", diz a Procuradoria.
Segundo o MPF, "logo após as notÃcias do ataque, o MPF em Roraima pediu providências à Justiça Federal". "A liminar concedida na própria sexta determinou à União e à Fundação Nacional do Ãndio (Funai) a recolocação imediata das correntes de controle de tráfego na BR-174, na entrada da Terra IndÃgena Waimiri Atroari, no local em que foram destruÃdas. A Justiça obrigou a União e a Funai a adotar as medidas necessárias para impedir atentados aos serviços de controle territorial no trecho que intercepta a terra indÃgena, incluindo a área dos postos de vigilância e das correntes".
"A decisão determinou também que seja destacada equipe de servidores, Policiais Federais, Policiais Rodoviários Federais ou agentes militares aptos a assegurar a manutenção da ordem e impedir a prática de novos atos de usurpação das competências da Justiça no que diz respeito à permanência das correntes, pelo perÃodo que se mostrar necessário, conforme solicitado pelo MPF. Além dessa providências, o Núcleo Criminal do MPF em Roraima analisa o caso, para determinar as providências penais cabÃveis. No Amazonas, o MPF expediu ofÃcios à Presidência e à Superintendência da Funai e à PolÃcia Federal para garantir a segurança dos indÃgenas", relata o MPF.
LEIA A ÃNTEGRA DA NOTA:
NOTA PÚBLICA
A 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF manifesta séria preocupação contra a arbitrariedade perpetrada pelo deputado estadual Jeferson Alves (PTB-RR) na Terra IndÃgena Waimiri Atroari, conforme fato notório amplamente noticiado pela imprensa.
O parlamentar estadual, com as próprias mãos, em concurso com terceiros, derrubou na manhã do dia 28/2 o controle de acesso noturno à BR-174 dentro da Terra IndÃgena Waimiri Atroari. Durante a construção dessa estrada, nas décadas de 1960 e 1970, o povo Kinja, que ora habita essa Terra IndÃgena, foi quase exterminado por conflitos e doenças decorrentes da obra. O controle de tráfego foi estabelecido, à época, pelo próprio Exército, 6º Batalhão de Engenharia e Construção (BEC), responsável pela construção da estrada, com o objetivo de preservar a integridade dos indÃgenas e da vida silvestre na área.
A controvérsia sobre o controle de tráfego na rodovia está sendo tratado pelo Judiciário (Processo nº 2004.42.00.001036-7/RR), ainda sem decisão definitiva, motivo pelo qual foi proferida decisão liminar, solicitada pela Procuradoria da República em Roraima, reestabelecendo o controle na BR 174, com a garantia da ordem por forças policiais.
É inaceitável que autoridades públicas se arvorem a fazer justiça com as próprias mãos, suplantando as instituições e o foro adequados para tratar controvérsias dessa natureza, desrespeitando as leis e a Constituição da República. É intolerável a banalização de tais atos de ataque à s instituições democráticas e ao Estado de direito, em atropelo ao decoro das autoridades públicas e com potencial de incitar graves conflitos sociais, práticas racistas e violência contra minorias, depredação do patrimônio público da União, promovendo insegurança jurÃdica, motivos a requererem a devida apuração legal e a responsabilização dos autores, o que já está sendo providenciado por este Parquet no cumprimento de sua missão constitucional.
6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF - Populações IndÃgenas e Comunidades Tradicionais
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