Politica

Em longa negociação, governo e Congresso tentam solucionar Orçamento

Em meio às relações estremecidas entre o Executivo e o Legislativo, Alcolumbre e Maia tratam com ministros e aliados do governo o orçamento impositivo. Presidente do Senado manifesta a Bolsonaro repúdio aos ataques contra o Parlamento

Correio Braziliense
postado em 03/03/2020 06:00
Sessão conjunta do Congresso deve analisar nesta terça-feira (3/3) o veto presidencial 52, ponto nevrálgico da disputa entre o Executivo e o Legislativo sobre o controle do Orçamento: tema divide as CasasO presidente do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (DEM-AP), marcou para esta terça-feira (3/3) sessão conjunta a fim de analisar oito vetos na pauta do parlamento. O mais polêmico é o veto presidencial 52, a respeito do orçamento impositivo, novidade que altera a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Senado e Câmara ainda estão divididos sobre o assunto. Até as 23h desta segunda-feira (2/3), Alcolumbre estava reunido com parlamentares e ministros na residência oficial do Senado, no Lago Sul, para estabelecer o encaminhamento dos vetos. Participavam do encontro o general Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo; o deputado Domingos Neto (PSD-CE), relator do Orçamento; o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE); o líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), o líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM); e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que chegou nesta segunda-feira (2/3) à noite da Espanha para a reunião. Nenhum acordo havia sido definido até o fechamento desta edição.

Pela nova regra do orçamento impositivo, o Legislativo ganha mais poder na escolha dos gastos discricionários (não obrigatórios), deixando o Executivo com poucos recursos para remanejar e entregar uma meta fiscal deficitária em até R$ 124,1 bilhões neste ano. O veto 52 derruba 10 dispositivos na lei orçamentária, entre eles, o que dá poderes para o relator escolher a prioridade para mais R$ 30 bilhões dos gastos discricionários com emendas parlamentares, além dos atuais R$ 16 bilhões. Assim, parlamentares passarão a controlar R$ 46 bilhões das despesas não obrigatórias previstas no orçamento deste ano, que somam R$ 126 bilhões, conforme os dados do Tesouro Nacional.

O governo entende que a derrubada do veto limita a gestão de recursos pelo governo e pode travar a execução orçamentária, apesar de o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, afirmar que o dispositivo não seria um problema para o cumprimento da meta fiscal. Mas a defesa da manutenção do veto está ganhando apoio da oposição e de parlamentares que costumam ter opiniões divergentes. “Do ponto de vista político, esse avanço do Congresso na matéria orçamentária ocorre em virtude do enfraquecimento do Poder Executivo na tarefa de articulação. Desde 2015, ocorre esse movimento”, avaliou o economista Leonardo Ribeiro, assessor parlamentar do senador José Serra (PSDB-SP). O tucano já declarou voto favorável à manutenção do veto. “Do ponto de vista técnico, a medida é ruim, porque aumenta os gastos obrigatórios do orçamento, elevando a rigidez orçamentária. Além disso, compromete a qualidade do gasto público”, destacou Ribeiro.

A senadora Simone Tebet (MDB-MS), reforçou que pretende votar pela manutenção do veto. “Não é missão constitucional do Parlamento, em todos os níveis, a execução das ações constantes do orçamento”, afirmou a presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Segundo ela, a maioria dos integrantes da bancada do MDB votará sim ao veto. Na manhã desta terça-feira (3/3), inclusive, haverá uma reunião para aparar as arestas entre os integrantes da legenda. O senador Renan Calheiros (MDB-AL) foi outro a se manifestar a favor do veto 52 nas redes sociais, como fez Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

O secretário-geral da associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, lembrou que um dos dispositivos é ainda mais draconiano, porque impõe um prazo de 90 dias para a realização do empenho desse recurso dentro das previsões de despesas do governo federal. Para ele, o orçamento impositivo não deve se sustentar, do ponto de vista técnico. “Há críticas veementes. Na Agricultura, por exemplo, sem considerar as ‘programações condicionadas’ ( sujeitas ainda à aprovação do Congresso), a verba discricionária é de R$ 812,7 milhões. Apenas as emendas do relator para a Agricultura somam R$1,4 bilhão! Ou seja, o deputado Domingos Neto teria mais recursos do que a ministra Tereza Cristina”, destacou. “Em um orçamento que descumpre a regra de ouro pelo segundo ano seguido com o governo tendo que pedir ao Congresso para se endividar para pagar gastos de custeio, a imposição dessas emendas é uma excrescência. O veto precisa ser mantido naturalmente”, defendeu.

De acordo com técnicos do Legislativo, existe uma divisão clara entre Senado e Câmara sobre o tema. No Senado, 25 dos 81 parlamentares são favoráveis à derrubada do veto. Na Câmara, no entanto, a questão ainda não está totalmente definida entre os 513 deputados. A expectativa é de que Maia bata o martelo com líderes sobre o encaminhamento do veto durante encontro pela no café da manhã na residência oficial. De acordo com Leonardo Ribeiro, se a Câmara derrubar e o Senado mantiver o veto, ele será mantido.

Fora da agenda

Nesta segunda-feira (2/3), Alcolumbre teve um encontro fora da agenda com o ministro da Economia, Paulo Guedes, na residência oficial do Senado. Ambos combinaram que a reforma administrativa deverá ser encaminhada ao Congresso apenas em abril. Além disso, acordaram um esforço conjunto da equipe econômica com o Legislativo para avançar na reforma tributária na comissão mista e fechar o texto da proposta até o fim do mês.

Após a reunião com Guedes, o senador foi ao Palácio do Planalto. Encontrou-se com o presidente Bolsonaro a fim de tentar aparar as arestas entre o Legislativo e o Executivo. Segundo interlocutores, o objetivo do encontro foi externar o descontentamento de Alcolumbre acerca de ataques contra a democracia e ao Congresso e deixar claro que esse tipo de postura não será mais tolerada. De acordo com fontes próximas ao senador, ele explicitou ao presidente o repúdio às declarações e ao compartilhamento de vídeo sobre a manifestação marcada para o dia 15. Bolsonaro voltou a dar a justificativa de que o vídeo era de 2015, mas não convenceu o chefe do Congresso.

Alcolumbre ainda não havia conversado com Bolsonaro desde as declarações do general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), sobre o Congresso. No encontro, também trataram sobre a questão do orçamento impositivo. “As declarações do general Heleno e a convocação da manifestação contra o Congresso no dia 15 replicada pelo presidente Jair Bolsonaro acirram a relação entre o Executivo e o Legislativo que já era conturbada, para dizer o mínimo”, disse Gil Castello Branco. “O general Heleno e o presidente Bolsonaro colocaram uma lata de gasolina na fogueira. Politicamente, passou a ser possível a derrubada do veto, o que deixará o governo em uma situação muito difícil, sob o ponto de vista orçamentário. No Senado, porém, há perspectivas da manutenção do veto”, destacou.
 
Colaboraram Ingrid Soares e Jorge Vasconcellos

Ação no STF contra lei tributária

A Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) vai protocolar nesta terça-feira (3/3) uma ação no Supremo Tribunal Federal para questionar o sistema tributário nacional. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) pede que o STF reconheça que as regras atuais ferem a Constituição. “Essa ação judicial é inédita porque ela pede que o Supremo determine que a atual carga tributária é inconstitucional e solicita que a Corte determine que o Legislativo e o Executivo elaborem uma proposta de reforma tributária que corrija isso e que proporcione um sistema tributário progressivo e mais justo e igualitário”, destaca o presidente da Fenafisco, Charles Alcantara.

Um dos argumentos apresentados para considerar o regime tributário inconstitucional é a regressividade dos impostos – ou seja, o Fisco cobra mais tributos dos pobres do que dos ricos. Até 1988, a taxação de quem tinha mais patrimônio e mais renda era maior, chegava a 45%. A ação alega que o atual mecanismo fere o artigo 3º da Constituição, que tem como base construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. “Nosso sistema tributário caminha no sentido inverso deste artigo. Como construir uma sociedade justa e reduzir a desigualdade se ele tributa mais quem pode menos e tributa menos quem pode mais?”, questiona Alcantara.

Na ação com pedido de medida cautelar ao STF, os requerentes pedem que o Supremo reconheça que a regressividade do sistema tributário brasileiro cria um estado de coisas inconstitucional; determine ao Congresso Nacional e ao Poder Executivo a elaboração de uma proposta de reforma tributária que resulte num sistema progressivo em substituição ao atual, profundamente regressivo; e, que seja feita uma reavaliação das renúncias e desonerações tributárias concedidas, para medir seu impacto na regressividade e sua a eficiência no estímulo aos respectivos setores produtivos.

Segundo o levantamento feito pela professora da FGV Eloisa Machado, autora da peça judicial que será apresentada ao STF, em 1988 o Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) taxava mais quem tinha altas rendas, com alíquotas que chegavam a 45%, e não tratava tão assimetricamente as rendas do trabalho e as do capital. Atualmente, o IRPF tem uma alíquota máxima de 27,5% e não incide sobre os lucros e dividendos recebidos por pessoas físicas, reduzindo-se a um imposto sobre salários. “Cerca de 50% da carga tributária do Brasil estão em impostos sobre o consumo, enquanto a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 32,4%”, destaca o documento.

A ação judicial da Fenafisco tem com apoio da Oxfam Brasil e do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu).

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