Correio Braziliense
postado em 06/03/2020 04:04
Criado com o status de superministério e com a missão de colocar a economia brasileira em ordem, o Ministério da Economia mostrou, ontem, desalinhamento em relação às perspectivas de crescimento nacional. Enquanto o ministro Paulo Guedes garantia que o crescimento de 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019 estava dentro do previsto, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, admitiu que o resultado foi baixo e frustrante. Guedes logo rebateu e ainda aproveitou para refutar as projeções oficiais do governo para o PIB deste ano, que estão sendo revistas para baixo por causa do coronavírus. “Tem a secretaria e tem o ministro”, alegou.
O clima de instabilidade veio à tona logo no início do dia, quando o secretário do Tesouro revelou a sua real impressão sobre o PIB de 2019. “Estamos em um país que ainda passa por enormes dificuldades. Se eu durmo tranquilo? Eu não durmo tranquilo. Estou muito preocupado, porque a gente ainda está em um país com um crescimento muito baixo”, desabafou. “Não é normal um país em desenvolvimento como o Brasil crescer 1% ao ano. Claramente, causa frustração em vários segmentos da sociedade”, emendou ele, que fez coro às críticas da sociedade e do mercado, ao participar de um debate promovido pelo Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração (Consad) em Brasília.
Mansueto ainda admitiu que, apesar de o atual governo querer reduzir a participação do setor público na economia, impulsionando o investimento privado, o resultado do gasto público ficou aquém do desejável no PIB de 2019. “Não é normal em um país como o Brasil, em que a carga tributária é de quase 30% do PIB — a média da América Latina é de 23% do PIB —, ter um investimento público que é menor de 2,5% do PIB. É muito baixo”, enfatizou. Ele justificou esse desempenho do gasto público dizendo que o governo não tem espaço para aumentar seus investimentos sem colocar em “risco as contas fiscais”. “A situação ainda é extremamente frágil. A situação melhorou? Melhorou muito em relação há três, quatro anos, mas ainda é frágil.”
Mansueto pediu apoio para a continuidade do processo de ajuste fiscal, que pode deixar as contas do governo em uma situação mais confortável e, sobretudo, a aprovação das reformas econômicas, que podem ajudar a destravar os investimentos privados, ajudando a alavancar a economia.
Normalidade
A tese de Mansueto para o ajuste fiscal e as reformas é a mesma que Guedes tem usado para garantir que o Brasil vai crescer 2% em 2020. Ainda assim, o secretário não escapou de uma resposta pública do ministro da Economia. Questionado sobre o que achava da avaliação de Mansueto sobre o PIB em 2019, Guedes foi direto: “Bom, o que eu posso dizer é o seguinte: se o Mansueto estava esperando que fosse crescer 3%, ele deve estar frustrado. Se ele estivesse pensando, como eu estou pensando, que ia ser 2%, eu não estou frustrado. Para mim, está acontecendo tudo como tinha de acontecer”, rebateu.
Como já havia feito após a divulgação do PIB, Guedes repetiu que esperava um crescimento de 1% em 2019 e projeta um crescimento de 2% em 2020, por conta da situação fiscal do governo. Ele ainda reforçou que mantém a projeção de crescimento mesmo com o coronavírus desacelerando toda a economia mundial, porque acredita que as reformas econômicas serão implementadas e darão condição de o Brasil crescer.
O ministro ainda disse que, apesar de reduzir o fluxo global de comércio por conta da desaceleração provocada na economia chinesa, o coronavírus não deve afetar tanto os negócios entre os dois países. “O Brasil vende soja para a China. O chinês vai comer. Com coronavírus ou sem coronavírus, o chinês vai comer soja. O chinês vai comer carne com coronavírus ou sem coronavírus”, frisou, dizendo que a epidemia só deve afetar, então, o fluxo da cadeia produtiva.
Projeções
Guedes aproveitou a deixa para refutar a projeção oficial do governo, que é de um PIB de 2,4% em 2020 e que agora está sendo revista para baixo por conta do coronavírus. O ministro disse que essa é a perspectiva da Secretaria de Política Econômica (SPE), não a dele. A SPE — comandada pelo secretário Adolfo Sachsida —, contudo, integra a Secretaria Especial da Fazenda do Ministério da Economia. “Tem a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, que agora é a Secretaria Especial da Fazenda. Tem um grupo de economistas sofisticados que trabalha com modelos lá. E tem o ministro da Economia. O ministro fala 2%. A SPE fala 2,5% (na verdade, 2,4%) e agora está revendo para 2%. Eu estou parado no 2%”, disparou Guedes, já irritado com as perguntas dos jornalistas sobre o PIB do Brasil.
Por sinal, a revisão da perspectiva da SPE para o PIB de 2020, que já havia sido admitida por Sachsida, deve ser oficialmente divulgada na próxima semana. Guedes adiantou, no entanto, que o novo número deve mesmo ficar perto dos 2%. Ele afirmou que, pelos cálculos da SPE, o coronavírus pode reduzir em 0,5% o crescimento do Brasil neste ano, se chegar ao seu pior cenário, e em apenas 0,1%, se ficar no seu melhor cenário de epidemia.
Ainda que aposte num panorama mais negativo, o governo vai continuar distante das expectativas do mercado, que tem cobrado respostas efetivas na economia. Afinal, o mercado já está revendo suas projeções para o PIB de 2020 para baixo de 2%, tanto por conta dos impactos da epidemia na economia nacional quanto pela frustração com a desaceleração do crescimento, ao fim do ano passado, evidenciada pelos resultados do PIB.
“Estamos em um país que ainda passa por enormes dificuldades. Se eu durmo tranquilo? Eu não durmo tranquilo. Estou muito preocupado, porque a gente ainda está em um país com um crescimento muito baixo”
Mansueto Almeida, secretário do Tesouro Nacional
“Se Mansueto estava esperando que fosse crescer 3%, ele deve estar frustrado. Se ele estivesse pensando, como eu estou pensando, que ia ser 2%, eu não estou frustrado”
Paulo Guedes, ministro da Economia
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