Correio Braziliense
postado em 16/03/2020 04:37
Contrariando a orientação dos seus médicos e do Ministério da Saúde, o presidente Jair Bolsonaro decidiu participar das manifestações de ontem na Esplanada dos Ministérios, convocadas para protestar contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), mesmo estando ainda no período de observação em razão da contaminação de 11 integrantes da sua comitiva de viagem aos Estados Unidos pelo coronavírus, entre os quais o secretário de Comunicação, Fábio Wajngarten, e o encarregado de Negócios do Brasil naquele país, Nestor Forster.
Bolsonaro percorreu a Esplanada dos Ministérios, de carro e voltou para o Palácio do Planalto. A seguir, fez uma transmissão ao vivo na internet, em cima da rampa do Palácio: “Não tem preço o que esse povo está fazendo, apesar de eu ter sugerido, eu não posso mandar, a manifestação não é minha, o adiamento, dado esse vírus”, disse. Minutos depois, a pé, foi ao encontro de apoiadores na grade de proteção, onde distribuiu apertos de mão e pegou celulares para fazer selfies. Tudo o que o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, não recomenda. O diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), contra-almirante Antônio Barra Torres, porém, apareceu ao lado de Bolsonaro nas imagens. Sua assessoria explicou que ele havia sido convidado para uma conversa pelo presidente da República.
A participação do chefe do Executivo na manifestação contrastou fortemente com a atitude do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, que bateu boca com manifestantes em Goiânia. "Sou um dos poucos governadores que apoia o presidente Bolsonaro. Mas vocês têm que entender uma coisa só: que eu sou um médico, antes de ser governador de Estado. Precisam entender, ao menos que não estejam olhando para o mundo, o que está ocorrendo. Precisam mais do que nunca ter responsabilidade, e não fazer com que as aglomerações provoquem uma disseminação do coronavírus. É um direito que vocês têm, mas já temos em Goiás a disseminação do vírus. Baixei decreto que não teriam eventos de carro de som. Se quiserem, peguem seus carros e vão andar, mas não sejam irresponsáveis e amanhã transformarem Goiânia em um ambiente de disseminação do vírus. Precisam de ter noção de seriedade. Não se mostra apoio ao governo colocando em risco a população. Essa é a minha ordem e ela será cumprida", afirmou. Caiado foi vaiado e xingado pelos manifestantes, mas postou as imagens do discurso nas redes sociais e reiterou sua posição.
Redes sociais
Bolsonaro foi às redes sociais compartilhar imagens de sua participação na manifestação e dos atos realizados no país, identificando as cidades onde ocorreram. Numa das postagens, compartilha o vídeo no qual chuta o Pixuleco, balão de ar com alusão ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vestido de presidiário, como fazia na campanha eleitoral. Em outra publicação, agita uma bandeira do Brasil, que pegou das mãos de um apoiador. Passou o dia tuitando. O monitoramento das redes sociais explica a razão. O presidente foi muito criticado em razão do coronavírus e já vinha perdendo a batalha da comunicação, com a queda de sua aprovação, em fevereiro e março. Os atos de ontem também estava sendo esvaziados. Manifestações revelaram isolamento político e capacidade de mobilização aquém das expectativas.
“Os protestos de hoje, pró-governo, deixaram claro que a bolha bolsonarista está se tornando uma bolha político-partidária. As principais lideranças dos protestos estão claramente ligadas a estruturas típicas do sistema partidário, seja por conta da Aliança pelo Brasil, ou por conta de siglas que abrigam lideranças — muitas delas com mandato — alinhadas com o discurso do presidente. O que se viu nas ruas do Brasil neste domingo foram políticos em cima de trios elétricos buscando ampliar o leque de popularidade, por conta das eleições que se aproximam”, avalia o especialista em mídias digitais Sérgio Denícoli, da Inteligência AP Exata, que monitorou as redes sociais.
Segundo o levantamento, os protestos não foram suficientes para que as menções positivas ao presidente superassem as negativas. O gráfico de fevereiro e março (veja ilustração) mostra isso claramente. “Apesar de manter um número expressivo de apoiadores fiéis, Jair Bolsonaro vem perdendo a dominância narrativa das redes. Fevereiro foi o pior mês para o presidente, nas conversações online, desde que assumiu. Foi um mês com muito mais menções negativas a ele do que positivas. E março também não tem sido muito bom. Mesmo hoje, com manifestações a favor dele, as menções negativas estão mais altas do que as positivas”, explica Denicoli, que é professor do Laboratório de Estudos e Imagem de Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
“Ontem, entre as 10 hashtags mais utilizadas no Twitter, em publicações com o termo Bolsonaro, só havia dois temas: as manifestações e o coronavírus. Isso revela que a pandemia esteve no epicentro das discussões que se referiram às manifestações. Se os casos de contaminação crescerem no país, na proporção que vem ocorrendo na Europa, uma grande parcela de internautas culpará o Bolsonaro por estimular a concentração de pessoas em um período de dúvidas, no qual a precaução é a orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS). Isso poderá se tornar um problema político grave. Caso isso não ocorra, Bolsonaro sairá fortalecido”, conclui Denicoli.
Reação do Congresso
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, distribuiu nota oficial na qual criticou Bolsonaro: “Com a pandemia do coronavírus fechando as fronteiras dos países e assustando o mundo, é inconsequente estimular aglomeração de pessoas nas ruas. A gravidade da pandemia exige de todos os brasileiros, e inclusive do presidente da República, responsabilidade! Todos nós devemos seguir à risca as orientações do Ministério da Saúde. Convidar para ato contra os Poderes é confrontar a Democracia”, informa.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pelo Twitter, foi mais duro com Bolsonaro: “O mundo está passando por uma crise sem precedentes. O Banco Central americano e o da Nova Zelândia acabam de baixar os juros; na Alemanha e na Espanha, os governos decretam o fechamento das fronteiras. Há um esforço global para conter o vírus e a crise”. Depois, em um “fio”, escreveu: “Por aqui, o presidente da República ignora e desautoriza o seu ministro da Saúde e os técnicos do ministério, fazendo pouco-caso da pandemia e encorajando as pessoas a saírem às ruas. Isso é um atentado à saúde pública”. (LCA)
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