Politica

LRF para abrandar crise

Provocada pela pandemia, perspectiva é de queda acentuada na arrecadação. Para evitar que o desequilíbrio das contas públicas se agrave ainda mais, respeito à Lei de Responsabilidade é mais necessário do que nunca, alertam especialistas

Correio Braziliense
postado em 16/03/2020 06:07
 
 
 

Com a economia praticamente estagnada e com o risco de evoluir para uma recessão em virtude dos impactos da pandemia da Covid19, versão da SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave) provocada pelo novo coronavírus, os governos federais e regionais, certamente, terão frustração de receita neste ano. Muitos estados e municípios já estão com dificuldades para fechar as contas e pagar salários, aposentadorias e fornecedores em dia, porque acabam gastando mais do que arrecadam por possuírem uma folha de salários que compromete mais da metade da receita. Com isso, sobra muito pouco para investir e melhorar a qualidade dos serviços prestados à população.
 
Agora, com essa perspectiva de queda acentuada na arrecadação com a nova crise que se aproxima, o respeito às regras da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) se torna mais urgente do que nunca, aconselham os especialistas ouvidos pelo Correio. Eles lembram que a LRF, sancionada em maio de 2000, infelizmente, vem sendo burlada por muitos estados, com a conivência dos Tribunais de Contas Estaduais (TCE). E, a partir de agora, essa regra é mais necessária do que nunca para evitar que o desequilíbrio das contas públicas se agrave ainda mais e comprometa o crescimento futuro da economia brasileira. O que falta, alegam, é uma regulamentação de várias medidas que estão previstas na LRF e ainda não foram tomadas na prática, como é o caso do teto da dívida pública.
 
Nesse sentido, o economista José Roberto Afonso, um dos autores da LRF e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), ressalta que a regra já contempla situações como a atual em diferentes passagens, inclusive, na norma para o limite de dívida da União. “A LRF prevê que o teto da dívida poderia ser suspenso diante de emergência, mas, como ele nunca foi fixado, nem restrição há para a principal válvula de escape nessas horas, que é aumentar a dívida pública”, destaca. “A LRF também permite suspender o teto estadual e municipal em momentos de grande mudança da política econômica. Basta o Executivo propor ao Senado”, complementa.
 
As exceções à regra existem em casos de calamidade pública e financeira, recorda o especialista em contas públicas. “Agora, os governos também podem e devem decretar calamidade por razões de saúde pública. A União pode fazer isso também. Os limites de gastos com pessoal e dívida ficam suspensos. Aliás, os do estado do Rio assim estão há anos, nunca mais foram restabelecidos. Ninguém fala nada, mas é por causa da calamidade financeira”, orienta Afonso.
 
O economista lembra que a Constituição já autoriza créditos extraordinários em caso de calamidade, como aconteceu nas Olimpíadas de 2016, quando o governo federal baixou uma MP para repassar recursos ao Rio de Janeiro. “É só seguir o padrão. Mas ainda há dúvida sobre a natureza dessa calamidade e seu caráter nacional, para não falar mundial”, afirma.
A especialista em contas públicas Selene Peres Nunes, uma das autoras da LRF, reforça que será preciso confiar que os governos estaduais adotem as medidas necessárias para uma situação de emergência. “Isso, naturalmente, não inclui aproveitar a situação para gastar em áreas que nada tem a ver com a crise de saúde pública. Pelo contrário, o que se requer das instituições e dos líderes é uma atuação extremamente responsável, mas ao mesmo tempo forte e direcionada para conter a crise”, destaca.
 
Na avaliação de Selene, a situação atual é muito mais grave do que qualquer regra legal possa prever. “É provável que tenhamos que gastar muito mais com saúde (UTIs de hospitais privados, por exemplo), segurança pública, assistência social e socorro a empresas. Tudo isso em um cenário de queda de arrecadação, porque a restrição à circulação afetará o comércio, os serviços, as exportações, a economia como um todo. Teremos que fazer uma reavaliação de todas as previsões do Estado. No momento, sabemos a direção, mas não a intensidade do impacto sobre União, estados e municípios”, alerta. Com isso, para ela, não há risco à LRF, porque a conjuntura é uma consequência das crises na economia e na saúde pública. “Nesse cenário, metas, limites, tetos, nada disso é importante. O fundamental é salvar vidas. E isso só será possível se os governos agirem rápido porque cada dia conta. Isso é uma emergência de um tamanho que nenhuma regra pode prever”, destaca.

Meta

Na avaliação do economista Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, o que deve ser discutido daqui para frente é uma mudança na meta fiscal. Existem mecanismos legais para mudar a meta sem prejuízo para a LRF em momentos atípicos como o atual. A meta fiscal atual prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) é de R$ 124,1 bilhões, mas já existe um projeto de lei no Congresso para que ela seja ampliada para R$ 127,9 bilhões, como parte do acordo entre Executivo e Legislativo para a manutenção do veto 52, que trata do Orçamento impositivo. 
 
“Mexer na LRF ou na regra do teto é um péssimo sinal para a confiança do governo junto ao mercado e aos investidores”, avalia. “Não é hora de flexibilizar a LRF. Os fatores da crise ainda são incertos para estados e municípios, que certamente terão queda na arrecadação. E, como as despesas com pessoal continuarão crescendo, é temerário mexer nesse arcabouço que é importante e que não vem sendo respeitado devido a problemas culturais. Os tribunais acabaram cooptados pelos governos e, agora, nesse período de vacas magras, ninguém está preparado”, lamenta. Salto defende que os governos reforcem a LRF e a regra do teto, tomando medidas que permitam aumentar o investimento para estimular a atividade dentro dessas normas. “E, nesse sentido, acelerar a aprovação da PEC Emergencial que está no Senado ajudaria os estados e municípios a fazerem os ajustes nas despesas com pessoal”, orienta. “O arcabouço já existe, mas é preciso vontade política. Sem responsabilidade fiscal, o país não conseguirá voltar a crescer de forma mais robusta”, reforça.
 
As chances de flexibilização da LRF no Tribunal de Contas da União é descartada, de acordo com o procurador do Ministério Público junto ao Tribunal, Júlio Marcelo de Oliveira. “Não tem como flexibilizar a LRF. Isso até desmoraliza a norma e o tribunal tem sido rígido nas determinações para preservar a lei”, afirma. Contudo, o procurador reconhece que em caso de força maior e quando não for observada falta de prudência do gestor, seja perfeito, seja governador, seja presidente da República, é provável, que a punição seja mais branda. “O Tribunal será  sempre bastante firme na defesa da norma e, eventualmente, se for o caso, poderá ter uma interpretação menos punitiva para eventual descumprimento se as circunstâncias e as justificativas mostrarem isso”, explica.
 
Procurado, o Ministério da Economia também informa que não há previsão de flexibilização da LRF em virtude do coronavírus para estados e municípios. “E no caso da União, a principal questão deste ano é a perda de arrecadação, não a LRF”, afirma, em nota.
 
 
 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags