Politica

Recessão profunda a caminho

Apesar de o presidente Jair Bolsonaro minimizar a crise do coronavírus, especialistas estimam que a atividade econômica vai recuar até 10% em 2020. Especialistas não descartam uma depressão severa, com o derretimento do PIB do país e o aumento do desemprego

Correio Braziliense
postado em 23/03/2020 04:26
A economista Monica de Bolle defende uma rede maior de proteção aos mais pobres

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro desinforma a população classificando a Covid-19, pandemia provocada pelo novo coronavírus, como uma  “gripezinha”, economistas sérios do Brasil e do mundo alertam para o fato de que a crise sanitária e econômica que está se formando pode ser a mais grave de todos os tempos. Com os número de casos e mortes crescendo de forma exponencial, analistas estão reduzindo suas projeções de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de vários países com mais frequência. Cresce o número de quem não descarta uma depressão, ou seja, recessão profunda na atividade econômica, com graves impactos negativos nas empresas, no sistema financeiro e nos empregos dos brasileiros.


Uma recessão prolongada pode elevar o número de desempregados no país de 12 milhões para 18 a 20 milhões rapidamente. Isso poderá comprometer o principal motor da economia brasileira: o consumo das famílias, que responde por mais de 60% do PIB e que desacelerou em 2019. As dúvidas sobre quando e se houver uma retomada são crescentes uma vez que a economia doméstica está estagnada desde 2017 e o governo não tem capacidade de investimento porque está há sete anos com as contas públicas no vermelho. A certeza agora é de derretimento do PIB.


O economista e consultor Alexandre Schwartsman resume bem o que um cenário de depressão representa: “Recessão é quando o vizinho perde o emprego e depressão, quando você perde o emprego.” Ele faz um alerta para os dados do mercado de trabalho que devem ser divulgados daqui para frente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) devido ao confinamento das pessoas. “Como os pesquisadores não poderão ir às ruas para coletar dados, os resultados serão prejudicados e, certamente, teremos um cenário pior de desemprego do que o que será mostrado nas próximas Pnads (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios)”, resume.

Projeções
Pelas projeções da economista Monica de Bolle, pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics (PIIE), de Washington, o país vai mergulhar em uma depressão econômica uma vez que o PIB deverá encolher 6% neste ano mesmo com as medidas anunciadas pela equipe econômica. “É preciso muito mais”, afirma. Ela defende uma rede maior de proteção aos mais pobres e um melhor uso do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na concessão de linhas de crédito para o setor produtivo.


O economista José Luis Oreiro, da Universidade de Brasília (UnB), é ainda mais pessimista: o PIB brasileiro pode encolher 10% neste ano. “Essa crise terá efeitos persistentes sobre as economias de todos os países do mundo. Haverá um mergulho profundo no nível de atividade devido ao choque de oferta e o setor de serviços será o mais prejudicado. A indústria de bens duráveis também sentirá um impacto maior, porque ninguém compra carro, geladeira em uma situação dessas. Em termos de magnitude, vamos ter uma queda similar à Depressão de 1929”, estima.


Analistas consideram o pacote de medidas do governo, apesar de atrasado, correto mas insuficiente. Enquanto o governo Bolsonaro prevê injetar R$ 179,6 bilhões no mercado, nos Estados Unidos, as intervenções podem chegar a US$ 2 trilhões. Vale lembrar que várias medidas do governo brasileiro não são imediatas, porque dependem do Congresso, e as que não têm impacto fiscal porque tratam-se de adiantamento de recursos dos trabalhadores, como o 13º dos aposentados ou mesmo uma nova liberação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) que está sendo cogitada.
No caso do voucher de R$ 200 para os autônomos, que somam R$ 38 milhões, Oreiro avalia uma proposta “ridícula”. “O trabalhador do setor informal ganha, em média R$ 1,5 mil, ficará com a renda zerada. Esse dinheiro é pouco e não vai minimizar o problema”, afirma. Ele considera mais adequado uma renda mínima emergencial  no valor de um salário mínimo (R$ 1.045), que custaria R$ 120 bilhões, ou 1,6% do PIB, pelas contas do professor da UnB.

Colapso
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, sinaliza que o sistema de saúde pode entrar em colapso em abril. Os economistas ouvidos pelo Correio avisam que o segundo trimestre será o mais crítico do ano, porque é quando haverá uma queda muito forte no PIB, podendo superar 10%, em algumas previsões. O consenso entre os analistas é que a recessão global e no Brasil está contratada.


Pelas estimativas do Itaú Unibanco divulgadas na sexta-feira, o PIB mundial deverá encolher 0,4% enquanto o da China deverá crescer 3,3% em vez de 5,3%. Enquanto isso, Europa vai encolher 2% e a América Latina, 2,2%. O banco também reduziu a previsão para este ano para o PIB brasileiro de um crescimento de 1,8% para  queda de 0,7%, mas reconhece que é possível considerar um recuo maior do que 1%. Grandes bancos norte-americanos, como Goldman Sachs e JP Morgan, estimam queda no PIB do Brasil de 0,9% e 1%, respectivamente. Todas essas previsões são bem piores do que a alta de 0,02% que o Ministério da Economia está prevendo para evitar apresentar um rombo fiscal maior do que R$ 200 bilhões nas contas públicas, e mesmo assim, o pior resultado  da história.


Alberto Ramos, economista-chefe de pesquisas para América Latina do Goldman Sachs, considera que o cenário atual é de recessão global e, no caso do Brasil, o quadro é preocupante porque o governo tem muito pouco espaço fiscal para contornar a crise, pois não fez as reformas necessárias para enfrentar o momento atual. “Foram três anos de discussões da reforma da Previdência e ainda ficou muita coisa por fazer. Não foram incluídos estados e municípios e muitos privilégios do setor público e de militares foram mantidos”, destaca. O banco prevê retração em quase todos os países latino-americanos e queda de 1,2% na região.


A economista Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria, também reduziu a previsão do PIB deste ano e já considera recuo de 1,4% em vez de alta de 1,6%. Contudo, admite tombo maior, de 3,3%, no pior dos cenários, considerando que a paralisação na atividade ocorra durante 32 dias úteis. “Estamos atravessando uma crise inédita e com efeitos que ainda não podemos mensurar exatamente. Mas uma coisa é certa, o mundo vai entrar em recessão”, explica Alessandra. Pelas novas estimativas da Tendências, as economias da Zona do Euro e dos Estados Unidos devem registrar contração de 0,7% e de 0,9%, respectivamente.

Modelo
Levantamento feito pelo Centro de Macroeconomia Aplicada da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (Cemap-FGV-SP) não descarta que o efeito da crise deverá se estender até 2023. Portanto, não é hora de minimizar o problema e, sim, de ação das autoridades para estancar as perdas inevitáveis nessa recessão. O modelo a ser seguido, na avaliação do coordenador do estudo da FGV, Emerson Marçal, é o da Coreia do Sul, que testou toda a população rapidamente, tomou medidas duras no início do problema e já está conseguindo reverter o quadro mais crítico. “Não é hora de pensar em gastar menos na área de Saúde, caso contrário, o prejuízo vai ser cada vez maior no PIB”, alerta.


Pela estimativa do economista, a retração econômica prevista no pior cenário do estudo para este ano, de 4,4%, o equivalente a R$ 320 bilhões na economia, é conservadora. “Se o governo não agir rápido, o prejuízo será muito maior”, reforça. Apesar de estar prevendo PIB zero no momento para este ano, Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, adianta que está refazendo os cálculos e eles indicam queda superior a 1%, “não sendo difícil de chegar a 4,4% de retração”. “Vamos mergulhar em uma recessão fortíssima ou mesmo em uma depressão”, alerta.

 

Medidas tímidas

Além da demora do presidente Jair Bolsonaro em admitir a gravidade da pandemia da Covid-19, as ações desordenadas dos governos federal e estaduais têm deixado os analistas preocupados. Para eles, as medidas adotadas até agora são insuficientes para minimizar os efeitos recessivos da nova crise global e é preciso melhor coordenação.
A economista e consultora Zeina Latif sente falta de uma autoridade coordenando o combate à pandemia no governo federal, como ocorreu durante o apagão em 2001, para evitar a bateção de cabeças entre os governos federal e estaduais. “Não existe uma figura para atuar como o bombeiro do incêndio, a quem todos deveriam ouvir de forma mais ordenada”, compara, criticando a falta de uma liderança no combate ao coronavírus. “Não é hora de confundir”, afirma. Ela acredita que o governo já deveria ter iniciado os testes rápidos para evitar um contágio maior. “Foi o que a Coreia do Sul fez”, sugere.


Na avaliação do economista e consultor Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central, não será fácil para o país sair dessa crise agindo com medidas pouco eficientes. Segundo ele, até mesmo a redução de juros recente do BC não deve ter impacto direto na retomada da economia, mas poderá ajudar quando a epidemia for controlada no futuro. “Essa retomada pode demorar. Temos um choque duplo de oferta e de demanda por conta da pandemia e não sabemos o efeito. E o que o governo está fazendo até agora é muito pouco para reverter o quadro recessivo que está por vir”, avalia.

Paralisação
O economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani, prevê queda de 1,5% no PIB deste ano se o governo conseguir controlar a pandemia rapidamente. Contudo ele admite que, em um cenário de paralisação mais aguda da atividade econômica, o tombo pode ficar entre 3% e 4% ou até mesmo mais do que isso. “Ainda não vimos uma parada coordenada de toda a economia e, portanto, não temos uma referência estatística”, detalha.


Para Padovani, o pacote de medidas que o governo vem anunciando está na direção correta, mas pode não ser suficiente para evitar perdas econômicas. Ele avalia como mais positivas as ações do Banco Central, que vem agindo corretamente, em várias frentes, como na queda dos juros de 4,25% para 3,75% ao ano e nas medidas voltadas para abrir espaço para o setor financeiro poder estimular a atividade.
Luis Otávio de Souza Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil, também vê com bons olhos as medidas adotadas pelo Banco Central para dar mais liquidez às instituições financeiras, reduzindo as margens prudenciais de depósitos na semana passada. “Isso permitiu que os grandes bancos anunciaram o adiamento para o pagamento de parcelas de empréstimos por 60 dias”, elogia. Leal prevê retração do PIB nos dois primeiros trimestres do ano, ou seja, uma recessão técnica, mas espera que o PIB fique perto de zero no acumulado do ano. “O cenário é preocupante. Nunca passamos por uma situação dessas, nem no Brasil, nem fora dele. Não dá para rodar modelos, porque não temos dados no passado para reproduzir o que está acontecendo”, reforça.

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