O anúncio do presidente Jair Bolsonaro pelas redes sociais de que o artigo 18 da Medida Provisória (MP) 927 foi revogado ainda não é garantia de que a norma perdeu a vigência. A proposta estabelece que os contratos de trabalhos possam ser suspensos pelo prazo de até quatro meses e foi anunciada pelo governo federal como medida de enfrentamento à pandemia do novo coronavírus e de preservação do emprego e da renda. Para que ela deixe de valer, contudo, é necessário muito mais do que as palavras do chefe do Palácio do Planalto na internet: ele tem de assinar uma nova MP que determine a revogação deste trecho, além de publicá-la no Diário Oficial da União.
Enquanto esse trâmite burocrático não for resolvido, a suspensão dos contratos de trabalho, e o consequente congelamento dos salários dos trabalhadores formais, ainda está em vigor e todas as negociações feitas com base nesta norma serão consideradas válidas até a publicação da nova MP.
“No direito brasileiro, a lei não pode retroagir. Como uma MP é uma espécie legislativa, ela também não pode retroagir. Isso significa que o artigo 18 já teve validade legal de pelo menos um dia e vai continuar valendo até que se estabeleça a revogação. A revogação, por sua vez, vai ter vigência a partir da publicação da nova MP. Ou seja, todos os atos jurídicos feitos enquanto a MP 927 estiver vigente serão considerados válidos”, explicou o advogado especialista em direito administrativo da SCA Advogados Associados, Emmanuel Mauricio.
Uma outra forma de voltar atrás seria se Bolsonaro encaminhasse uma errata para o Congresso pedindo a retirada de todo o texto da MP 927. A opção mais provável, no entanto, é uma nova MP, visto que as erratas só são admitidas quando existem erros crassos de português ou de numeração dos artigos, por exemplo.
De acordo com o advogado, é possível que “muitas empresas, no auge do sofrimento, já tenham tomado posições com base no artigo 18”. “Isso vai causar uma confusão para o Poder Judiciário porque a revogação que virá não tem efeito retroativo. Ou seja, ela não poderá impedir o cancelamento dos acordos com base nessa estrutura jurídica (da MP 927). Nem mesmo se a nova MP para revogar o artigo 18 disser que as suspensões do contrato de trabalho realizadas com base na redação anterior sejam cassadas, porque o artigo 5º da Constituição diz que a lei não pode retroagir de maneira alguma”, detalhou Emmanuel.
A única de forma de se retirar esse instrumento do mundo jurídico é a inconstitucionalidade, a ser declarada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), segundo o advogado. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) tem efeito retroativo, algo que a revogação por ato de uma outra MP não tem.
“Ele (Bolsonaro) foi precipitado em dizer que revogou a medida pelo Twitter sem antes ter feito um instrumento jurídico, porque ele leva a ideia para as pessoas de que pela simples palavra ele consegue revogar uma MP — e não é verdade. É necessário um ato jurídico, uma outra MP assinada e publicada. Tem que, depois, encaminhar a papelada para o Congresso. Não é tão simples. Há uma burocracia e o governo está demorando. E quanto mais demora, mais problema gera. Se esperar cinco dias para revogar, ela ficou valendo por cinco dias”, alertou o especialista.
“Má interpretação”
Na tarde desta segunda-feira (23/3), o secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, comentou que a decisão do governo federal de voltar atrás com a proposta de suspensão dos contratos de trabalho se deu por uma “má interpretação” do texto. "O que acontece é o seguinte: o presidente da República pediu que nós suspendêssemos esse artigo porque houve uma má interpretação. Eu acho que ele está correto e o motivo é muito simples: as pessoas estavam entendendo que não teria nenhuma contraprestação do empregador. E não é isso que estava no texto", defendeu.
Apesar de o presidente Bolsonaro informar, pelo Twitter, que o artigo “resguarda ajuda possível para os empregados” e que o governo entraria “com ajuda nos próximos quatro meses, até a volta normal das atividades do estabelecimento, sem que exista a demissão do empregado”, nenhum trecho da MP deixava claro que os trabalhadores formais que optassem pela suspensão dos seus contratos teriam os salários pagos pelo Executivo federal.
Para Bianco, no entanto, a proposta propõe uma “contraprestação por parte do empregador, um acordo entre empregados e empregadores, para que obviamente o empregador pagasse os custos do empregado, sempre respeitando a Constituição, que garante o salário mínimo a todos”. Entretanto, o texto da MP diz que “o empregador poderá conceder ao empregado ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial”.
Segundo o secretário, a intenção do Palácio do Planalto é reformular a MP, mas manter a proposta de suspensão dos contratos de trabalho. “Diante dessa interpretação equivocada e do descasamento das medidas, que houve por conta de uma medida não ser orçamentária e a outra ser orçamentária, o presidente entendeu por bem uma revogação desse dispositivo e que nós pensássemos na próxima MP em um novo dispositivo que, aí sim, trouxesse as duas coisas em conjunto: a possibilidade de suspensão e também a contraprestação por parte do estado”, disse.
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