Politica

Dividido, Congresso resiste em aprovar MP com dispositivos trabalhistas

No parlamento, há os que encaram a MP como necessária, enquanto outros a veem como impactante para os pobres e são contra a aprovação

Correio Braziliense
postado em 24/03/2020 06:00
O deputado Alessandro Molon pediu ao presidente do Senado que devolva a medida provisória do governoMesmo tendo recuado da proposta que regulamentava a suspensão dos contratos de trabalho por até quatro meses, com o respectivo corte salarial, o presidente Jair Bolsonaro vai encontrar bastante resistência no Congresso com a Medida Provisória (MP) 927, editada na noite de domingo (22/3). O texto dispõe sobre uma série de dispositivos com alternativas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública no Brasil por conta da Covid-19.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já alertou o Planalto de que é preciso se construir uma proposta em conjunto com o Legislativo para que não haja qualquer insegurança sobre a relação entre empregador e empregado. Enquanto isso, parlamentares garantem que não vão aceitar a matéria por entenderem que ela ataca os mais pobres.

Outro ponto que causa controvérsia é o que estabelece a pandemia do novo coronavírus como “hipótese de força maior” para fins trabalhistas, o que daria aval para a redução geral dos salários dos empregados de uma empresa em até 25%, conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

“É claro que precisamos ajudar os micro e pequenos empregadores, mas o governo que tem que dar condições para que eles se mantenham e mantenham os seus funcionários, e não colocar os empregados em maior estágio de vulnerabilidade”, disse o senador Fabiano Contarato (Rede-ES).

O deputado Alessandro Molon (RJ), líder do PSB na Câmara, reforçou que mesmo com a retirada do trecho que suspende jornada de trabalho e salário por até quatro meses, a MP continua problemática. Ele enviou um ofício ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), pedindo que o senador devolva o texto ao Executivo, em uma sinalização clara de que a matéria não será aprovada no Congresso pois, para o parlamentar, ela “é (uma forma) de deixar os empregados entregues à própria sorte”.

Defesa

O vice-líder do governo no Senado, Chico Rodrigues (DEM-RR), não concordou com a pressão da oposição, que fez Bolsonaro desistir de parte da MP. Segundo ele, o que o presidente fez foi um “erro que merece ser perdoado”, em razão do “período de guerra” que o país vive — o que pode tê-lo influenciado a tomar medidas precipitadas. “É necessário que haja uma unidade no essencial. Na medida em que o Congresso recebe e se debruça sobre o texto, ele sempre encontra alternativas melhores. Tem de conversar com o governo, não é hora de crise. O Congresso precisa ser a ponte entre o povo e o governo para encontrar soluções”, comentou.

De todo modo, o senador antecipou que pediu para bancos públicos concederem empréstimos aos patrões, a fim de que eles possam manter a folha de pagamento em dia. “Eles poderiam fazer o adiantamento de dois ou três meses de recursos para os micro e pequenos empresários poderem pagar os seus funcionários. Temos de ter outra saída também. Temos de ver os dois lados: o pequeno e o microempresário, que agora ficaram sem receita, e, obviamente e principalmente, o trabalhador, que não vai poder ficar sem receber dinheiro”, explicou.

Líder do Podemos no Senado, Álvaro Dias (PR) avaliou como grave apenas o artigo 18, que o presidente anunciou a revogação no Twitter. Com a retirada do trecho, ele avalia que, por parte do Podemos, não haverá resistência. “Entre uma demissão e uma negociação, acho que é mais suave uma negociação.”

Perguntas e respostas sobre a MP 927

O que é a MP 927?
Um instrumento do governo que apresentou medidas trabalhistas para o enfrentamento à pandemia e a preservação do emprego e da renda como: teletrabalho, antecipação de férias individuais, concessão de férias coletivas, aproveitamento e antecipação de feriados, banco de horas, suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho, direcionamento do trabalhador para qualificação, e diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Qual foi a grande polêmica da medida provisória?
O artigo 18, que estabelecia que os contratos de trabalho poderiam ser suspenso pelo prazo de até quatro meses, com os salários dos empregados sendo congelados durante o período da suspensão. Em contrapartida, os patrões arcariam com os custos de cursos ou programas de qualificação profissional não presenciais para os funcionários.

Por que a confusão em torno do artigo?
Apesar de o presidente Jair Bolsonaro informar, pelo Twitter, que o artigo “resguarda ajuda possível para os empregados” e que o governo entraria “com ajuda nos próximos quatro meses, até a volta normal das atividades do estabelecimento, sem que exista a demissão do empregado”, nenhum trecho da MP deixava claro que os trabalhadores formais que optassem pela suspensão dos seus contratos teriam os salários pagos pelo Executivo federal.

Qual foi a decisão de Bolsonaro?
Anunciar, também pelo Twitter, que o artigo seria revogado (o que de fato foi feito, com a MP 928).

O artigo 18 perderia a validade só com a palavra do presidente?
Não. A palavra do presidente da República, por si só, não tem força para revogar um trecho de uma MP ou o teor dela por completo. Para que uma MP seja retirada do mundo jurídico, o presidente tem de transformar a sua palavra em um documento, que pode ser uma outra MP revogando o artigo 18 da MP 927.

Qual será o tempo de vigência da MP 927?
Até o momento em que uma nova MP estabelecer a sua revogação. No direito brasileiro, a lei não pode retroagir. Como uma MP é uma espécie legislativa, ela também não pode retroagir. 

Qual é o caminho para se invalidar os atos tomados com base na medida provisória?
A declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) tem efeito retroativo e pode retirar uma lei do mundo jurídico, algo que a revogação por ato de uma outra MP não tem.

Fonte: Emmanuel Mauricio, advogado especialista em direito administrativo da SCA Advogados Associados


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