Politica

MP contra a transparência

Medida Provisória 928, que suspende os prazos para atendimento aos pedidos feitos via Lei de Acesso à Informação, recebe enxurrada de críticas e é alvo de representações no STF. CGU diz que trabalhos contra a Covid-19 não podem ser interrompidos para dar respostas à LAI

Correio Braziliense
postado em 25/03/2020 04:34
Deputado Reginaldo Lopes: %u201CMuitos gastos públicos serão feitos sem licitação (...), precisamos saber como estão sendo feitos esses gastos%u201D


Apontada como uma afronta ao princípio da transparência, a Medida Provisória 928, que suspende os prazos para atendimento aos pedidos feitos via Lei de Acesso à Informação (LAI), é alvo de críticas e de ao menos duas representações no Supremo Tribunal Federal (STF), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)  e da Rede. O texto, editado pelo presidente Jair Bolsonaro, isenta do cumprimento de prazos os servidores que estão de quarentena e em teletrabalho por conta da pandemia do novo coronavírus.

A MP foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU), na noite de segunda-feira. Além de Bolsonaro, assinam o ato os ministros da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário, e da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira. A medida já está em vigor, mas perderá a validade se não for aprovada pelo Congresso num prazo de 120 dias.

Segundo o texto, a lei que estabeleceu medidas de combate ao coronavírus, sancionada em 6 de fevereiro, passa a prever que serão atendidos prioritariamente os pedidos de acesso à informação relacionados às medidas de enfrentamento da pandemia.

Estarão isentos do cumprimento de prazos, conforme a MP, os agentes públicos que, para responder aos pedidos de informação, necessitem estar presentes aos locais de trabalho e os que estejam prioritariamente envolvidos com medidas de combate ao vírus.

A medida provisória também determina que não serão conhecidos os recursos apresentados diante de negativa ao pedido de informação e que usem como argumento os critérios utilizados pelo Executivo para suspender os prazos.

A MP define, ainda, que os pedidos de informação pendentes de resposta por conta da suspensão devem ser reapresentados no prazo de 10 dias a contar da data de encerramento do estado de calamidade pública no qual está o país.

O ato do governo também suspendeu o atendimento presencial para a realização de pedidos de informação. Enquanto vigorar a suspensão, todos os pedidos via LAI devem ser feitos exclusivamente pela internet.

Possibilidade
Em nota divulgada ontem, a Controladoria-Geral da União (CGU) informou que, se for possível produzir a resposta de forma digital, ela será dada normalmente dentro dos prazos da LAI, desde que o órgão consultado não esteja isento desse cumprimento pela MP. O órgão afirma ainda que a LAI é nacional, “estando muitas das prefeituras do país em uma situação delicada de pessoal, em especial aquelas em que a quantidade de pessoas contaminadas é mais preocupante”. O ministro da CGU, Wagner Rosário, afirmou, em vídeo nas redes sociais, que os trabalhos de contratação e logística de combate ao coronavírus “não pode ser interrompido” para dar respostas à LAI.

O líder da Rede no Senado, Randolfe Rodrigues (AP), disse ontem que o partido entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a MP. Segundo ele, “a informação é, verdadeiramente, um dever da administração pública e um direito consagrado do cidadão” e, no Estado democrático de direito, “toda e qualquer atividade da administração deve se submeter ao processo amplo de justificação e fundamentação perante a sociedade”.

A OAB também recorreu ao STF com uma Adin. Segundo um parecer que acompanha a ação, “o direito à informação é pressuposto para o exercício da cidadania e para o controle social das atividades do Estado, que deve ser reforçado em um contexto de calamidade pública”. A OAB acrescenta que “qualquer restrição de acesso às informações públicas deve ser excepcional e cercada de todas as cautelas possíveis, como forma de impedir abusos e arroubos autoritários sob o manto de exceções genéricas e abertas à regra da transparência”.

Necessidade
O deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), autor do projeto que resultou na LAI, afirmou que a MP foi editada justamente no momento em que a sociedade mais precisa de transparência. “O país está em calamidade pública, muitos gastos públicos serão feitos sem licitação, haverá o orçamento paralelo, ou seja, mais do que nunca, precisamos saber como estão sendo feitos esses gastos”, argumentou.

O economista Gil Castelo Branco, da ONG Contas Abertas, frisou que a MP, além de violar o princípio da transparência, é desnecessária, porque “a LAI, no artigo 11, já tem dispositivos para contornar a eventual dificuldade de fornecer informações, sem que fosse preciso alterá-la”. Segundo ele, a MP incorre em um erro ao suspender prazos para o fornecimento de informações que não podem deixar de ser prestadas, conforme o artigo 21 da LAI.

“Não poderá ser negado acesso à informação necessária à tutela judicial ou administrativa de direitos fundamentais”, diz o artigo, que acrescenta, no parágrafo único: “As informações ou documentos que versem sobre condutas que impliquem violação de direitos humanos praticada por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas não poderão ser objeto de restrição de acesso”.

“Liberdade e transparência: conquistam-se a duras penas; perdem-se em um momento de descuido. Lei de Acesso à Informação não pode sofrer retrocessos. Não é hora de canetadas e oportunismo”
Felipe Santa Cruz, presidente da OAB


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