Correio Braziliense
postado em 28/03/2020 04:03
Em mais uma controvérsia criada pelo presidente Jair Bolsonaro, a campanha “O Brasil não pode parar”, do governo federal, já é alvo de questionamentos no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal de Contas da União (TCU), por contrariar as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) ante o avanço do novo coronavírus. Com argumento de preservar a economia, a campanha prega a flexibilização do isolamento social imposto por governadores e prefeitos.
No valor de R$ 5 milhões, a campanha, realizada sem licitação, em razão do estado de calamidade pública do país, vai na contramão do entendimento de especialistas e de governantes de todo o mundo, que defendem o distanciamento social como a melhor maneira de frear a pandemia.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e os deputados Felipe Rigoni (PSB-ES) e Tabata Amaral (PDT-SP) deram entrada em uma ação no STF pedindo a suspensão imediata da campanha. Em nota, Molon afirmou que o lançamento de uma campanha publicitária, “que não seja baseada no melhor entendimento dos especialistas do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde, é contraproducente, prejudica a saúde do cidadão brasileiro e chega às raias de ser criminoso”.
Já o PSB protocolou uma denúncia com pedido de medida cautelar no TCU contra a campanha. “A inconsequente postura da Presidência da República, além de configurar grave atentado à saúde pública no Brasil, viola as exigências constitucionais e infraconstitucionais para a publicidade do governo federal, situação que revela risco patente de lesão ao Erário”, diz um trecho da denúncia.
Vários parlamentares foram ao Twitter criticar a intenção do governo. O senador Rogério Carvalho (PT-SE), por exemplo, considerou um desperdício de dinheiro público uma campanha que, na visão dele, estimula a população a se expor ao risco de contaminação pelo coronavírus.
Carvalho, que é médico, lembrou que o isolamento social é uma orientação da OMS e pode proteger os brasileiros. O parlamentar também destacou que o próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, alertou que, em abril, o sistema de saúde do Brasil poderá entrar em colapso, por conta da crescente demanda por atendimento. “Por que o governo não usa esse dinheiro para comprar ventiladores mecânicos para UTIs?”, questionou.
Em carta, a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) questionou Bolsonaro se o governo vai orientar estados e municípios a suspenderem imediatamente as restrições de convívio social e se a União assumirá as responsabilidades que cabem aos governos locais, como atendimento direto à população. Os chefes municipais ameaçam ir à Justiça para responsabilizar o presidente por consequências da mudança no isolamento social durante a pandemia.
“Irracional”
Para o economista Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, a campanha do governo, além de ser uma afronta às orientações da OMS e do próprio Ministério da Saúde, serve tão somente para confundir a população, “que vai pagar a conta dessa mensagem irracional”. “É lamentável que, no momento em que todos procuram canalizar recursos para as necessidades imediatas, como máscaras, respiradores, leitos e hospitais, a Presidência da República ou um grupo de irresponsáveis gaste mslhões em uma campanha para desinformar”, criticou. “A Justiça deveria suspender, imediatamente, a divulgação dessa publicidade, em nome do interesse público.”
Já o advogado Thiago Sorrentino, professor de direito do Estado do Ibmec Brasília, afirmou que a União pode ser responsabilizada se o número de contaminações e mortes pelo coronavírus aumentar. “Ainda que não se comprove um nexo direto entre a falta de isolamento e o agravamento do quadro, a União pode ser responsabilizada por falhar em combater, com a melhor técnica disponível, a disseminação da doença. É importante ressaltar que o isolamento e a quarentena não são uma decisão puramente discricionária, política, ditada apenas pela preferência dos agentes públicos”, ressaltou.
Secom
Em nota, a Secretaria Especial de Comunicação da Presidência da República (Secom) classificou como “irresponsável” a divulgação, pela imprensa, do custo e dos objetivos da campanha. Segundo o órgão, o noticiário “não encontra respaldo nos fatos”, e as informações não foram checadas pelos jornalistas. O comunicado acrescenta que o vídeo que circula desde a quinta-feira nas redes sociais foi “produzido em caráter experimental, portanto, a custo zero e sem avaliação e aprovação da Secom”.
A nota informa, ainda, que a gravação “seria uma proposta inicial para possível uso nas redes sociais, que teria de passar pelo crivo do governo”. Segundo a Secom, a peça “não chegou a ser aprovada e tampouco veiculada em qualquer canal oficial do governo federal”. O órgão também assegura que “não houve qualquer gasto ou custo nesse sentido”.
Consequências
Na carta, assinada pelo presidente da FNP, Jonas Donizette, a entidade diz que “a depender da resposta do governo federal ao presente ofício, pois o posicionamento até o momento tem sido dúbio e gerado insegurança na população, não restará outra alternativa aos prefeitos se não recorrer à Justiça brasileira com pedido de transferência ao presidente da República das responsabilidades cíveis e criminais pelas ações locais de saúde e suas consequências”.
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