Politica

Populismo atrapalha ações, alerta ministro

Marco Aurélio lamenta atitudes de Bolsonaro no combate ao coronavírus e pede equilíbrio às autoridades. Radicalismo provoca enxurrada de ações e pode sobrecarregar tribunais

Correio Braziliense
postado em 31/03/2020 04:02
Em 2017, ministro já se preocupava com crescimento da extrema-direita
 
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), revelou ao Correio, ontem, que temia a possível eleição de Jair Bolsonaro como presidente do Brasil. Ele falou sobre o assunto depois de perguntado sobre o crescente volume de ações judiciais apresentadas contra o chefe do governo, que tem estimulado o descumprimento das recomendações das autoridades de saúde em meio à pandemia do novo coronavírus.

O magistrado lembrou que, em 2017, durante palestra na Universidade de Coimbra, em Portugal, manifestou preocupação e temor com a ascensão política, em diferentes países, de populistas de extrema-direita, como Bolsonaro. “Falei sobre a Hungria, os Estados Unidos com Donald Trump, e disse que temia pelo Brasil, com a possível eleição de Jair Bolsonaro, um político que passou a vida inteira atacando as minorias e pregando um combate intenso contra a corrupção. Premonição? Não, só experiência de vida”, afirmou Marco Aurélio.

Perguntado, ele não quis falar sobre as possíveis consequências jurídicas do posicionamento do capitão reformado na atual crise de saúde. “Eu fico triste ao ver o que o presidente da República está fazendo”, limitou-se a dizer o ministro.

Desde o início da pandemia, decisões de Bolsonaro têm sido alvo de críticas e de questionamentos na Justiça. No último dia 23, após ampla repercussão negativa, ele anunciou a revogação do artigo 18 da MP 927/20, que permitia a suspensão do contrato e do salário do trabalhador por quatro meses, durante a crise de saúde. No dia 26, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, derrubou, por liminar, o trecho da MP 928/20, que suspendia prazos para atendimento a pedidos feitos com base na Lei de Acesso à Informação. Na última sexta-feira, a Justiça Federal do Rio de Janeiro suspendeu os efeitos do decreto presidencial que definia como serviços públicos essenciais as atividades religiosas e as casas lotéricas.

Além das várias ações judiciais em curso, nove partidos políticos anunciaram, ontem, que vão aos tribunais para pedir providências em relação ao passeio de Bolsonaro por estabelecimentos comerciais do Distrito Federal, no domingo. Na ocasião, houve aglomerações de pessoas que queriam ver o presidente e tirar selfie com ele. Bolsonaro foi às ruas do DF um dia após o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, refoçar o isolamento social como medida essencial para evitar o avanço da pandemia no Brasil.

Após o passeio, o presidente revelou aos jornalistas uma vontade de baixar um decreto para permitir o trabalho de “toda profissão legalmente existente ou aquela que é voltada à informalidade, se for necessária para levar o sustento aos seus filhos”. “Estamos estudando medidas judiciais cabíveis contra a atitude do Presidente da República, no intuito de salvaguardar vidas em nossa cidade, bem como nos mobilizando em diversas ações de natureza política”, diz nota assinada por nove partidos — PT, PSOL, PCdoB, PDT, PSB, PCB, PV, Rede e Unidade Popular. Também assinam os grupos Consulta Popular e PRC.

“O DF é, hoje, a terceira unidade da Federação com o maior registro de casos. Assim, essa apologia ao descumprimento de orientações sanitárias pode fazer com que os números cresçam em nossa cidade e que cheguemos ao completo colapso do sistema de saúde”, dizem os partidos. “O discurso criminoso e irresponsável do presidente custará vidas, principalmente dos mais pobres, vulneráveis e moradores das periferias”, ressaltou a declaração conjunta.

Segundo o ministro Marco Aurélio, o Judiciário deve responder às demandas da sociedade em sintonia com as leis e a Constituição. Ao mesmo tempo, alertou que a questão da pandemia no país está altamente judicializada, sobrecarregando o STF. “O momento atual é de temperança. Apelo aos partidos políticos e às entidades de trabalhadores que tenham mais cautela, que aguardem primeiro as manifestações dos outros Poderes envolvidos, porque isso gera um ambiente de insegurança jurídica. São tantas ações que tive que passar o fim de semana trabalhando”, disse o ministro.

Ontem, Marco Aurélio negou o seguimento de uma ação em que o partido Rede Sustentabilidade pedia para que fosse estabelecida uma renda mínima emergencial para todos os trabalhadores durante a pandemia do novo coronavírus. Para a legenda, há omissão do Executivo e do Legislativo em relação às medidas.

Na entrevista ao Correio, o ministro defendeu o isolamento social, recomendado pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para barrar o avanço do novo coronavírus. “O isolamento social é a única maneira de nos preservarmos e evitarmos uma sobrecarga do sistema de saúde. Eu estou trabalhando em casa; afinal, tenho 73 anos e faço parte do grupo mais vulnerável. Se houver um contágio desmedido pelo vírus, certamente não haverá atendimento para todos que dele necessitarem”, disse o ministro.
 
 
Post apagado do Facebook
Depois do Twitter, o Facebook apagou de suas plataformas uma publicação do presidente Jair Bolsonaro, que traz um vídeo do passeio que ele fez no domingo pelo Distrito Federal, contrariando as recomendações de isolamento social feitas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para conter o avanço do novo coronavírus. O Facebook tomou a decisão por entender que a postagem cria “desinformação” que pode “causar danos reais às pessoas”. Durante o passeio, Bolsonaro provocou aglomerações de pessoas que queriam vê-lo e tirar selfies com ele, em oposição à orientação do seu próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para as pessoas ficarem em casa. O vídeo também foi apagado no Instagram, rede social pertencente ao Facebook. “Removemos conteúdo no Facebook e Instagram que viole nossos Padrões de Comunidade, que permitem desinformação que possa causar danos reais às pessoas”, diz a empresa, por meio de nota. Foi a primeira vez que a rede social deletou postagens de um presidente brasileiro. A empresa também apagou uma publicação do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, na qual ele indicava uma bebida que poderia ser útil para curar a Covid-19.


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