Correio Braziliense
postado em 03/04/2020 16:48
Um dia depois de o presidente da República, Jair Bolsonaro, disparar contra o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em entrevista a uma rádio, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) disse que o chefe da pasta mais importante na luta contra o coronavírus tem o apoio dos parlamentares. E disse mais. Destacou que a decisão de retirar o ministro seria política e que toda decisão política tem consequências. Embora tenha dito que não pretende demitir o ministro no momento, Bolsonaro afirmou, dentre outras coisas, que Mandetta “não tem humildade”. “O Mandetta já sabe que a gente está se bicando há algum tempo. Eu não pretendo demitir o ministro no meio da guerra. Agora, ele é uma pessoa que, em algum momento, extrapolou”, acusou durante entrevista à Jovem Pan.
Maia elogiou o ministro, que tem seguido preceitos científicos e seguido as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) no combate ao vírus no Brasil. Para Maia, no entanto, o país tinha condições de ter se antecipado mais para se prevenir contra a crise provocada pela pandemia, e o governo federal deveria ser menos tímido no combate aos efeitos do vírus na saúde, nos empregos e na economia.
Para o presidente da Câmara, o Brasil tinha que ter começado a agir logo após o resgate dos brasileiros que estavam na China. “Com as informações que já tínhamos e o alerta que o Mandetta já vinha fazendo, talvez, pudéssemos ter tido uma ação para organizar melhor o processo. Em alguns setores, faltou acreditar que, de fato, os impactos do vírus seriam muito grandes. Na Saúde, as coisas caminham, mas sem uma compreensão do governo como um todo, isso atrasa o planejamento do Ministério da Saúde”, avaliou.
“A ficha demorou para cair na análise dos impactos econômicos do coronavírus no Brasil. Alguns países tentavam enfrentar o vírus de forma diferente. Mas Grã Bretanha mudou, o México mudou, e o próprio Estados Unidos reage com uma intervenção muito forte, inclusive na área econômica. A curto prazo, a maioria compreendeu a importância de focarmos nas medidas emergenciais no campo da saúde, primeiramente, além do econômico e social. O que eu senti nesse período conversando com alguns quadros é a vontade de não acreditar que o impacto seria naquelas proporções”, afirmou o presidente da Câmara.
Maia afirmou que, quando o vírus começou a se alastrar pelo mundo, no Brasil, “muitos preferiram, em um primeiro momento, achar que não haveria uma contaminação no lado econômico”, e que, talvez, fosse possível avançar com o isolamento vertical. “Mas não é tão simples assim. Uma coisa é separar famílias que têm renda. Que estão separadas. Respeitam a ciência e determinação do Ministério da Saúde. Mas ninguém pensou, o governo não pensou em como isolar idosos nas comunidades mais carentes”, lembrou.
“São temos de complexa solução e acabou atrasando. As primeiras análises foram nesse caminho, não só no Brasil. A própria Grã Bretanha acreditava que dava para manter a economia, e que teria um número menor de mortos. Os erros de avaliação não foram um problema só do Brasil. Muitos fizeram. Claro que o presidente da República continua insistindo na mesma tese. A chave da equipe econômica já virou. Mas as soluções estão atrasando. Até produzir documento e soluções técnicas, se perde de 15 a 20 dias. O governo avançou em áreas fundamentais e pode avançar em outras. Espero uma ação mais rápida”, ponderou.
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As afirmações foram feitas durante uma live com o jornal Valor Econômico. Ao ser questionado sobre a relação entre Mandetta e Bolsonaro, que tem azedado a medida que o presidente da República insiste em descumprir as determinações da pasta e, também da OMS, diferente de todos os outros chefes de Estado, Maia destacou que a escolha por Mandetta foi do próprio chefe do Executivo. “O presidente fez escolhas pessoais para os ministérios. E deixou isso claro. O Mandetta foi escolha dele, embora seja filiado ao partido, um grande quadro, ele foi escolhido pelas qualidades técnicas”, afirmou
“Esse conflito que ele (Bolsonaro) constrói com o ministro não faz nenhum sentido. Ele delegou ao ministro a área técnica. O que eu acredito é que o ministro tem conseguido, com toda a dificuldade, organizar as coisas. Mesmo desautorizado, continua exercendo um papel fundamental, baseado na ciência, baseado nas orientações da OMS, para mostrar para a sociedade e organizar os outros ministros para o enfrentamento da crise, o que é fundamental”, afirmou Maia.
O presidente da Câmara destacou que o governo não pode perder Mandetta no meio da crise. “É fundamental, no meio do processo, que a gente não tenha uma perda de um nome como o Mandetta na organização. Até outro sentar na cadeira e reorganizar, até com uma visão diferente…”, refletiu. “Porque, se o presidente mudar o ministro, vai mudar política do ministério, porque não acredita no ministro, e, ao mesmo tempo, não tem coragem de tirar o ministro e mudar oficialmente a política. Fica em uma posião dúbia”, criticou.
“Mas o Mandetta tem atuado de forma contundente. Já registrou aquilo que vem fazendo e o que precisa ser feito, para que todos fiquem claros com suas responsabilidades. O que eu acredito é que toda vez que o presidente vem a público criticar, mais atrapalha que ajuda, e o ministro tem tido a paciência e equilíbrio para reafirmar a mesma posição. Não muda por pressão do presidente. Na Itália, trocaram o rumo e deu no que deu. Holanda também está em uma situação muito ruim. O ministro tem nosso apoio, como sociedade, meu como cidadão. Como presidente da Câmara, nem se fala”, garantiu.
Alerta
O parlamentar disse que esteve com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que esta se recuperando após ter sido contaminado pelo coronavírus, e que não se trata, como Bolsonaro afirmou, mais de uma vez, de uma “gripinha”. “Ontem eu estive com o Davi. Acabou de se recuperar do covid 19. Não é uma gripinha. Ele deve dar um depoimento hoje. E tem 42 anos. É jovem. Esse vírus é novo e nós devemos seguir a orientação do ministro escolhido paelo próprio presidente”, afirmou.
“Parece que o presidente é comentarista do próprio governo. E tenta transferir responsabilidade para os outros. O ministro tem dito de forma clara o que precisa ser feito e quais os caminhos. A partir daí, se isso for desrespeitado por qualquer cidadão, inclusive pelo presidente, a responsabilidade é daqueles que tentaram desautorizar e desorganizar o que está sendo feito sob o comando do ministro, e induzido pelos governadores de estado”, acrescentou Maia.
O deputado também elogiou a prontidão dos governadores no combate ao coronavírus, e afirmou que ao atacá-los, Bolsonaro se mostra incoerente. “Os governadores de estado também tem feito um trabalho extraordinário no meio de uma crise como essa. Os governadores seguem a orientação do ministro, e o presidente ataca os governadores. O Brasil não é um país para amadores. Nem em uma crise como essa, quem chegar aqui vai conseguir entender como alguém indicou outra pessoa para passar orientações para entes federados, e o presidente questiona (a pessoa indicada)”, comentou.
Saiba Mais
Maia disse que não acredita que Mandetta vá pedir para sair. “Ele, como homem preparado, sério, não vai pedir o boné com toda a adversidade. Mas se o presidente entender que a política que ele escolheu ao nomear o Mandetta, que comanda essa política, se entender que a política pública é outra, e alguns querem o cargo do Mandetta de forma oportunista, é uma decisão dele, e toda decisão política tem consequências. Eu acredito que o presidente Bolsonaro faz essa interação, mas ele sabe do trabalho e importância do ministro Mandetta, e mesmo com conflitos, entende que o trabalho do Mandetta no ministério tem reconhecido por todos os brasileiros”, disse.
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