Correio Braziliense
postado em 07/04/2020 04:33
Na linha de frente do hercúleo combate à doença que impacta não só o Brasil como o restante do mundo, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ainda tem de encarar a turbulência de que é alvo, imposta pelo presidente Jair Bolsonaro. Ontem, ele passou por mais um dia de grande desgaste, com rumores de que seria demitido, mas avisou, em entrevista coletiva à noite, que permanecerá no cargo. Mandetta pediu paz para trabalhar. “Infelizmente, começamos com mais um solavanco a semana de trabalho e a gente precisa ter paz”, enfatizou.
Os rumores de que Mandetta seria demitido ocorreram após Bolsonaro receber para um almoço no Palácio do Planalto o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), ex-ministro da Cidadania. Ao longo do dia, a informação sobre a saída do titular da pasta da Saúde, que tem arrancado elogios nos Três Poderes por sua atuação contra o coronavírus, agitou o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Nos bastidores, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), fizeram chegar até o chefe do Executivo que não aceitariam a demissão de Mandetta.
Ministros do Supremo também manifestaram contrariedade à eventual exoneração. Ao fim da tarde, dezenas de técnicos do Ministério da Saúde foram para a frente da sede do órgão destacar que não ficariam em seus cargos se ocorresse a troca de chefe. O assunto também movimentou as redes sociais. No Twitter, em que Bolsonaro e seus apoiadores alegam ter grande influência, as mensagens relacionadas à eventual demissão do ministro bateram a marca de 300 mil em cerca de três horas. O assunto chegou a ficar entre os mais debatidos do mundo.
“Nós vamos continuar, pois continuando, vamos enfrentar nosso inimigo. Médico não abandona paciente, e eu não vou abandonar”, afirmou Mandetta, na coletiva, tranquilizando, inclusive, os técnicos da pasta. De acordo com o ministro, ao longo do dia, servidores do órgão limparam as gavetas, aguardando a saída dele. “Teve gente que limpou as gavetas, inclusive, me ajudou a limpar as minhas.”
Mandetta reafirmou o caráter técnico das decisões que toma, elogiou a equipe, formada por muitos médicos, e disse que o foco do trabalho é obter equipamentos hospitalares e respiradores para combater o avanço da doença no país. Ele agradeceu o apoio dos servidores, que foram para a frente do prédio aguardar uma decisão sobre sua saída ou não. “Aqui nós entramos juntos, nós estamos juntos e, quando eu deixar o ministério, vamos colaborar com qualquer equipe que venha, mas vamos sair juntos”, completou.
Ciência
O ministro fez questão de deixar claro que todas as estratégias do órgão serão determinadas com base na ciência, e não em critérios políticos ou ideológicos. “Somos aqui a voz da ciência. Nós procuramos a sociedade e o Conselho Federal de Medicina para adotar drogas (no tratamento)”, disse. “Abrimos o Ministério da Saúde para todos os demais ministérios. Trabalhamos o tempo todo com base nos números, discussões e tomadas de decisões. Não temos nenhum medo da crítica. Gostamos da crítica construtiva. O que temos dificuldade é quando, em determinadas situações, as críticas não vêm para construir, mas para colocar dificuldades ao nosso trabalho”, emendou, em uma indireta para apoiadores do governo.
Ele aproveitou para dizer que a tomada de decisões não será feita sem a avaliação técnica necessária. “Levaram-me para uma sala com dois médicos que queriam um protocolo de hidroxicloroquina por decreto, e eu disse que é super bem-vindo, com os debates entre os pares: o Conselho Federal de Medicina e o Ministério da Saúde. Primeiro, precisa saber se é bom, se há indícios. Vamos fazer pela ciência, planejamento, sem perder o foco.”
O ministro afirmou, ainda, que passou o fim de semana lendo a Alegoria da Caverna, de Platão. O texto faz referência à visão limitada da realidade, que gera apenas uma noção parcial do verdadeiro cenário sobre o funcionamento da sociedade.
As cavadas de Terra
Enquanto é fritado por Bolsonaro, Mandetta também é alvo de Osmar Terra, cotado para assumir a Saúde. Nas últimas semanas, o ex-ministro da Cidadania vem se aproximando de integrantes do governo e fazendo declarações públicas que deixam claro seu alinhamento com o Executivo. Ele é a favor do relaxamento do isolamento social, como prega o presidente, e do uso da cloroquina no tratamento da Covid-19. O chefe do Planalto defendeu, mais de uma vez, o medicamento, ministrado contra artrite e lúpus, mas que ainda está sendo testado no combate ao coronavírus.
Também médico, como Mandetta, Terra, inclusive, reuniu-se com Bolsonaro para tratar do uso da cloroquina. Ele disse não ter conversado com o presidente sobre uma eventual indicação para assumir o Ministério da Saúde.
O presidente também se encontrou com o vice-presidente Hamilton Mourão e com outros integrantes do Executivo, antes de tomar a decisão de seguir com Mandetta no ministério. Ao sair do Planalto, não quis comentar o assunto e apenas cumprimentou apoiadores.
Ameaças
Na semana passada, depois de dias negando a existência de uma crise entre os dois, Bolsonaro disse que faltava “humildade” a Mandetta e que nenhum ministro é “indemissível’. “Em alguns momentos, ele teria que ouvir um pouco mais o presidente da República”, reclamou. No domingo, o chefe do Executivo disse não ter medo de “usar a caneta”. Segundo o comandante do Planalto, “algo subiu à cabeça” de alguns integrantes do governo. “Eram pessoas normais, mas, de repente, viraram estrelas. Falam pelos cotovelos, têm provocações. Mas a hora deles não chegou ainda, não, mas vai chegar a hora deles. A minha caneta funciona. Não tenho medo de usar a caneta”, afirmou.
Intervenção de militares
Os generais que assessoram o presidente Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto, atuam para apaziguar os ânimos e evitar a demissão de Mandetta. Assim como o chefe do Executivo, os militares também têm reparos à forma como o ministro se comporta. Eles consideram que Mandetta tenta capitalizar as ações da pasta. Mas avaliam que uma demissão, neste momento, fortaleceria os governadores que hoje travam uma queda de braço com o presidente. Os militares insistem que essa é uma guerra que não é boa para ninguém. E alertam para falta de opção. O ex-ministro Osmar Terra, um dos aliados que mais tiveram acesso a Bolsonaro nos últimos dias e que busca assumir o lugar de Mandetta, foi demitido do Ministério da Cidadania porque não dava resultado.
"Temos dificuldade quando, em determinadas situações, por determinadas impressões, críticas não vêm para construir, mas para trazer dificuldade no ambiente de trabalho”
Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde
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