Politica

"Se agravar, vem para o meu colo"

Na posse do novo ministro da Saúde, Bolsonaro volta a defender a flexibilização do isolamento social e diz que serão responsabilidade dele eventuais consequências danosas da decisão. Presidente fala em reabrir as fronteiras

Correio Braziliense
postado em 18/04/2020 04:03
Na posse do novo ministro da Saúde, Bolsonaro volta a defender a flexibilização do isolamento social e diz que serão responsabilidade dele eventuais consequências danosas da decisão. Presidente fala em reabrir as fronteiras
Enquanto acusa governadores e prefeitos de estarem atrapalhando o combate ao novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro segue politizando o enfrentamento à crise sanitária no Brasil. Um dia após criticar duramente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ele fez mais uma aposta arriscada ao instigar o país a pagar para ver os eventuais reflexos de um afrouxamento nas medidas de isolamento social. Mas não só isso: assumiu a responsabilidade de eventuais consequências mais graves. Segundo o chefe do Executivo, ele tem de “buscar aquilo que, segundo o povo que acreditou em mim, deve ser feito” e “se agravar, vem para o meu colo”.

Bolsonaro ordenou ao novo ministro da Saúde, Nelson Teich, que encontre um meio-termo entre a necessidade de confinamento dos brasileiros de qualquer idade e a volta da atividade produtiva no país. Na contramão do que sugere a Organização Mundial da Saúde e do que vem adotando diversas nações pelo mundo, ele pediu ajuda divina para que a estratégia funcione.

“A História lá na frente vai nos julgar, e eu peço a Deus que nós dois estejamos certos lá na frente. Então, essa briga de começar a abrir para o comércio é um risco que eu corro, porque, se agravar, vem para o meu colo. Agora, o que eu acredito, e que muita gente já está tendo consciência, é de que tem de abrir”, frisou. “Hoje (ontem) mesmo, acreditando na imprensa brasileira, vi uma matéria que 50% dos prefeitos estão divididos no tocante à abertura. Até pouco tempo, era 100% contrário ou 99%. Eu tenho certeza de que eles sabem dessa necessidade”, emendou, durante a posse de Teich.

Preocupado com o que será a economia do país após a pandemia — o que pode acabar pesando para uma má avaliação do seu governo no futuro —, Bolsonaro enfatizou a Teich que o país não pode quebrar. “Todos nós, em especial o Mandetta (ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta), torcemos pelo seu sucesso, porque o seu sucesso poupa vidas, poupa pessoas que possam ser jogadas ao desemprego e poderá, ao nosso entender, buscar uma alternativa para isso. Junte eu e o Mandetta e divida por dois”, sugeriu. “Pode ter certeza de que você vai chegar àquilo que interessa para todos nós. Nós não queremos vencer a pandemia e daí chamar o (ministro da Economia) Paulo Guedes para solucionar as consequências de um povo sem salário, sem dinheiro e quase sem perspectiva em função de uma economia que a gente vê que está sofrendo vários reveses”, alertou.

No que definiu como “dia de alegria”, o presidente agradeceu ao exonerado Mandetta pelo tempo à frente da Saúde, mas demonstrou disposição de esquecer as medidas de prevenção aconselhadas pelo ex-ministro. Em outra prova de que minimiza a gravidade da Covid-19, Bolsonaro falou em reabrir as fronteiras internacionais do país.

“A gente vai conversar com mais ministros, (de) começar a abrir as fronteiras. Muita gente pergunta: ‘Por que tá fechado com o Paraguai, se é uma fronteira seca que não temos como fiscalizá-la?’ Eu acredito que quando a gente for escrever alguma coisa é para ser cumprido. A mesma coisa no tocante ao Paraguai. Então, a gente vai tendo informações e vai decidindo, assim como qualquer portaria restritiva tem de passar, agora, pelo crivo da chefia da Casa Civil”, ressaltou.

Temerário
A postura de Bolsonaro de ignorar um eventual incremento no número de doentes e de mortos pela Covid-19, a partir de uma flexibilização das medidas de isolamento, não foi bem-vista pela classe política, especialmente no Congresso Nacional, onde ele já não tem uma boa base de apoio.

O deputado Marcelo Ramos (PL-AM) considerou que “é temerário pagar para ver quando o que se está em jogo é a vida dos outros”. “O presidente não tem demonstrado convicção nas suas declarações. Este é o momento da ciência, e não da política. Se nós colocarmos elementos políticos nas decisões, correremos o sério risco de errar, ainda mais sabendo que estamos perto de entrar no período mais crítico de mortes”, ponderou.

Por sua vez, o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB), opinou que “é importante a gente procurar unir o país e serenar os ânimos”. “É hora de a gente entender que o vírus não tem ideologia e que a vida não tem partido. Temos de quebrar o retrovisor e parar de olhar para as discussões do passado. Caso contrário, todos nós vamos perder”, comentou.

O líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), definiu as falas de Bolsonaro como “declarações extremamente perigosas e suicidas”, sobretudo no momento em que o país ultrapassou as marcas de 2,1 mil mortos e de 33 mil infectados. “Nós já temos uma grande crise. Estamos em estado de calamidade pública, que foi decretado pelo próprio presidente. O valor de uma vida ceifada já seria muito importante, e as perspectivas estão mostrando que esses números vão crescer exponencialmente nos próximos tempos”, ressaltou.

Ele acrescentou que o país vive sob uma “expectativa de desespero de que em todo o país a rede pública de saúde não dê conta do número de infectados em estado grave ou de que as pessoas possam morrer sem ter atendimento adequado”. Olímpio ainda lembrou que “estamos no momento em que a pandemia ainda é dos ricos, porque não atingiu as comunidades, favelas e municípios mais pobres e com menos estrutura”. “Eu não sei a que se prestou essa manifestação do presidente. Quer ele assuma ou não as consequências, a responsabilidade já é dele. A população vai cobrar dele. Assim como ela exorta e aplaude o sucesso, ela não perdoa o fracasso.”

“Nós não queremos vencer a pandemia e daí chamar o (ministro da Economia) Paulo Guedes para solucionar as consequências de um povo sem salário, sem dinheiro e quase sem perspectiva em função de uma economia que a gente vê que está sofrendo vários reveses”
 
 
“A História lá na frente vai nos julgar, e eu peço a Deus que nós dois estejamos certos lá na frente (...). Agora, o que eu acredito, e que muita gente já está tendo consciência, é de que tem de abrir”
Jair Bolsonaro, presidente da República

Alfinetada de Mourão
Ao chegar à solenidade de posse do novo ministro da Saúde, Nelson Teich, ontem, o vice-presidente, general Hamilton Mourão (PRTB) foi cumprimentado por um grupo de jornalistas próximo a uma ala de elevadores no Palácio do Planalto. O general respondeu: “Está tudo sob controle, não sabemos de quem”, brincou.


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