Em um momento de grandes dificuldades e incertezas, a troca de comando no Ministério da Saúde está longe de estancar a crise política que dividiu o país. A disputa do presidente Jair Bolsonaro com governadores e o Congresso Nacional se intensificou, enquanto as mortes causadas pelo novo coronavírus se multiplicam e a rede hospitalar ameaça entrar em colapso. Ao mesmo tempo, a ofensiva do Planalto para afrouxar as medidas de distanciamento social, adotadas nos estados contra o avanço da pandemia, enfrenta a resistência do Supremo Tribunal Federal (STF), o que tensiona ainda mais a relação entre os Poderes.
Políticos de diferentes partidos e especialistas acompanham com preocupação os primeiros movimentos do novo ministro da Saúde, o oncologista Nelson Teich, que substituiu Luiz Henrique Mandetta, demitido na sexta-feira. Ao contrário do antecessor, Teich disse estar “totalmente alinhado” com o presidente, que é um defensor da reabertura do comércio e de outras medidas para acabar com o distanciamento social, na contramão das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da posição da maioria dos países.
O esforço do Brasil no enfrentamento da pandemia, segundo fontes ouvidas pelo Correio, foi contaminado pela disputa entre Bolsonaro e políticos que ele vê como ameaças ao projeto de reeleição. Os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), são virtuais candidatos ao pleito de 2022 e os maiores desafetos do presidente da República.
Essa rivalidade também é o pano de fundo da briga entre o Executivo e o Congresso em torno da ajuda financeira aos entes federativos, que enfrentavam dificuldades antes da pandemia e agora estão à beira do colapso. A Câmara aprovou um projeto que obriga a União a liberar R$ 80 bilhões para recompor as perdas dos estados e municípios com a queda na arrecadação do ICMS e do ISS. Contrário à proposta, o governo federal corre contra o tempo para barrá-la no Senado.
Esse projeto foi o pretexto para Bolsonaro abrir uma nova crise com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a quem acusou de “trabalhar para destruir o Brasil”. Além disso, o presidente da República teria confidenciado a aliados que Maia, João Doria e parte do STF estariam armando um golpe de Estado para tirá-lo do governo. Aos interlocutores, teria mencionado um dossiê com informações de inteligência que comprovaria o complô. Porém, nenhum documento foi apresentado como prova. Na sexta-feira, o presidente negou a veracidade das especulações.
É nesse clima de instabilidade entre os Poderes que o Brasil vai sendo tomado pelo avanço do novo coronavírus, cujos casos no país passaram de 30 mil, enquanto as mortes pela Covid-19 superam as 2 mil.
O deputado Flávio Nogueira (PDT-PI), que é médico pneumologista, diz que vê com bastante apreensão o aprofundamento da crise e lamenta que Bolsonaro se comporte como se ainda estivesse no palanque e siga governando apenas para o segmento que o elegeu em 2018. “O presidente está preocupado com o empresariado, está do lado do mercado, não pensa na proteção da vida, no drama das famílias, nas pessoas que estão doentes, que estão morrendo”, disse o parlamentar.
O deputado Ricardo Barros (PP-PR), que foi ministro da Saúde durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), considera que Bolsonaro está correto nas críticas que faz ao distanciamento social e na defesa do isolamento vertical. “Na minha opinião, formada também a partir de diferentes estudos científicos, apenas os idosos e os imunodeprimidos devem ficar em isolamento. Com o distanciamento social, o país está pagando um preço econômico por uma solução que não está sendo entregue”, afirmou Barros.
Queda de braço
O presidente da República anunciou que pretende apresentar um projeto de lei ampliando o rol das atividades essenciais que devem continuar funcionando durante a pandemia. Porém, o STF reafirmou que cabe aos estados a definição das medidas locais para conter o avanço da Covid-19.
As reações de membros dos Poderes Legislativo e Judiciário às ofensivas de Bolsonaro na crise se transformaram em um anteparo na defesa das medidas que visam proteger a população e apoiar a recuperação econômica dos estados e municípios.
Thiago Sorrentino, professor de direito do Estado do Ibmec Brasília, lamenta que, independentemente de quem for o vencedor da queda de braço entre o presidente e os governadores, “o perdedor será a população brasileira”. “Na melhor das hipóteses, estamos perdendo tempo precioso para tomar as medidas mais eficientes para debelar a crise. Na pior, há o risco de ruptura institucional”, disse.
Para o advogado constitucionalista Vladimir Feijó, a crise do novo coronavírus mostra com clareza que “vivemos num Estado de Direito, não havendo espaço para autoritarismos”. “A Constituição prevê a harmonia entre os poderes. Isso não quer dizer conivência para os abusos dos outros, em conluio contra a soberania popular. A previsão é de exercício regular das funções prescritas para cada um deles, sem ingerência além do previsto, como parte do sistema de freios e contrapesos. Quando um dos poderes, ou mesmo uma autoridade de um dos poderes, pratica ilegalidade ou abuso, existem ferramentas para neutralizar esta conduta”, disse Feijó.
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