Correio Braziliense
postado em 25/04/2020 06:00
Num pronunciamento longo à imprensa, no qual fez um apanhado das ações no Ministério da Justiça e Segurança Pública, falou também sobre passado e futuro, Sergio Moro se despediu da pasta à qual chegou como superministro, com prometida carta branca para atuar. “Eu abandonei 22 anos de magistratura. Infelizmente, é um caminho sem volta. Mas quando eu assumi, sabia dos riscos”, admitiu, após passar 16 meses à frente da pasta.O divórcio do governo é litigioso, com graves acusações contra Bolsonaro, com as quais, conforme frisou Moro, não poderia compactuar. Ele negou, mais uma vez, que tenha aceitado o cargo de ministro de olho numa indicação para o Supremo Tribunal Federal e disse que a única condição imposta para assumir a função foi de que sua família tivesse uma pensão, caso algo acontecesse com ele enquanto estivesse à frente do ministério. De acordo com ele, uma vez que abandonou a magistratura, perdeu a contribuição feita até então à Previdência.
Sobre o futuro, Moro disse que vai “mais adiante” procurar um emprego. “Não enriqueci no serviço público, nem como magistrado nem como ministro. E quero dizer que, independentemente de onde eu esteja, sempre vou estar à disposição do país para ajudar o que quer que seja”, frisou.
Protagonismo
Ao anunciar a sua saída do ministério, Moro alegou que precisa preservar sua biografia. Ele ganhou projeção nacional e internacional pela condução dos processos relativos à Operação Lava-Jato. Atuava na 13ª Vara Federal de Curitiba, especializada em julgar crimes financeiros e de lavagem ou ocultação de bens.
Foi Moro quem determinou a prisão de figuras importantes na política nacional, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após condenação judicial em duas instâncias no caso do triplex no Guarujá (SP). Entre os que foram parar atrás das grades estava também o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.
A atuação de Moro também rendeu críticas, após o site The Intercept divulgar trechos de conversas entre o então juiz e integrantes da força-tarefa, mostrando intervenções dele no andamento das investigações.
Moro deixa o governo com a popularidade em alta. Pesquisa Datafolha de janeiro deste ano mostrou que ele é a personalidade pública em que os brasileiros mais confiam. No levantamento, foram apresentadas 12 figuras políticas, incluindo Bolsonaro e Lula. Veja abaixa os principais trechos do discurso de ontem do agora ex-ministro.
Honoris Causa
Sergio Moro é mestre e doutor pela Universidade Federal do Paraná. Em 1998, cursou um programa de aperfeiçoamento para advogados na escola de Direito da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Também no país, recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Notre Dame.
“O presidente me disse, mais de uma vez, expressamente, que ele queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, que ele pudesse colher relatórios de inteligência, seja diretor, seja o superintendente”
Confira os principais trechos
Lava-Jato
“Antes de assumir o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública, eu fui juiz federal por 22 anos, tive diversos casos criminais relevantes. E, desde 2014, em particular, nós tivemos a Operação Lava-Jato, que mudou o patamar de combate à corrupção no país. Claro que existe muito ainda a ser feito, mas aquela grande corrupção que, em geral, era impune, esse cenário foi modificado. Isso foi um trabalho no Judiciário, no Ministério Público, de outros órgãos e, na parte da investigação, principalmente da Polícia Federal”
PT
“Foi garantida a autonomia da Polícia Federal durante esses trabalhos lá de investigação. É certo que o governo da época tinha inúmeros defeitos, aqueles crimes gigantescos de corrupção que aconteceram naquela época. Mas foi fundamental a manutenção da autonomia da PF para que fosse possível realizar esses trabalho. Seja de bom grado, seja pela pressão da sociedade, essa autonomia foi mantida e isso permitiu que os resultados fossem alcançados”
Carta branca
“Final de 2018, essa é uma história um pouco repetida, eu recebi convite do então eleito presidente da República, Jair Bolsonaro, a ser ministro da Justiça e da Segurança Pública. O que foi conversado com o presidente, lembro que foi em 1º de novembro, que nós teríamos o compromisso com o combate à corrupção, ao crime organizado e à criminalidade violenta. Inclusive, me foi prometido, na ocasião, carta branca para nomear todos os assessores, inclusive desses órgãos policiais, como Polícia Rodoviária Federal e a própria Polícia Federal”
STF
“Na ocasião, foi divulgado, equivocadamente, por algumas pessoas, que eu teria estabelecido como condição para assumir o Ministério da Justiça uma nomeação ao Supremo Tribunal Federal. Nunca houve essa condição, até porque seria algo de aceitar um cargo de ministro da Justiça pensando em outro. Isso não é da minha natureza”
Superintendente
“A partir do segundo semestre do ano passado, passou a haver uma insistência do presidente da troca do comando da Polícia Federal. Houve, primeiro, um desejo de trocar um superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro. Sinceramente, não havia nenhum motivo para essa substituição, mas, conversando com o superintendente em questão, ele queria sair do cargo por questões exclusivamente pessoais. Então, nesse cenário acabemos concordando, eu e o diretor-geral, em promover essa troca com uma substituição técnica, com uma substituição de um indicado pela polícia”
Diretor-geral
“O presidente, no entanto, passou a insistir também na troca do diretor-geral. O que eu sempre disse ao presidente: ‘Eu não tenho nenhum problema em trocar o diretor-geral da Polícia Federal, mas preciso de uma causa’. E uma causa normalmente relacionada a uma insuficiência de desempenho, um erro grave. No entanto, o que eu vi durante todo esse período, e até pelo histórico do próprio diretor-geral, que é um trabalho bem-feito. Não é uma questão do nome. Tem outros bons nomes para assumir o cargo de diretor da Polícia Federal. Há outros delegados igualmente competentes. O grande problema de realizar essa troca, primeiro: haveria uma violação de uma promessa que me foi feita inicialmente, que eu teria carta branca. Em segundo lugar, não haveria uma causa para essa substituição, e estaria claro que estaria havendo ali uma interferência política na Polícia Federal, que gera um abalo na credibilidade, não minha, mas minha também, mas também do governo. Não aconteceu durante a Lava-Jato, a despeito de todos os problemas de corrupção dos governos anteriores”
Insistência
“Dialoguei muito tempo pelo presidente, busquei postergar essa decisão, às vezes até sinalizando que poderia concordar no futuro com essa possibilidade (…). Ontem (quinta), conversei com o presidente. Houve essa insistência do presidente. Falei ao presidente que seria uma intervenção política, ele disse que seria mesmo. Falei que isso teria um impacto para todos, que seria negativo. Mas para evitar uma crise durante uma pandemia (…), eu sinalizei: vamos substituir o Valeixo por alguém que represente a continuidade dos trabalhos, alguém com perfil absolutamente técnico e que fosse uma sugestão minha também. Na verdade, nem minha, uma sugestão da própria Polícia Federal”
Interferência
“Mas o grande problema é que não é tanto essa questão de quem colocar. O problema é: por que trocar? E permitir que seja feita a interferência política no âmbito da Polícia Federal. O presidente me disse, mais de uma vez, expressamente, que ele queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, que ele pudesse colher relatórios de inteligência, seja diretor, seja o superintendente. E realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação. As investigações têm de ser preservadas. Imaginem durante a própria Lava-Jato, o ministro, o diretor-geral, a então presidente Dilma, o ex-presidente Luís ficassem ligando para o superintendente em Curitiba para colher informações sobre as investigações em andamento. Então, o grande problema não é quem entra, mas por que entra. E se esse alguém não conseguiu dizer ‘não’ ao presidente, a uma proposta dessa espécie, eu fico na dúvida se vai conseguir dizer ‘não’ em relação a outros temas”
Valeixo
“Há uma possibilidade que se afirma que o Maurício Valeixo gostaria de sair. Mas isso não é totalmente verdadeiro. O ápice da carreira de qualquer policial federal é a direção-geral da Polícia Federal. E ele entrou com uma missão. Claro que depois de tantas pressões para que saísse, ele, de fato, até manifestou a mim: ‘olha, talvez seja melhor eu sair para diminuir essa cisma e nós conseguirmos realizar uma substituição adequada’. Mas nunca isso voluntariamente, sim, decorrente dessa pressão”
Inquéritos
“O presidente também me informou que tinha preocupação com inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal e que a troca também seria oportuna da Polícia Federal por esse motivo. Também não é uma razão que justifique a substituição, é até algo que gera uma grande preocupação. Enfim, eu sinto que tenho o dever de tentar proteger a instituição, a Polícia Federal, e, por todos esses motivos, ainda busquei uma solução alternativa para tentar evitar uma crise política durante uma pandemia. Acho que o foco deveria ser o combate à pandemia, mas entendi que eu não podia deixar de lado esse meu compromisso com o Estado de direito”
Exoneração
“A exoneração que foi publicada, eu fiquei sabendo pelo Diário Oficial, pela madrugada. Eu não assinei esse decreto. Em nenhum momento isso foi trazido, em nenhum momento o diretor-geral da Polícia Federal apresentou um pedido formal de exoneração. Depois, ele me comunicou que ontem à noite (quinta) recebeu uma ligação dizendo que ia ser exoneração a pedido e se ele concordava. Ele disse: ‘Como é que eu vou concordar com alguma coisa, eu vou fazer o que, né?’ Se ele já está sujeito à exoneração a pedido. Mas o fato é que não existe nenhum pedido que foi feito de maneira formal. Eu, sinceramente, fui surpreendido, achei que isso foi ofensivo. Vi que depois a Secom (Secretaria de Comunicação) afirmou que houve essa exoneração a pedido, mas isso, de fato, não é verdadeiro”
Biografia
“Tenho que preservar a minha biografia, mas, acima de tudo, tenho que preservar o compromisso, que foi o compromisso que eu assumi inicialmente com o próprio presidente de que nós seríamos firmes no combate à corrupção, ao crime organizado e à criminalidade violenta. E um pressuposto necessário para isso é que nós temos de garantir o respeito à lei, à própria autonomia da Polícia Federal contra interferências políticas. Poderia ser alterado o diretor-geral, desde que tivesse uma causa consistente. Não tendo uma causa consistente e percebendo que essa interferência política pode levar a relações impróprias entre o diretor-geral, entre os superintendentes com o presidente da República, é algo que realmente eu não posso concordar”
Resistência
“(...) A Polícia Federal tem um histórico, ela vai também resistir a qualquer espécie de interferência política. Tenho crença nisso. E que seja indicado alguém que possa realizar um trabalho autônomo, independente, alguém que não concorde em trocar superintendentes ou delegados por motivos não justificados”
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