Correio Braziliense
postado em 25/04/2020 10:47
Juiz consagrado pela Operação Lava Jato, Sergio Moro acreditou que poderia ampliar a luta contra os malfeitores ao ocupar o cargo de ministro da Justiça, após a maior investida contra a corrupção já realizada no Brasil. Confiou na promessa de Jair Bolsonaro, anunciada durante a campanha eleitoral, de inaugurar uma nova política e de ser o fiador do combate sistemático à maior das pandemias neste país, a corrupção. O magistrado se convenceu de que valia a pena emprestar o prestígio adquirido com o desmonte do esquema capitaneado pelo Partido dos Trabalhadores para enveredar em uma aventura política em Brasília. Estava incluída nesse cálculo uma eventual, possível ou provável indicação para o Supremo Tribunal Federal. Moro estava disposto a enfrentar acusações de suspeição e de conduta inapropriada com os procuradores à frente dos inquéritos contra políticos e empresários graúdos da República. Concluiu que esses imbróglios eram menores do que o ideal maior — o fortalecimento do Estado de Direito no Brasil, a consagração do rule of law em um país fundado sobre o tripé do autoritarismo, da impunidade e da exclusão social.O conto da nova política acabou ontem. No final da manhã de ontem, Sergio Moro estilou em pouco mais de 40 minutos a decepção com o presidente que lhe havia prometido carta branca para dar continuidade ao trabalho desenvolvido em Curitiba. E se despediu da Esplanada dos Ministérios com o testemunho bombástico da ofensiva explícita do presidente da República para controlar as investigações conduzidas pela Polícia Federal. Ao acusar o assédio do chefe do Planalto ao diretor-geral Maurício Valeixo, Moro elogiou a conduta dos governos petistas, que jamais ousaram, segundo ele, influenciar ou bisbilhotar os trabalhos investigativos da corporação. Ironicamente, o juiz que personificou o combate à roubalheira do petrolão recorreu à atuação dos governos que condenou para denunciar a ofensiva do atual ocupante do Planalto em domar as ações da Polícia Federal.
Na resposta ao ex-ministro, o presidente da República adotou a tática costumeira: atacar para se defender. Acusou-o de condicionar a exoneração de Valeixo a uma vaga no Supremo Tribunal Federal. Afirmou que Moro nunca se empenhou em investigar quem seria o mentor intelectual da facada sofrida pelo então candidato a presidente na campanha de 2018. Reclamou que o ministro da Justiça se preocupou mais com o caso Marielle do que com o atentado de Juiz de Fora. Repetiu a estratégia que culminou na saída de outro ministro de alta popularidade, Luiz Henrique Mandetta — minar o trabalho do (in)subordinado até a situação se tornar insustentável. E utilizou a velha máxima na crônica política brasileira: aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei. Enquanto o ministro constitui um ativo político, Bolsonaro promete autonomia. Quando o ministro se torna inconveniente, use-se, então, a caneta.
A Procuradoria-Geral da República abriu inquérito para descobrir onde está a verdade no duelo de versões entre Moro e Bolsonaro. Trata-se de um jogo no qual o presidente entra em desvantagem. Moro construiu sua trajetória com análise de provas de delitos. Seria improvável ele entrar no conflito final com o presidente desguarnecido de provas ou indícios sólidos de suas acusações. Os diálogos divulgados ontem no Jornal Nacional indicam que o ex-ministro está preparado para o confronto. Entre as incríveis situações da política brasileira, o ex-magistrado que colheu centenas de interrogatórios durante o curso da Operação Lava-Jato poderá se tornar depoente em uma investigação sobre o teor de suas acusações. Passará de juiz a investigado.
Saiba Mais
Na sua página em uma rede social, já identificado como ex-ministro da Justiça, Moro cunha a mensagem sallus populi suprema lex esto (“A salvação do povo seja a suprema lei”), de Cícero. Durante a Lava-Jato, a lei prevaleceu. Ontem, Moro foi abatido pela política.
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