Correio Braziliense
postado em 26/04/2020 16:30
Na crise aberta pela demissão de Sérgio Moro do Ministério da Justiça, o historiador José Murilo de Carvalho vê indÃcios de um governo que começa a se despedir antes do previsto. A crise polÃtica agravada pelo confronto de Moro com o presidente Jair Bolsonaro, as dificuldades econômicas e a pandemia do novo coronavÃrus se aliam em uma "tempestade perfeita", que torna a sobrevivência do governo "cada vez mais difÃcil", avalia em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Segundo ele, a fragilidade da base parlamentar de Bolsonaro torna essa possibilidade muito factÃvel.
"Basta haver uma razão convincente de impedimento para que, sem apoio sólido no Congresso, ele (Bolsonaro) possa ser afastado por impedimento", afirma o historiador, ao comparar a crise atual com aquelas que envolveram os governos Dilma Rousseff e Michel Temer. Para ele, os últimos movimentos de Bolsonaro, livrando-se de possÃveis rivais, como Moro, acenando ao Centrão e lançando um plano econômico que lembra o regime militar, tendem a aumentar o seu isolamento. A Bolsonaro, avalia, restaria uma base popular cada vez menor.
O que a saÃda de Moro, um dos representantes do chamado 'tenentismo de toga', significa para a Lava Jato e para o PaÃs?
A Lava Jato já estava sendo esvaziada. Se o presidente quiser controlar a PF, a operação será sepultada de vez pelas mãos de quem prometia moralização. Inclusive porque o presidente está agora buscando apoio da ala podre da polÃtica.
Bolsonaro quer controlar a PF porque teme investigações contra ele e seus filhos?
Tudo indica que é a razão principal do atrito com Moro. É de notar que o presidente só falou no (filho) 04 (Jair Renan, o mais novo), saltando os zero um (senador Flavio Bolsonaro), zero dois (vereador Carlos Bolsonaro) e zero três (deputado Eduardo Bolsonaro).
O governo Bolsonaro se sustentará até dezembro de 2022?
É cada vez menos provável a sobrevivência dele até o final. TerÃamos, além da crise econômica e da pandemia, uma crise polÃtica. Tempestade perfeita.
No que a crise atual se parece e se diferencia quando comparada com as crises do impeachment de Dilma e do caso Joesley, no governo Temer?
O presidente atual é mais frágil, por não ter um partido forte que o sustente. Dilma tinha apoio, mas insuficiente. Temer tinha base sólida. Hoje, basta haver uma razão convincente de impedimento prevista na legislação, por exemplo, crime de responsabilidade, para que, sem apoio sólido no Congresso, ele (Bolsonaro) possa ser afastado.
E com outras crises de nossa República, como as dos governos Jânio e Collor, que também pregavam combate à corrupção e mudanças conservadoras? Há comparação?
Jânio era um moralista autêntico e sincero. Só não tinha convicções e paciência democráticas. Collor teve problemas dentro da própria famÃlia. Ambos não tinham base parlamentar.
Em um curto espaço de tempo, o presidente Bolsonaro demitiu Luiz Henrique Mandetta, esvaziou Paulo Guedes, demitiu o chefe da PF, provocando a saÃda de Moro da Justiça, e buscou apoio no Centrão. Qual é a lógica desses movimentos em sequência?
É uma jogada arriscada tirar os dois ministros mais populares e agora minar a posição de Paulo Guedes com a criação de comissão para formular um programa chamado Pró Brasil. O presidente afasta possÃveis concorrentes, mas perde crescentemente apoio popular.
Bolsonaro está rearrumando a direita, buscando outra base social, livrando-se de possÃveis rivais em 2022 e procurando apoio nos velhos esquemas polÃticos? Ou está apenas protegendo o seu clã de investigações?
(Está) Livrando-se de rivais e protegendo a prole.
O governo pode, na prática, se tornar um governo militar, tocado pelos generais?
Pelo menos, um governo dependente dos ministros militares. O que é ruim para o governo, ruim para os militares, ruim para o PaÃs. Para o governo, por ficar dependente deles. Para os militares, porque qualquer fracasso pode ser jogado sobre a corporação, embora eles não a representem no governo. O envolvimento da imagem da corporação será difÃcil de ser evitado. Para o PaÃs, (é ruim) porque gera insegurança.
O plano econômico anunciado esta semana por militares, com medidas que alguns disseram lembrar o regime militar, é sinal de militarização?
O Pró Brasil lembra um pouco a polÃtica desenvolvimentista de (presidente Ernesto) Geisel. Mas lembra também o PAC de Dilma. Nenhum funcionou. A diferença é que, paralelamente, ele (Geisel) começou o processo de desmilitarização da polÃtica quando o chamado milagre começou a derreter. Um processo inverso. O crescimento econômico não podia mais ser avalista da ditadura.
O que as mudanças no governo indicam: Bolsonaro está recomeçando, em bases iliberais, ou caminha para o seu fim?
Mais peso estatal na polÃtica econômica não precisa ser necessariamente um mal, embora seja incompatÃvel com a polÃtica idealizada pelo ministro da Economia (Paulo Guedes). Mas fazê-lo fora da negociação polÃtica é um mal. O isolamento do governo crescerá restando-lhe uma base popular cada vez mais restrita. A probabilidade de um fim de governo aumenta.
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