Correio Braziliense
postado em 29/04/2020 04:03
Em meio ao furacão causado pelo pedido de demissão do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, o presidente Jair Bolsonaro encontrou uma solução para acalmar o clima na pasta e conseguir algum fôlego para respirar, após semanas de tensão. Desde a saída de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde, o país enfrenta uma série de crises. O chefe do Executivo se torna cada vez mais impopular ao tomar atitudes desaprovadas por parte da sociedade. No entanto, ao nomear o então advogado-geral da União, André Mendonça, para a pasta da Justiça — como antecipou, ontem, a colunista do Correio Denise Rothenburg —, Bolsonaro acalma parcialmente os ânimos que estavam acirrados com a possibilidade de o ministro-chefe da Secretaria da Presidência, Jorge Oliveira, ser escolhido como substituto de Moro.
Agora, porém, o ponto de tensão e de polêmicas se concentra na Polícia Federal, que, a partir de hoje, passa a ser comandada pelo delegado Alexandre Ramagem, tido como uma pessoa próxima do presidente e da família dele e que tem recebido críticas desde que seu nome apareceu entre os eventuais indicados (leia reportagem na página ao lado).
André Mendonça não aparecia entre os cotados para substituir Moro até segunda-feira, quando Bolsonaro afirmou que ele era um forte candidato. Com 20 anos de experiência na Advocacia-Geral da União (AGU), ele tem larga experiência no meio jurídico, mas pouca familiaridade com as pautas de segurança pública. A vantagem é que mantém boas relações com o Congresso e não tem críticas contundentes ao longo de sua carreira.
Mendonça é visto como um meio-termo no Ministério da Justiça, já que, apesar de fiel a Bolsonaro, mesmo na AGU, atuou de forma técnica nos processos e, muitas vezes, em declarações públicas, amenizou discursos que representaram ataques às instituições. Pastor evangélico, procura se afastar de brigas políticas protagonizadas pelo presidente e não tem a popularidade de Sergio Moro, algo que incomodou o chefe do Planalto desde o começo do mandato. Ele tem ótima relação com os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e no meio jurídico.
Por meio de nota, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, afirmou que Mendonça “teve um desempenho admirável na AGU. Íntegro, elegante e preparado”, e desejou sorte à frente da pasta da Justiça. Já o ministro Gilmar Mendes, também do STF, usou o Twitter para comentar a nomeação de Mendonça e de José Levi Mello do Amaral Júnior, que era procurador-geral da Fazenda Nacional e assumirá o posto de advogado-geral da União. “Desejo sucesso ao novo MJ @AMendoncaAGU e ao novo AGU José Levi. Dois servidores públicos que se nobilizaram pelo trabalho técnico, pela integridade e pelo zelo às instituições. São símbolos maiores da excelência da Advocacia Pública Federal brasileira”, escreveu.
A permanência de Mendonça no ministério pode ser curta. Ele se encaixa no perfil de “terrivelmente evangélico” que Bolsonaro quer no STF. Em novembro, o decano da Corte, Celso de Mello, se aposentará, o que abrirá uma vaga no tribunal, a ser indicada pelo chefe do Executivo.
Expectativa
O cientista político Cristiano Noronha, da consultoria Arko Advice, disse que a escolha de André Mendonça, um nome técnico, reduz um pouco a tensão que foi criada com a demissão de Moro e inicia um processo de pacificação. O mesmo serve para o novo advogado-geral da União, José Levi Mello do Amaral Júnior, que era procurador-geral da Fazenda Nacional.
A opção que estava sendo ventilada na pasta da Justiça, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Jorge Oliveira, tem proximidade com o núcleo familiar do presidente e poderia trazer críticas demasiadas, segundo Noronha. “Obviamente que o nome do Moro, pela popularidade que tinha e por ter se tornado um símbolo da Lava-Jato, dava ao próprio governo uma força. E, nesse aspecto, há uma perda para o governo, mas não acho que isso seja um problema”, disse. Para ele, é provável que a atuação do Ministério da Justiça e Segurança Pública passe a ser mais discreta.
Indicação para a Abin
O general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), indicou o atual diretor-adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Frank Márcio de Oliveira, para chefiar a entidade. A informação foi confirmada pelo próprio ministro no Twitter. A Abin tem como tarefas atividades de inteligência, monitoria e assessoramento do presidente da República em questões que envolvem geopolíticas, ameaças terroristas, espionagem estrangeira, entre outras.
“Meu compromisso é continuar desenvolvendo o trabalho técnico que tem pautado minha vida. Conto com o apoio do povo brasileiro! Que Deus nos abençoe!”
André Mendonça, novo ministro da Justiça
“André Mendonça teve um desempenho admirável na AGU. Íntegro, elegante e preparado. Desejo a ele toda a sorte na nova missão”
Luís Roberto Barroso, ministro do STF
Pastor evangélico e avesso a polêmicas
Reservado e técnico, o novo ministro da Justiça, André Mendonça, deixa para trás uma experiência de 20 anos na Advocacia-Geral da União. Pastor evangélico, ele tenta desempenhar suas funções sem colocar os versículos da Bíblia acima dos artigos da Constituição. Integrante do governo com forte aceitação entre as alas militares e civis, ele encontra alguma resistência entre apoiadores ideológicos e no eleitorado por defender pautas ideológicas usando exclusivamente critérios técnicos. Aos 47 anos, se alinha ao pensamento do presidente em várias pautas, mas defende um tom mais sereno para tratar as políticas públicas e as relações com o Congresso. Mendonça não conhecia pessoalmente Bolsonaro até o momento em que o chefe do Executivo foi eleito. O comandante do Planalto recebeu indicações e chegou até Mendonça. Apresentado ao currículo do advogado, gostou, e passou a ter confiança nele também ao saber que se tratava de um pastor. Na eleição, Mendonça não se envolveu em campanhas políticas e não chegou a defender nem mesmo a de Bolsonaro. Mas ao Correio, em fevereiro, elogiou a história de vida de Marina Silva, candidata naquele pleito. Mendonça é pastor da Igreja Presbiteriana Esperança de Brasília, vertente que se distancia levemente do conservadorismo das demais denominações evangélicas. A instituição, que se reúne de forma improvisada na casa de fiéis e em uma escola pública de Brasília, prefere ficar longe de assuntos políticos ou de polêmicas.
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