Em depoimento prestado à Polícia Federal no último sábado, que teve seu conteúdo integral divulgado ontem, o ex-ministro da Justiça Sergio Moro reafirmou as acusações que fez contra o presidente Jair Bolsonaro e deu detalhes da pressão que teria sofrido para promover alterações na estrutura da corporação. Em frente a dois delegados e três procuradores, o ex-juiz disse que recebeu, mais de uma vez, pedido do chefe do Planalto para que o delegado Carlos Henrique Oliveira fosse retirado da chefia da Superintendência da PF no Rio de Janeiro. Durante a oitiva, o ex-magistrado afirmou não saber quais eram as intenções do presidente, mas ressaltou que existia tentativa de interferir na instituição.
De acordo com Moro, as pressões para trocar o comando da PF no Rio ocorriam desde janeiro. O ex-juiz relatou que estava em Washington com o delegado Maurício Valeixo, então diretor-geral da PF, em março deste ano, quando recebeu a mensagem de Bolsonaro por WhatsApp. “Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”, teria escrito o presidente. O arquivo da conversa foi entregue para a PF no mesmo dia do depoimento, com áudios, fotos e vídeos. De acordo com o ex-ministro, ele e o delegado Valeixo pensaram em aceitar a troca para evitar crise com o presidente. No entanto, o então diretor-geral declarou que não poderia ficar no cargo caso a troca no Rio ocorresse sem um motivo técnico.
Durante as mais de oito horas em que prestou esclarecimentos sobre as acusações, Moro evitou creditar a Bolsonaro qualquer prática criminosa, mas pediu que a motivação para as alterações solicitadas na estrutura da PF fossem questionadas ao próprio presidente. Disse que não atribui crimes ao chefe do Executivo, porém, que a Procuradoria-Geral da República (PGR) o fez.
Moro frisou serem verdadeiras todas as declarações que fez em seu discurso de despedida do Ministério da Justiça. Ele também declarou que o general Eduardo Ramos, ministro da Casa Civil, entrou em contato com ele, por telefone, para pedir que ficasse no governo e que o militar garantiu que poderia ser apontada uma substituição intermediária para o comando da Polícia Federal.
O ex-ministro disse, na ocasião, que concordaria em ficar no governo caso fosse escolhida uma pessoa para dirigir a corporação que não fosse próxima da família do presidente. No entanto, essa negociação não avançou, e ele ficou sabendo da nomeação de Alexandre Ramagem, delegado amigo da família de Bolsonaro, pelo Diário Oficial da União. Naquele dia, decidiu sair do governo, e já havia alertado que contaria os motivos do pedido de exoneração e a tentativa de interferência na PF.
Relatórios
Em um trecho do depoimento, Moro afirmou que Bolsonaro solicitou acesso a relatórios de inteligência policial. A determinação teria ocorrido em 22 de abril, no Palácio do Planalto, em frente a vários ministros do governo. De acordo com o ex-ministro, o presidente fez o pedido no mesmo dia em que solicitou a troca do superintendente da PF no Rio. Ele teria ameaçado demitir Valeixo e o próprio Moro se isso não ocorresse, conforme relatou. Os fatos narrados pelo ex-juiz teriam ocorrido durante a apresentação do programa Pró-Brasil.
As reuniões são gravadas em vídeo. Moro afirmou que Bolsonaro não fala a verdade quando diz que “não recebia informações ou relatórios de inteligência da Polícia Federal”. Ele disse, que como fazia outros ministros, repassava informações referentes a operações, sem dar detalhes das diligências. Isso ocorreu, de acordo com Moro, após a operação que mirou o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, e o senador Fernando Bezerra. O ex-juiz alegou que não repassou ao presidente, nesse caso, dados sigilosos dos inquéritos.
Mas, no mesmo depoimento, Moro frisou que Bolsonaro “nunca solicitou relatório de inteligência estratégico da PF sobre um conteúdo específico” e que ele viu com estranheza que o presidente use esse argumento para embasar a demissão de Valeixo. Relato, ainda, que nunca assinou ou repassou ao presidente qualquer documento concordando com a exoneração do então diretor da PF. O nome dele apareceu na publicação do Diário Oficial que tratou da dispensa de Valeixo, mas essa informação foi corrigida em uma edição extra.
Ao ser perguntado se havia algum interesse específico de Bolsonaro sobre alguma investigação em curso no STF, Moro respondeu que o presidente enviou mensagem para ele, na manhã de 23 de abril de 2020, com o link de matéria de site a respeito do inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) contra deputados bolsonaristas, e agregou que este, seria “mais um motivo para a troca na PF”.
Inquérito
Sergio Moro prestou depoimento na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, no âmbito do inquérito instaurado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para apurar as acusações de que o presidente Bolsonaro interferiu politicamente na Polícia Federal. O relator do caso é o ministro Celso de Mello.
Generais
De acordo com Moro, o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) “afirmou que o tipo de relatório de inteligência que o presidente queria não tinha como ser fornecido”. Conforme o ex-juiz, os generais “se comprometeram a tentar demover o presidente”, mas vazou a informação de que Valeixo seria substituído e saiu a publicação da exoneração, o que tornou irreversível a demissão.
Poucas mensagens
Moro afirmou, no depoimento, que tem apenas algumas mensagens trocadas com Bolsonaro, e mesmo com outras pessoas, porque teve, em 2019, suas mensagens interceptadas ilegalmente por hacker, motivo pelo qual passou a apagá-las periodicamente. Ele frisou que as deletava não por ilicitude, mas para resguardar privacidade e mesmo informações relevantes sobre a atividade que exercia, inclusive, questões de interesse nacional.
Caminho para as provas
Moro indicou como elementos para comprovar suas declarações:- O próprio depoimento à Polícia Federal.
- A mensagem que recebeu do presidente em 23 de abril de 2020 e as demais mensagens que disponibilizou para a PF.
- Todo o histórico de pressões de Bolsonaro pela troca na Superintendência do Rio e do então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo que foram objetos de declarações públicas do próprio presidente, “inclusive, em uma delas com invocação de motivo inverídico para a substituição do SR/RJ, ou seja, a suposta falta de produtividade”.
- As declarações de Bolsonaro em seu pronunciamento, nas quais ele admitiu a intenção de trocar dois superintendentes, inclusive, o do Rio de Janeiro, sem apresentar motivos, e a substituição do então diretor-geral.
- As declarações do presidente de 22 de abril de 2020, na reunião com o conselho de ministros e que são gravadas, nas quais ele admite a intenção de substituir o superintendente do Rio de Janeiro, o diretor-geral e até o ministro. Na reunião, ele teria, ainda, manifestado sua insatisfação por não receber relatórios de inteligência da PF, o que Moro disse não ser verdadeiro.
- Protocolos da Agência Brasileira de Informação (Abin) de encaminhamento dos relatórios de inteligência produzidos com base em informações a ela repassadas pela PF e que demonstrariam que o presidente já tinha, portanto, acesso às informações de inteligência da PF, às quais, legalmente, tinha direito. Protocolos podem ser solicitados, também, à diretoria de inteligência da PF, segundo Moro.
- A confirmação das declarações dele, Moro, por parte de Maurício Valeixo (ex-diretor da PF) e por Ricardo Saad (ex-superintendente da PF no Rio de Janeiro). Citou também os ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Braga Netto (Casa Civil) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), com quem se reuniu para relatar a conversa que teve com Bolsonaro, na qual disse para o presidente que a troca na PF seria uma interferência política.
- O telefone celular que disponibilizou para a PF, para extração das mensagens trocadas, via aplicativo WhatsApp, com o presidente da República (contato “presidente novíssimo”) e com a deputada federal Carla Zambelli, e que são as relevantes, no entendimento dele.
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