Correio Braziliense
postado em 09/05/2020 04:03
Isolamento presidencial
O Palácio do Planalto tornou-se uma trincheira na qual o presidente Jair Bolsonaro e seus correligionários buscam refugiar-se da realidade. É impressionante observar o distanciamento estabelecido no Poder que deveria, nesta calamidade de pandemia, estar próximo dos brasileiros e dirigir todos os esforços no combate à tragédia sem precedentes que se instalou no país. Enquanto milhares de famílias choram a morte de entes queridos e milhões sofrem para ter o que comer em casa, observa-se um espetáculo de arrogância, empáfia, desprezo pela vida, truculência e ignorância nos salões e nas cercanias do edifício projetado por Oscar Niemeyer. Tornaram-se habituais as entrevistas coletivas, posses de ministros e pronunciamentos em que autoridades se aglomeram sem máscaras, trocam abraços, cumprimentam-se, tiram selfies, exibem sorrisos e gracejos menosprezando as recomendações seguidas no mundo inteiro para conter o avanço implacável do novo coronavírus. A algumas dezenas de metros dali, na Praça dos Três Poderes, fanáticos desprezam a dor alheia e buscam impor, com gritos e empurrões, ameaças e palavrões, suas convicções políticas no momento em que o país almeja entendimento e solidariedade.
Tão ostensivas quanto as cenas de alienação e insensibilidade dos fregueses palacianos são as crises políticas fabricadas para impor as urgências particulares do mandatário da nação. Há três semanas, Luiz Henrique Mandetta foi retirado do ministério da Saúde – o expurgo parece ter ocorrido há dois meses, tal a avalanche de acontecimentos – porque estava se achando “estrela”. Em seu lugar veio o apático Nelson Teich, cujo discurso e intenções não conseguem retirar de sua face a perplexidade e a indiferença diante do assombro da covid-19 no país. Em seguida veio o duelo com Sergio Moro, que considerou insustentável a permanência no governo ante a pressão de um presidente atormentado com o inquérito sobre a guerrilha virtual que pode incriminar integrantes do clã Bolsonaro. A saída de Moro agravou o desgaste entre Executivo e Judiciário e transformou a Praça dos Três Poderes em uma arena na qual instituições da República medem força. Mandetta e Moro fora do governo são consequência de uma estratégia deliberada em criar conflitos para atrair a atenção sobre os atos do Planalto e escamotear a incapacidade política do governo federal de formar uma coalizão com estados e municípios para enfrentar o coronavírus no Brasil. Foi esse pacto político que o presidente do STF, Dias Toffoli, cobrou de Bolsonaro em resposta à romaria patética que se dirigiu na última quinta-feira à instância máxima da Justiça no país.
Se no Planalto o bolsonarismo veste um simulacro institucional, é na residência oficial que ele assume sua face mais brutal e genuína. “E daí?” para as milhares de mortes de brasileiros por covid-19. “Cala a boca! Não perguntei nada!” para os jornalistas que cumprem o dever de informar a sociedade. “Patifaria!” para a notícia das manobras a fim de substituir o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro. “Uma decisão política” para o veto à nomeação de Alexandre Ramagem à PF, proferido por Alexandre de Moraes, que chegou ao Supremo Tribunal Federal por “amizade com o senhor Michel Temer”. É no portão da residência oficial, ao pé do ouvido dos fanáticos robotizados, que o presidente atualiza o repertório de impropérios e recarrega as baterias para todo e qualquer confronto. Para o fim de semana, está previsto mais um disparate: um churrasco para 30 ou mil convidados, a depender do número de interessados, com direito a uma “peladinha”. Festa com humor negro no momento em que o Brasil chega a 10 mil mortos por coronavírus.
Parte do presidente da República o negacionismo que infesta o Palácio do Planalto e reverbera em Brasília e no país. Distante do martírio dos brasileiros e da batalha de governadores e prefeitos, o chefe do Executivo promove ações diversionistas e intrigas palacianas para erguer barreiras contra o inevitável. É uma estratégia de curtíssima duração e com alto risco de fracasso. Seja pelas implosões políticas causadas por seus atos, seja pelo avanço do coronavírus, Bolsonaro verá suas defesas ruírem. Caberá à democracia brasileira resistir.
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