Correio Braziliense
postado em 10/05/2020 04:13
Ao perceber que a sua aceitação no Congresso estava cada vez menor, o presidente Jair Bolsonaro se viu obrigado a abandonar o discurso de que não transige com a corrupção e abriu o governo federal para legendas do Centrão, grupo notório por reunir partidos considerados fisiológicos e contra alguns dos seus integrantes pesam processos judiciais e condenações por malversação de recursos públicos. A manobra é a mesma que outros presidentes executaram: obtenção de apoio entre os parlamentares para manter a governabilidade e, sobretudo, adquirir musculatura para debelar uma eventual abertura de processo de impeachment. Dentro do Executivo, subordinados também começaram a comprar a ideia. Independentemente da resposta popular, os aliados do presidente querem garantir que Bolsonaro cumpra os quatro anos de mandato.
No que depender dos integrantes do governo, inclusive dos militares, Bolsonaro terá respaldo para qualquer tipo de articulação política. O vice-presidente Hamilton Mourão, por exemplo, reconhece que a crise sanitária “obrigou o presidente a buscar uma nova forma de diálogo com o Congresso”. Segundo ele, no início, o foco do governo era se aproximar de bancadas temáticas –– como a evangélica e a da bala –– para constituir maiorias provisórias no Parlamento, mas a pandemia fez com que o presidente passasse a lidar de maneira diferente com as legendas, para tentar “extrair o melhor” de cada uma.
“Efetivamente, como outros presidentes tiveram que fazer, (Bolsonaro buscou) uma aproximação mais cerrada junto aos partidos políticos, de modo que ele construa uma base que lhe dê certa estabilidade para tentar aprovar aquilo que nós julgamos necessário”, disse o general, durante videoconferência promovida pela consultoria Arko Advice.
Esse pensamento é compartilhado pelos três ministros militares com assento no Planalto: Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Walter Braga Netto (Casa Civil) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional).
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, também “culpa” o surto do novo coronavírus como o principal motivo de Bolsonaro ter se submetido à velha política que tanto condenava. Na avaliação dele, o presidente não está errado em negociar cargos no governo em troca de apoio no Congresso.
“Infelizmente, essa pandemia atacou a economia em todos os países, e o Brasil foi um deles. Apesar de antes estar em uma subida muito consistente na retomada econômica, o país terá as consequências da pandemia. E tem reflexos em todas as áreas, inclusive na necessidade de um maior cuidado com a relação política entre os diversos entes”, analisou Salles, em recente entrevista à CNN Brasil. “Toda mudança tem um período de adaptação. Tem, evidentemente, pontos que precisam ser sempre aprimorados. E o governo vem fazendo a sua parte nesse sentido”, acrescentou.
Porteira aberta
No fim de abril, Bolsonaro declarou não ver problemas em abrir vagas no governo para o Centrão, mesmo que isso signifique abandonar o discurso adotado na campanha eleitoral de 2018. E se deu conta de que o toma lá dá cá tem tudo para ser um importante pilar do governo
“Eu converso praticamente com todos os parlamentares. Quando falo com o pessoal do PP... Eu já fui mais de 10 anos do partido. Por que eu não vou conversar com nomes do PP, já que foram meus colegas por 15 anos? Qual o problema? Eles que votam. Se eles têm algum pecado, o eleitor do estado é que deve tomar providência. Eu não estou aqui para julgar, condenar, acusar, pedir cassação de qualquer parlamentar”, explicou-se.
Na semana passada, o Centrão seguiu com firmeza as diretrizes do governo na votação do projeto de socorro aos estados e municípios. Na Câmara, principalmente, a orientação das lideranças centristas fez com que a proposta fosse aprovada conforme os interesses do Palácio do Planalto, com um placar de 437 votos favoráveis e 34 contrários. Para o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a negociação de Bolsonaro mostra que, de fato, a base do governo pode começar a crescer.
“No parlamento é natural que haja base (do governo), oposição e independentes. Não muda nada na minha relação com o governo, com nenhum partido. Continua a mesma. Só que, agora, de fato uma parte, de forma objetiva, pode ser parte de uma base do governo. Vamos ver. Na relação com a presidência da Câmara, nenhum partido vai ter problema porque apoia ou critica o governo. Aqui é a casa da democracia”, analisou, em coletiva de imprensa.
O deputado disse que “é um direito democrático um partido querer defender as pautas do governo”. “É legítimo que o governo tenha o direito de organizar sua base. Se é com o PP ou com outros partidos, é um direto do governo montá-la de forma transparente para que a sociedade tenha as informações sobre como é a relação do governo com o Parlamento”, salientou.
Insinceridade
Mas há quem duvide da conduta de Bolsonaro, em especial antigos apoiadores e hoje desafetos dele. O deputado Julian Lemos (PSL-PB) reclamou que o presidente “transformou o Centrão em aliados e, aliados, em inimigos”. “(Bolsonaro) conseguiu implodir a base que o fez chegar ao poder. Agora, temos uma aliança pelo Brasil e ela já tem seu fundo eleitoral: Banco do Nordeste, Funasa (Fundação Nacional de Saúde), entre outros. Nesse momento, o governo perde sua essência. O Centrão mostrou as vísceras de um governo que se autodesmoralizou”, reclama o parlamentar, ao citar alguns dos órgãos cujos cargos estão em negociação com Planalto.
Vice-presidente nacional do PSL, o deputado Júnior Bozzella (SP) lamentou que Bolsonaro tenha se entregado ao Centrão. “Este é o último estágio de desespero”, acusa o parlamentar, que acrescenta: o presidente está “acuado”. “Os critérios republicanos foram todos enterrados no ‘novo’ governo do toma lá dá cá. A origem de Jair Bolsonaro é o baixo clero do Centrão. Você tira o Bolsonaro do Centrão, mas não tira a velha prática do Centrão de Bolsonaro”, destacou.
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