Correio Braziliense
postado em 11/05/2020 04:40
Em meio ao avanço do novo coronavírus, que já matou mais de 11 mil pessoas no país, a política promete um nível de tensão ainda maior, por causa da bateria de depoimentos, nesta semana, para apurar se o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal. O destaque será a vinda do ex-ministro da Justiça Sergio Moro a Brasília para acompanhar, amanhã de manhã, na sede da Polícia Federal (PF), a exibição do vídeo da reunião ministerial em que o presidente Jair Bolsonaro teria ameaçado demiti-lo, pressionando pela saída de Maurício Valeixo da direção da PF. A presença de Moro é considerada fundamental para que ele dê um veredicto a respeito do vídeo: se é autêntico ou se foi editado, com a supressão de partes importantes do encontro.
A gravação foi entregue pelo governo à PF por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, que liberou para análise dos advogados do ex-ministro. Como ele estava na reunião, sua avaliação é crucial para conferir a autenticidade do material. A peça é considerada importante para ajudar na investigação sobre a tentativa de interferência do presidente na Polícia Federal, conforme denunciou Moro.
A conclusão do ex-juiz Moro sobre o vídeo servirá de base para saber se é preciso uma perícia técnica no material. Se ele assegurar que não houve edição, como as cobranças para que Valeixo fosse afastado, por exemplo, não será necessário periciar tecnicamente o material.
A tensão é grande dentro do governo, pois três dos quatro ministros palacianos estarão voltados para os depoimentos da tentativa de interferência na PF. Na lista dos que serão ouvidos amanhã, no Palácio do Planalto, está, inclusive, o coordenador da força-tarefa de combate ao novo coronavírus, o chefe da Casa Civil, ministro Walter Braga Netto. Ele será ouvido com os colegas da secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno. A convocação dos três elevou a tensão entre o Planalto e o STF.
Testemunhas
Esses ministros foram chamados porque participaram da reunião de 22 de abril, na qual Bolsonaro teria ameaçado Moro de demissão, caso não trocasse o diretor-geral da Polícia Federal. Além disso, Moro disse em seu depoimento de oito horas à PF, em 2 de maio, que os três ministros testemunharam várias conversas entre ele e o presidente. Nesses encontros, também teriam havido cobranças para troca de comando na PF.
Na reunião de 22 de abril, o presidente da República teria insistido para ter acesso a relatórios de inteligência da PF, de acordo com Moro. Esses relatórios só chegam ao presidente da República via Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e quando a PF considera importante alertar o governo a respeito.
Segundo Moro relatou em seu depoimento, Bolsonaro disse, nessa reunião, que precisava de pessoas de sua confiança na PF para que pudesse interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência. A pressão para troca da PF do Rio de Janeiro também era intensa e Bolsonaro teria, inclusive, dito que seu ministro tinha 27 superintendências da PF e ele (Bolsonaro) queria apenas uma, a do Rio de Janeiro.
A série de oitivas começa hoje com o ex-diretor-geral da PF Maurício Valeixo. Ele deverá esclarecer aos investigadores se foi demitido ou se saiu “a pedido”, como publicado no ato de exoneração em que constou a assinatura de Moro e que o então ministro negou ter assinado. No mesmo dia, a PF ouvirá, ainda, o ex-superintendente da PF do Rio de Janeiro Ricardo Saadi e o diretor-geral da Abin, Alexandre Ramagem, primeiro nome escolhido por Bolsonaro para dirigir a Polícia Federal. A nomeação, entretanto, não ocorreu porque o ministro Alexandre de Moraes, do STF, a suspendeu, com base num pedido do PDT, lastreado nas denúncias de Moro.
Outros personagens a serem ouvidos esta semana são o ex-superintendente do Rio de Janeiro Carlos Henrique de Oliveira Souza e o superintendente da PF no Amazonas, Alexandre da Silva Saraiva. Também está na lista a deputada Carla Zambelli (PSL-SP). Ela atuou para tentar convencer Moro a aceitar a troca de comando na Polícia Federal, com a promessa de uma cadeira de ministro do Supremo, em novembro.
Pandemia
Esses depoimentos ocorrem ao mesmo tempo em que o governo se verá pressionado a dar uma resposta em termos de coordenação de ações para conter a pandemia. Bolsonaro continua interessado em mostrar que leva uma vida normal, apesar da crise sanitária. No último sábado, por exemplo, foi passear de jet ski, no Lago Paranoá, e se deixou filmar, referindo-se às medidas de prevenção como “neurose”. Ontem, em seu Twitter, comparou o lockdown decretado pelo governador do Maranhão, Flávio Dino, em razão da pandemia, à ditadura da Venezuela. E, ao voltar de uma visita ao filho Eduardo, o 03, disse a seus apoiadores que sairá do poder apenas em janeiro de 2027, ou seja, aposta na reeleição.
As declarações de Bolsonaro sobre neurose em relação à pandemia foram feitas no mesmo dia em que, num debate na Globonews, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta disse que as decisões dos governadores a respeito da quarentena foram acertadas, uma vez que ainda não há um remédio eficaz para a cura da covid-19, tampouco uma vacina.
Veja quem será interrogado pela PF
Hoje
10h: Maurício Valeixo, ex-diretor-geral da Polícia Federal
15h: Alexandre Ramagem, escolhido por Bolsonaro para comandar a PF, mas barrado pelo STF
15h: Ricardo Saadi, ex-superintendente da PF no Rio de Janeiro
Amanhã
15h: Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional
15h: Walter Braga Netto, ministro da Casa Civil
15h: Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo
Quarta-feira
15h: Carla Zambelli, deputada federal pelo PSL de São Paulo
15h: Carlos Henrique de Oliveira Sousa, delegado, ex-superintendente da PF no Rio
15h: Alexandre da Silva Saraiva, delegado, ex-superintendente da PF no Amazonas
15h: Rodrigo de Melo Teixeira, delegado, ex-superintendente da PF em Minas Gerais
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