Correio Braziliense
postado em 12/05/2020 06:00
O ex-diretor-geral da Polícia Federal Maurício Valeixo afirmou, em depoimento em Curitiba, que o presidente Jair Bolsonaro queria no comando da corporação alguém com quem tivesse “maior afinidade”. O delegado confirmou que houve tentativa do chefe do Executivo de mudar o titular da Superintendência do Rio de Janeiro, em duas ocasiões, mas que não havia motivo para a modificação. Além disso, admitiu que estava desgastado devido à pressão do Planalto para que deixasse o cargo.
Valeixo foi ouvido na Superintendência da PF em Curitiba como parte do inquérito, aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar as acusações do ex-ministro Sergio Moro de que Bolsonaro tentou interferir politicamente na corporação. O depoimento, a dois delegados e três procuradores, durou quase sete horas.
Segundo o delegado, o desgaste causado pela tentativa de trocar o chefe da PF no Rio vinha desde agosto. Bolsonaro deu declarações públicas sobre a baixa produtividade da superintendência comandada pelo delegado Ricardo Saadi. “Ao contrário do que foi falado pelo presidente, a superintendência teria se destacado naquele ano, conforme índices de produtividade operacional, tendo subido posições em relação ao ano anterior”, declarou o ex-diretor geral. De acordo com ele, nem no Rio nem em Pernambuco foi apresentada “nenhuma razão que justificasse a substituição, uma vez que não havia nenhuma reclamação sobre a condução dessas superintendências”. De acordo com ele, em março, quando estava em Washington, nos Estados Unidos, foi informado por Moro que Bolsonaro teria solicitado troca no comando da superintendência da PF no Rio de Janeiro.
O delegado afirmou que Bolsonaro nunca solicitou para ele acesso a relatórios de inteligência e que eram repassadas ao Ministério da Justiça informações gerais, que não prejudicavam as investigações em andamento. Ele disse, também, que não houve interferência política em seu trabalho. “Para o depoente (Maurício Valeixo), a partir do momento em que há uma indicação com interesse sobre uma investigação específica, estaria caracterizada uma interferência política, o que não ocorreu em nenhum momento sob o ponto de vista do depoente”, diz um trecho do depoimento ao qual o Correio teve acesso na íntegra.
Apesar de se sentir desgastado com a pressão exercida por Bolsonaro, Valeixo disse que nunca pediu formalmente exoneração. Segundo relatou, a saída da direção da PF ocorreu por decisão do presidente, não a pedido dele. O delegado afirmou que o chefe do Executivo ligou para ele antes de a demissão ser publicada no Diário Oficial da União e informou que a exoneração seria oficializada como “a pedido”. Ele deixou o cargo em 24 de abril, e a dispensa tinha a assinatura eletrônica de Bolsonaro e de Moro. No entanto, o ex-juiz da Lava-Jato afirmou que não deu aval para a demissão. Numa edição extra do DOU, no mesmo dia, o nome de Moro foi retirado da exoneração.
Conforme o relato, “em duas oportunidades, uma presencialmente, outra pelo telefone, o presidente da República teria dito ao depoente que gostaria de nomear ao cargo de diretor-geral alguém que tivesse maior afinidade, não apresentando nenhum tipo de problema contra a pessoa do depoente; que o depoente registra que o presidente nunca tratou diretamente com ele sobre troca de superintendentes nem nunca lhe pediu relatórios de inteligência ou informações sobre investigações ou inquéritos policiais”.
Valeixo se lembrou que o nome do diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, foi citado, mas disse que não saberia dizer qual o motivo da sua indicação nem se ele tem relação com a família Bolsonaro. Ao ser questionado se a troca na direção da corporação faria com que o presidente tivesse acesso a todas as investigações, o delegado afirmou que não. “Seria necessária uma troca na rotina de trabalho estabelecida na PF já há muitos anos.”
Enquanto Valeixo prestava depoimento na capital paranaense, Alexandre Ramagem e Ricardo Saadi eram ouvidos na Superintendência da PF em Brasília. Ambos foram chamados como testemunhas no inquérito. Advogados de Moro acompanharam os três depoimentos, com autorização do ministro Celso de Mello, relator do inquérito no Supremo. (Com Agência Estado)
Interesses
A Superintendência da PF no Rio de Janeiro é uma unidade de interesse de Bolsonaro, pois é onde fica o colégio eleitoral e correm inquéritos contra pessoas próximas ao chefe do Executivo.
Impedido de assumir
Alexandre Ramagem é amigo do vereador Carlos Bolsonaro, filho 02 do presidente. Ele chegou a ser nomeado para diretor-geral da corporação, no lugar de Maurício Valeixo, mas foi impedido de assumir por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Assim, Bolsonaro nomeou para o cargo Rolando Alexandre de Souza, delegado próximo a Ramagem.
Depoimentos
Veja quem são os próximos das oitivas:
Hoje
15h — Palácio do Planalto
Augusto Heleno, ministro do GSI
Walter Braga Netto, ministro da Casa Civil
Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo
Amanhã
15h — Ed. sede da PF
Carlos Henrique de Oliveira Souza, delegado da PF
Alexandre da Silva Saraiva, delegado da PF
Carla Zambelli, deputada
Quinta-feira
15h — local a ser definido
Rodrigo de Melo Teixeira, delegado da PF
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