Correio Braziliense
postado em 16/05/2020 04:12
A saída de Nelson Teich apenas 28 dias após assumir o ministério mais importante do governo no atual estágio da pandemia da covid-19 é um sintoma claríssimo de um governo doente. Teich tentou estabelecer uma alternativa à linha adotada pelo antecessor, Luiz Henrique Mandetta, ressaltando, por exemplo, a necessidade de se considerar as particularidades regionais da doença. Com um estilo reservado, estranho aos modos afetados e grosseiros que vigoram nos corredores do poder de Brasília, Teich tentou estabelecer algum parâmetro para a regra geral do isolamento social defendida por Mandetta. Chegou a anunciar um plano específico para cada região, mas a proposta teve de ir para a gaveta após ter sido reprovada pelos secretários estaduais de saúde. Teich não conseguiu emplacar suas convicções na área da medicina no complexo e conflitante cenário do novo coronavírus no Brasil. Mas o golpe letal para o médico oncologista foi a alucinada política que está em curso no Palácio do Planalto. A obsessão do presidente Bolsonaro com o uso da cloroquina, contrariando os estudos divulgados pela comunidade científica, significou a gota d’água para Teich. Durante a passagem de quatro semanas em Brasília, o então ministro sinalizou alguma divergência com Mandetta, mas sempre deixou clara a fidelidade aos princípios da ciência. Foi vencido pelas intempéries da política.É interessante observar o que as demissões de Teich, Mandetta e Moro guardam em comum. Os três ministros deixaram o governo porque não reuniam mais condições de resistir à artilharia proveniente do Planalto. Teich caiu porque não se dobrou à pressão de recomendar o uso em massa da cloroquina no Sistema Único de Saúde, noves fora a humilhação de nem sequer ter sido consultado sobre o decreto que autoriza abertura de academias, salões de beleza e barbearias. Mandetta pediu o boné após as sucessivas saídas do presidente às ruas de Brasília, em flagrante desrespeito às recomendações do isolamento social, e uma batalha midiática contra o chefe do Executivo. Moro encerrou a controversa participação no governo Bolsonaro de maneira explosiva, detonando um inquérito no Supremo Tribunal Federal para averiguar suspeita de interferência política na Polícia Federal. Assim como os colegas Teich e Mandetta, Moro saiu após um longo e contínuo processo de desgaste, humilhações e enfrentamento com o chefe. É triste constatar os lamentáveis danos causados às políticas públicas que eram conduzidas pelos titulares das pastas. Mas esse é um sintoma menor dentro do quadro crítico em que se encontra o governo federal e, por extensão, o país.
Saiba Mais
Nenhum exército combate o inimigo se conflitos internos prejudicam a coesão da armada. Nenhum organismo reage adequadamente a uma moléstia se as partes que o compõem estão em desordem. Jair Bolsonaro chegou à Presidência da República no ápice de uma carreira política marcada pelo confronto aberto. Apesar de ocupar um cargo que lhe permite diálogo institucional com os demais Poderes da República e entes federativos, mantém a postura beligerante. Em vez de buscar o entendimento, insiste em adotar uma política personalista, na qual prevalecem suas convicções pessoais e daqueles que o influenciam com ideias do seu agrado. Considera inimigos aqueles que agem ou pensam diferente. Em seu governo, só ficam aqueles que seguem estritamente a cartilha bolsonarista. Não há espaço para a pluralidade, para o diálogo, para a composição. Em Brasília, a pergunta que se faz no momento é descobrir quem será o próximo ministro da Saúde que dirá amém ao presidente. O Brasil real, por sua vez, quer saber o que pode ser feito para compensar este mês perdido para o coronavírus. Os números da calamidade são claros: há quatro semanas, quando Nelson Teich ingressou no governo, o Brasil contava 2.143 mortes por covid-19, com 33.759 casos. Ontem, o contingente de vítimas aumentou praticamente sete vezes. O país chegou a 14.817 mortos pela doença e 218.223 infectados.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.