Correio Braziliense
postado em 17/05/2020 04:17
O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro deixou o governo atirando contra o presidente Jair Bolsonaro. No pronunciamento em que explicou as razões de ter pedido demissão, na sede do ministério, ele acusou Bolsonaro de reiteradas tentativas de interferência política na Polícia Federal, e disse que entregava o cargo para preservar a biografia. A crise política que se instaurou em consequência das acusações de Moro ainda está longe de ser concluída.
Na última semana, vários depoimentos foram prestados no inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), por iniciativa da Procuradoria-Geral da República (PGR), para investigar o caso. Um dos pontos principais do processo é o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, apontado por Moro como prova de que o presidente o pressionava a fazer substituições na PF por interesses pessoais, sem justificativa para as mudanças.
Independentemente do resultado das denúncias contra Bolsonaro — que pode até chegar a um processo de impeachment —, a situação do ex-ministro também é complicada. Se não tiver cautela, o homem que abandonou décadas de magistratura pode ser acusado de prevaricação, por não ter apontado um possível crime de responsabilidade do ex-chefe enquanto estava no governo.
Câmara
Segundo analistas, a divulgação total do conteúdo da gravação da reunião de ministros em que Bolsonaro teria revelado o interesse de defender familiares e amigos de possíveis investigações é a mais poderosa carta na manga de Moro. Mesmo assim, ninguém crava o resultado da guerra de informação e de notícias truncadas. Afinal, o destino do presidente dependerá não só da Justiça, mas, sobretudo, do julgamento político da Câmara dos Deputados.
“Moro fez declarações gravíssimas. E não faria se não tivesse provas. Tudo o que foi falado até agora, a meu ver, já seria indício de crime de advocacia administrativa e de obstrução à condução de provas. Mas o assunto é sensível. No momento, a bala de prata que ele tem é a divulgação da íntegra da gravação da reunião, além das mensagens que motivaram sua saída do cargo”, ressalta Marcelo Aith, especialista em direito penal e direito público e professor de pós-graduação na Escola Paulista de Direito.
O próximo passo da defesa de Moro, na avaliação de Aith, deverá ser a exigência de publicidade dos detalhes do vídeo — o máximo que conseguir. E também coletar fatos contundentes para o reconhecimento das provas pela Procuradoria-Geral da República (PGR). “Nada mais justo para a nação que se abra um processo criminal. E tudo o que se tem, até hoje, seria suficiente para o procurador-geral Augusto Aras dar início a uma representação”, avalia Marcelo Aith.
No entanto, para o juiz Luís Carlos Valois, da Vara de Execuções Penais de Manaus e diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim), o Brasil tem especificidades. “Tiraram uma ex-presidente pela acusação de pedalada, mas sem crime”, considera. “O que prova que o pedido de impeachment não segue o rito legal. Somente interesses políticos”, afirma Valois. São os movimentos políticos, na avaliação do magistrado, que determinam o uso da prova contra ou a favor de A ou de B.
“Para o que serve a prova nesse país? A minha sensação é de que alguns podem cometer um crime em praça pública que nada vai acontecer”
Luís Carlos Valois, juizda Vara de Execuções Penais de Manaus e diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
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