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Projeto de regularização de terras divide opiniões na Câmara

O relator do projeto e o autor do texto similar à MP promoveram um debate. Prevaleceu o alerta de que o tema é complexo para ser debatido e votado durante uma pandemia

Correio Braziliense
postado em 18/05/2020 23:17
O relator do projeto e o autor do texto similar à MP promoveram um debate. Prevaleceu o alerta de que o tema é complexo para ser debatido e votado durante uma pandemiaEmbora o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tenha negociado a transformação do texto da Medida Provisória 910/2020, da regularização de terras, no Projeto de Lei nº 2.633 de 2020, para a criação de uma redação que ajude a criar um consenso com a posição, o clima ruim que paira sobre o tema não mudou. A tônica é a mesma. O texto não tem razão de ser votado ou debatido durante a pandemia. Até porque, há uma negociação entre os líderes que, com o trabalho parlamentar remoto, só seria levado a plenário os PLs emergenciais de combate à pandemia e que contem com o almejado consenso. 

O relator do projeto, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), e o autor do texto similar à MP, Zé Silva (Solidariedade-MG), promoveram um debate nesta segunda-feira (18/5), e prevaleceu, mesmo entre os especialistas ouvidos, o alerta de que o tema é complexo para ser debatido e votado durante uma pandemia, que a ferramenta de georreferenciamento é importante para ajudar na demarcação de terras, mas não serve para comprovar a ocupação, e de que é necessário, entre outras coisas, fortalecer o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para regularizar corretamente as terras. Principalmente, as da agricultores familiares e de pequenos e médios produtores.

Um dos argumentos é que o texto estimula a grilagem de terras, por permitir a destinação de terras públicas federais de até 2,5 mil hectares sem licitação com preços abaixo do mercado à invasores áreas. Marcelo Ramos defendeu o PL e afirmou que foi justamente por isso que Zé Silva mudou de 2012 para 2018 o marco temporal das terras ocupadas a serem legalizadas. Em uma ponderação, Ramos destacou que o texto atingirá 92% das propriedades fundiárias que precisam de regulação.

"A diferença é que esses 92% significam 47% da área, e os 8% restantes, 53% da área. Sobre a lógica da área regularizada é tímida. Mas, do ser humano, do trabalhador rural que precisa de titulação da terra para ter acesso ao crédito, assistência técnica, de ter a quem cobrar pela recuperação de vicinais para retirada da produção, estaremos atendendo 92% dessas pessoas", argumentou. "O debate dos limites para menos, como reivindica o setor ambiental, ou para mais, como os produtores, o Ministério da Agricultura e o governo, é legítimo. Mas, partindo do argumento principal, das pessoas atendidas", acrescentou.

O autor do texto destacou que "não se pode ocupar terra e esperar legalização. É preciso fazer justiça com quem está legal". "Então, manter o marco temporal é a mensagem clara de que não vale a pena ocupar terras públicas. E protegemos a Amazônia legal aprovando a 2.633, que diz com clareza que teremos mais de 200 mil propriedades. Não tem ninguém melhor para cuidar das terras da Amazônia que os produtores rurais”, afirmou Zé Silva. Ainda segundo o deputado, números do Incra indicam que, de 974 mil famílias assentadas, 62 mil tem o documento da terra. “Das terras públicas, temos 109 mil com georreferenciamento, e 163 mil sem; 272 mil parcelas na Amazônia Legal. Fora (da Amazônia Legal), temos 185 mil propriedades. Se o governo der conta de fazer só o que está com georreferenciamento, garantimos justiça e segurança jurídica”, destacou.

Cofacilitador da coalizão Brasil clima, floresta e agricultura, diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), André Guimarães, alertou, justamente, sobre a invasão e venda irregular. “A questão da regularização fundiária passa também por tentativas de se evitar irregularidade. Na Amazônia, temos 50 milhões de hectares (ha), florestas públicas de todos os brasileiros, e que estão sendo agredidas pela grilagem e subtraídas do nosso patrimônio. É uma evidência de que um arcabouço jurídico para regularização fundiária tem que tratar, também, da ilegalidade. Precisa fechar o ralo do roubo de terras públicas como elemento central para fortalecer a justiça social no campo. O Incra precisa ser fortalecido, os institutos de terra deve ser fortalecido, integração de órgãos federais e estaduais, uso de tecnologia”, alertou. “Não há pressa, mas necessidade de debate público e processo estruturado. Não gostaríamos de ver uma matéria tão importante ser resolvida às pressas”, acrescentou.

Para Raonir Rajão, professor associado de gestão ambiental do departamento de engenharia de produção da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) também existe o risco de a terra grilada ser beneficiada. Ele destacou que, hoje, existem 177 terras indígenas aguardando homologação do governo. Ele também destacou que, a partir do momento que uma terra privada ganha destinação, o desmatamento acelera na região. “Destinar grandes áreas sem o devido controle pode levar a prejuízos. Mas, o PL corrige exageros da MP 910 e mitiga riscos de ilegalidade e grilagem”, admitiu. “Temos duas possibilidades. Ou avançamos em um PL que indica na direção da grilagem, ou em uma da regularização”, apontou.

Raonir fez uma lista do que pode levar ao estímulo da grilagem: Falta de vistoria em terrenos de até 2.500 ha, com múltiplos imóveis, controle ambiental limitado, mudança de marco temporal que legitima novas invasões e forte incentivo a desmatamento ilegal e violência. A coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) Sônia Guajajara, por sua vez, não poupou críticas ao projeto e aos parlamentares. Sônia Guajajara destacou, ainda, que as comunidades indígenas sofrem com o risco de pegar coronavírus e que garimpeiros que estão aproveitando da pandemia para invadir as terras estão levando a doença para as etnias. “Já perdemos 103, 75 foram no amazonas. Isso não é pouca coisa”, afirmou. Recentemente, o fotógrafo Sebastião Salgado fez um manifesto com várias autoridades e personalidades brasileiras e internacionais alertando para o mesmo problema.

Saiba Mais

“Fiquei surpresa com a urgência de votar o PL. Sabemos que há acordo para votar somente pautas relacionadas à saúde por conta da pandemia. Antes, se justificava a votação da MP porque poderia caducar. Mas e agora? Há uma pressão forte da bancada ruralista, que é poderosa e manda no Congresso, pautam seus interesses quando querem. Qual é a urgência para votar o Pl tão rápido. O tema requer debate com vários setores. Estamos falando da destinação de mais de milhares de hectares de terras públicas não destinadas. É preciso, sim, realizar audiências públicas e promover um debate amplo. A urgência nesse momento deveria ser tratar as formas de se combater o coronavírus, que já mata mais de 800 pessoas por dia Já matou mais de 1400 pessoas somente no amazonas, estado do relator Marcelo Ramos”, disparou a liderança.

O deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), presidente da comissão de meio ambiente e desenvolvimento sustentável, também reclamou da pressa de votar o PL. “Votar o texto de afogadilho, no meio da pandemia?”, questionou. “É um problema muito grande. Temos muitos outros problemas, entre eles a questão indígena. Corremos o risco de titular conflitos com povos indígenas e não tradicionais. Temos problemas com os quilombolas. Temos um problema sério em relação a essa renúncia fiscal. O Brasil procura soluções fáceis e mágicas para problemas complexos. Temos desaparelhamento do Incra, da Funai, do Ibama, do Serviço Florestal Brasileiro. Sensoriamento remoto é importante, tem que ser utilizado, mas é um comprovante de utilização e desmatamento. Não é comprovante de posse”, elencou.

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