As declarações do empresário Paulo Marinho, coordenador da campanha presidencial de Jair Bolsonaro, adicionam uma nova linha de investigação no inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar as acusações de interferência do chefe do Executivo na Polícia Federal. A pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), Marinho será ouvido pela corporação para aprofundar as acusações de que Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do chefe do Executivo, teria sido informado por um delegado, com antecedência, da Operação Furna da Onça — deflagrada em 2018 e que mirou Fabrício Queiroz, acusado de integrar um esquema de rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). O empresário disse, ontem, ao site G1, que pode provar suas acusações. “Tenho provas, tenho elementos que comprovam o relato que eu fiz. Já adianto que tudo que eu falei vou repetir durante depoimento à PF, rigorosamente igual”, afirmou.
As diligências sobre o inquérito tiveram início após o ex-ministro Sergio Moro afirmar que Jair Bolsonaro tentou interferir na PF por razões políticas. Além disso, o presidente teria cobrado acesso a relatórios de inteligência. O ex-juiz apresentou conversas de WhatsApp, vídeos e áudios para provar sua versão, além de apontar ministros de Estado, delegados e políticos como testemunhas. Ele acusou o presidente de mirar a troca no comando da PF no Rio e em nível nacional para proteger familiares e políticos da base do governo. As declarações de Marinho criam novas possibilidades. O empresário disse que Flávio foi informado da operação contra Queiroz entre o primeiro e o segundo turnos das eleições de 2018. De acordo com ele, o delegado teria dito ao filho do presidente que a deflagração da Furna da Onça seria adiada para não interferir no pleito presidencial, o qual Jair Bolsonaro disputava com o petista Fernando Haddad.
Os fatos narrados por Marinho, que é suplente de Flávio no Senado, não têm relação direta com o cargo do presidente, mas podem fundamentar a obtenção de novas provas e informações passíveis de colaborar com o inquérito. O ministro Celso de Mello, relator do caso no Supremo Tribunal Federal, deve fixar um prazo para que o empresário seja ouvido, com base na solicitação da PGR.
Além dele, outras pessoas eventualmente citadas em seu depoimento podem ser convocadas para dar explicações ou colaborar na elucidação do assunto. Há possibilidade, inclusive, de o próprio senador Flávio Bolsonaro ser chamado para depor, assim como advogados que teriam atendido o parlamentar. No entanto, por questão de sigilo profissional, os defensores não são obrigados a falar, prestar informações e não podem ser legalmente punidos, caso façam essa escolha.
No Twitter, Flávio escreveu: “Nem eu nem meu ex-assessor éramos alvo da operação da Polícia Federal (PF) denominada ‘Furna da Onça’. Mas, segundo meu suplente Paulo Marinho (agora assumidamente representante de Dória no Rio — PSDB), eu teria recebido informações de que a PF investigava meu ex-assessor”. O governador João Doria, antes aliado, é agora desafeto do governo Bolsonaro.
Visões diferentes
O criminalista Conrado Gontijo acredita que as declarações de Marinho têm íntima ligação com as acusações de interferência na PF e precisam ser averiguadas no âmbito do inquérito que já está em andamento. “As informações apresentadas por Paulo Marinho são graves e se inserem, justamente, no contexto de possíveis interferências que seriam feitas pela família Bolsonaro em investigações da Polícia Federal. Trata-se de novos fatos que precisarão ser apurados com profundidade no âmbito do inquérito que já tramita no Supremo Tribunal Federal”, frisou. “Se forem confirmadas as informações de Paulo Marinho, terá havido suspensão de atividades de investigação para evitar que pessoas relacionadas a Bolsonaro fossem expostas e para que isso não o prejudicasse nas eleições. Isso é grave e precisa de aprofundada investigação.”
O advogado criminalista Thiago Turbay, sócio do Boaventura Turbay Advogados, destacou, no entanto, que o principal alvo das diligências deve ser o delegado da PF que teria vazado as informações a Flávio Bolsonaro e não o presidente da República, que é alvo do inquérito. “As declarações do senhor Paulo Marinho não compreendem o lapso temporal da investigação contra o presidente Jair Bolsonaro. Há clara distinção do objeto de investigação. A conduta narrada não é passível de ser imputada ao presidente”, argumentou. “A investigação, portanto, deve incidir sobre o delegado da Polícia Federal que, supostamente, infringiu seus deveres funcionais. Ainda, a investigação deve ser capaz de apontar concretamente se houve alguma ação delitiva do senador Flávio, o que não está narrado.”
Rachadinha e propinas
Origem da Operação Furna da Onça, cujo teor e deflagração teriam sido vazados para o hoje senador Flávio Bolsonaro na campanha de 2018, a Operação Cadeia Velha foi comandada pelo delegado Alexandre Ramagem, preferido do presidente Jair Bolsonaro para comandar a Polícia Federal. O policial, cuja nomeação foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, é personagem da crise que resultou na demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça, e de Maurício Valeixo da chefia da PF.
Na Cadeia Velha, foi produzido o relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que apontou movimentações suspeitas de Fabrício Queiroz, assessor de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio. Até agora, porém, nada liga Ramagem, diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), ao vazamento ou a outra ilegalidade na ação dos policiais federais no Rio.
Em novembro de 2017, a Cadeia Velha investigou a concessão ilegal de benefícios fiscais a empresas mediante vantagens indevidas. A Furna da Onça, em novembro de 2018, apurou o pagamento de propinas a deputados estaduais. Ambas tiveram como epicentro a Alerj, e seus desdobramentos chegaram a assessores de mais de 20 parlamentares. Segundo o Coaf, eles movimentariam em contas bancárias quantias muito superiores a seus vencimentos. Isso levantou a suspeita de rachadinha — repasse de parte do salário do comissionado ao parlamentar que o contratou. Um dos ocupantes desses cargos era Queiroz, que, em um ano, movimentou R$ 1,2 milhão. O assessor recebeu depósitos de colegas de gabinete, muitas vezes em datas perto do dia de pagamento. A investigação dessas suspeitas ficou com o Ministério Público Estadual e envolveu Flávio. Ele não foi alvo das duas operações que devassaram a Casa e levaram à prisão seus ex-presidentes Jorge Picciani e Paulo Melo (MDB). Queiroz sempre negou ter cometido irregularidades.
Flávio é investigado pelo Ministério Público do Rio por peculato (desvio de dinheiro público por servidor), lavagem de dinheiro e organização criminosa. Mais de 90 pessoas também estão sob investigação.
O relato de Marinho
15/10/2018
Um delegado da PF do RJ se encontrou com o então chefe de gabinete de Flávio Bolsonaro, Miguel Angelo Braga Grillo, com Victor Alves, advogado do gabinete, e com Val Maliga (de confiança de Flávio) e contou que a Operação Furna da Onça seria deflagrada e ia atingir a Alerj, chegando a pessoas do gabinete do então deputado: entre elas, Fabrício Queiroz, além da filha dele, Nathalia Queiroz, que trabalhava no gabinete de Jair Bolsonaro, à época, deputado federal. O delegado disse que iam segurar a operação para não prejudicar a eleição de Bolsonaro e sugeriu que Queiroz e a filha fossem demitidos. Flávio comunicou o fato ao pai, que pediu que Queiroz e a filha fossem demitidos. No mesmo dia, os dois foram exonerados.
28/10/2018
Bolsonaro foi eleito presidente. Ele fez a primeira reunião com seus futuros ministros na casa de Paulo Marinho. Estavam no local o vice-presidente Hamilton Mourão; Onyx Lorenzoni (Cidadania, ex-Casa Civil); Paulo Guedes (Economia); Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral, exonerado em fevereiro de 2019 e falecido em março deste ano); e o coronel Miguel Angelo Braga Grillo.
8/11/18
A Operação Furna da Onça foi deflagrada. Desdobramento da Lava-Jato no RJ, ela apontava loteamento de cargos públicos e pagamento de propina a deputados na Alerj. Durante as investigações, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) descobriu uma movimentação financeira atípica de Fabrício Queiroz.
12/12/18
O senador eleito Flávio Bolsonaro ligou para Paulo Marinho, após sugestão do pai, e pediu uma indicação de um advogado criminalista. Marcaram um encontro no dia seguinte.
13/12/18
Na casa de Marinho, se reuniram os advogados Christiano Fragoso e Victor Alves e Flávio. O filho do presidente relatou a história envolvendo Queiroz. Na ocasião, contou sobre o aviso que teve por parte de um delegado da PF. Alves disse que estava “impressionado com a loucura do Queiroz”, que havia feito “uma movimentação bancária” incompatível. Flávio lamentou a quebra de confiança de Queiroz em relação a ele. No mesmo dia, Queiroz se encontrou com Victor Alves e um advogado indicado por Fragoso, Ralph Hage Vianna. Marinho relatou tudo a Bebianno, que repassou as informações a Bolsonaro. Eles estavam no gabinete de transição, em Brasília.
14/12/18
Em São Paulo, Marinho se encontrou com o advogado Antônio Pitombo para tratar do assunto, com os advogados Victor Alves, que mantinha contato com Queiroz, e Ralph Hage Vianna, que se reuniu com o Queiroz, além de Bebianno. A reunião foi no Hotel Emiliano. Os defensores discutiram estratégias e preocupações em relação a Queiroz e a conversa que Hage havia tido com ele.
18/12/18
Dia da cerimônia de diplomação de Flávio (como senador) e Marinho (suplente). O filho do presidente se encontrou depois, rapidamente, com o empresário no restaurante Esplanada Grill, em Ipanema. O parlamentar disse que havia conversado com o pai e informou que decidiram montar um outro esquema jurídico, comandado por outro advogado. Marinho disse que não haveria problema e que ia desfazer o que já havia articulado.
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