Politica

Freio no salvo-conduto a agentes

Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, vota por restringir o alcance da MP 966, que livra de punição autoridades públicas por %u201Cerros grosseiros%u201D em medidas de enfrentamento à covid-19. Julgamento prosseguirá hoje

Correio Braziliense
postado em 21/05/2020 04:03
Luís Roberto Barroso é relator no Supremo das ações que contestam a medida provisória


O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), apresentou, ontem, voto para impor limitações à Medida Provisória 966 — que livra agentes públicos por ações ou omissões em atos relacionados à pandemia do novo coronavírus —, com o objetivo de evitar interpretação que dê proteção àqueles que cometam atos ilícitos.

Conforme o voto do relator do texto, os gestores públicos não podem violar princípios constitucionais, como prevenção e precaução, nem cometer erros que vão contra as medidas sanitárias e recomendações de autoridades de saúde do Brasil e do mundo no enfrentamento da covid-19.

A sessão foi suspensa, e a votação, relativa a ações que questionam a constitucionalidade da MP, continua hoje, mas a tendência é de que os outros ministros sigam o voto do relator. Na prática, apesar de não ter considerado a medida inconstitucional, o entendimento de Barroso faz com que a matéria, editada pelo presidente Jair Bolsonaro no último dia 13, perca a função principal.

A medida define que agentes públicos — inclusive, portanto, o presidente Jair Bolsonaro — só poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se “agirem ou omitirem com dolo ou erro grosseiro” em ações relacionadas às medidas de “enfrentamento da emergência de saúde pública e combate aos efeitos econômicos e sociais” decorrentes da doença.

Em sua exposição, Barroso disse que o texto da MP dá a impressão de que o objetivo é “proteger coisas erradas”. “(O propósito da MP é) dar segurança aos agentes públicos que têm competência decisória, minimizando as suas responsabilidades no enfrentamento à doença e combate aos efeitos econômicos. Devo dizer: a dura verdade é que, por muitas razões, a MP não eleva a segurança dos agentes e, ainda, passou a impressão, possivelmente errada, de que se estava querendo proteger coisas erradas.”

O magistrado pontuou que, sobre a análise do que significa “erro grosseiro”, é preciso levar em consideração a observância pelas autoridades e pelos agentes públicos de dois parâmetros estabelecidos na jurisprudência do Supremo: as normas e os critérios científicos e técnicos, “tal como estabelecidos por organizações e entidades médicas e sanitárias nacional e internacionalmente reconhecidas, bem como a observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção”.

AGU
Antes do voto de Barroso, o advogado-geral da União (AGU), José Levi do Amaral, defendeu, na sessão, que a matéria tem como objetivo dar tranquilidade ao gestor para realizar as políticas públicas que julgar necessárias durante a pandemia. “A MP 966 vem ao encontro do bom gestor de políticas públicas”, frisou, destacando que a medida é para que quem  trabalha direito !não seja apenado” por fazer o que achava necessário em momento sensível.

Mais cedo, a AGU havia ressaltado, em documento enviado ao STF, que a MP não tem como objetivo “blindar os servidores ou livrá-los dos deveres e obrigações próprios da atividade estatal”. “Resultou do apelo dos agentes públicos que atuam nas ações emergenciais de combate à pandemia aos seus efeitos econômicos e sociais, submetidos a elevada pressão para a adoção de medidas rápidas e efetivas, que se demonstraram temerosos de que o futuro controle de seus atos viesse a ser realizado sem levar em conta a realidade subjacente ao enfrentamento da pandemia do novo coronavírus”, informou.

A AGU afirmou, ainda, que a MP foi editada diante deste cenário de medo por parte dos servidores de serem expostos a uma injusta responsabilização. O órgão enfatizou que a ideia central do texto é dar “segurança jurídica ao administrador, evitando o travamento na tomada de decisões em razão de receios de responsabilização pelos atos e pelas decisões que terão de ser tomadas sob o contexto, sério e urgente, da pandemia da covid-19”.

Partidos
As ações foram ajuizadas pelos partidos Rede Sustentabilidade, Cidadania, PSol, PCdoB, PDT e PV. A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) também questionou a MP no STF.

“A dura verdade é que, por muitas razões e circunstâncias, a medida provisória não eleva a segurança dos agentes públicos e ainda passou a impressão de que se estava querendo proteger coisas erradas”
Luís Roberto Barroso, ministro do STF, no voto sobre a MP

Recado ao governo
O voto de Luís Roberto Barroso, a favor de critérios técnicos e científicos na tomada de decisões dos gestores públicos sobre a covid-19, foi interpretado por integrantes do STF e membros do governo como um recado contra a decisão do presidente Jair Bolsonaro de liberar o tratamento à base de cloroquina no enfrentamento da pandemia. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o medicamento não tem a eficácia comprovada no combate ao novo coronavírus.


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