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Maioria do STF restringe alcance de MP que livra agente público de punição

Decisão da Corte impõe derrota ao governo e impede que poder público atue contra recomendações da ciência no combate à pandemia de coronavírus

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram por restringir o alcance da medida provisória 966, que livrava agentes públicos de punição por erros nas ações de combate a pandemia do novo coronavírus. Pelo texto editado pelo governo, poderiam se livrar de processos civis e administrativos as autoridades que cometessem falhas em que não estivesse evidente a culpa grave, com elevado grau de negligência.

A medida provisória anistiava tanto agentes públicos que atuam nas ações econômicas quanto nas políticas sociais voltadas ao enfrentamento da proliferação da covid-19 no país. No entanto, o Supremo entendeu que atitudes que possam levar a violação do direito à vida, a saúde e que são anticientíficas, sem embasamento técnico, devem sim ser punidas.

O julgamento ainda está em andamento, e os ministros podem mudar os votos, embora isso seja pouco provável. Na prática, a MP 966 tornaria restritas as punições de agentes públicos, mesmo que o erro estivesse evidente e pudesse levar a perda de vidas. O próprio presidente Jair Bolsonaro tem ignorado recomendações de entidades de saúde, médicos e cientistas ao adotar protocolos e procedimentos sem respaldo de estudos e especialistas.

O Ministério da Saúde autorizou o uso de remédios como a cloroquina e hidroxicloroquina mesmo em pacientes com sintomas leves de covid-19. Ambos os remédios fazem parte de estudos em andamento, mas as pesquisas tem revelado a ineficácia da droga no combate ao novo coronavírus.


Estudos 

Os medicamentos, que são administrados com autorização dos pacientes ou seus familiares, podem causar efeitos colaterais severos e até ocasionar óbito. A hidroxicloroquina apresentou resultados positivos em um estudo feitos in vitro na China. A pesquisa demonstrou que o composto inibiu a entrada do vírus nas células e bloqueou o transporte do coronavírus entre organelas das células (endossomos e endolisossomos).

No entanto, a pesquisa ainda não chegou na fase em que os testes são feitos no corpo humano, o que de acordo com cientistas, é essencial para garantir a eficácia de um medicamento. No Brasil, um estudo com a hidroxicloroquina foi interrompido depois que 11 pacientes morreram. O resultado foi publicado na revista científica Journal of American Medical Association (Jama). Os pesquisadores apontaram que o remédio não deve ser administrado em pacientes com sintomas graves de covid-19.

Saiba Mais

Primeiro a votar, o ministro Luís Roberto Barroso, relator das ações apresentadas contra a MP no STF, afirmou que é fundamental observar normas nacionais e internacionais na adoção de políticas de enfrentamento a doença. "Na análise do que signifique erro grosseiro deve se levar em consideração a observância pelas autoridades e pelos agentes públicos, daqueles dois parâmetros que nós estabelecemos na jurisprudência do Supremo: os standards, normas e critérios científicos e técnicos tal como estabelecidos por organizações e entidades médicas e sanitárias nacional e internacionalmente reconhecidas, bem como a observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção", disse.

O ministro Luís Fux acompanhou Barroso, e disse que não é possível negar a ciência para combater uma pandemia. "Se pretende utilizar fármacos que ao invés de curar doentes venha a matar. E estamos experimentando um momento desafiador para a medicina. A medicina não conhece essa doença. Isso foi dito pelo ex-ministro da Saúde aqui no Supremo. Como a medicina não conhece essa doença, nessa área, como guardião da Constituição, garantidor do direito fundamental da saúde, da preservação da vida, todo cuidado é pouco", disse o magistrado.  

O ministro Gilmar Mendes criticou duramente as ações do governo federal e disse que nem mesmo o presidente da República pode adotar práticas que colocam em risco a vida dos pacientes. "Não podemos é sair aí a receitar cloroquina e tubaína, não é disso que se cuida. E claramente o relator deixou isso de maneira evidente, é preciso que haja responsabilidade técnica[...] Caso um agente público conscientemente adote posição contrária às recomendações técnicas da OMS, entendo que isso poderia configurar verdadeira hipótese de imperícia do gestor, apta a configurar erro grosseiro [...] A Constituição não autoriza o presidente da República ou a qualquer outro gestor público a implementação de uma política genocida na questão da saúde," afirmou.