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Autor de 'Como as democracias morrem': ''Bolsonaro é um risco, mas é fraco''

Professor da Universidade Harvard avalia que, apesar de presidente ser um risco a ser considerado, ação dos militares gera mais preocupação

A escalada autoritária das manifestações a favor do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) — com agressões a jornalistas e pedidos de intervenção militar e de fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) — despertou em parte da população a dúvida sobre o risco de o Brasil viver uma nova ditadura. Para Steven Levitsky, porém, as chances são pequenas. 

Professor de ciência política na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, com uma pesquisa focada na América Latina e em países em desenvolvimento, Levitsky, que é um dos autores do best-seller Como as democracias morrem, conversou com o Correio sobre a atual situação do Brasil. Na avaliação dele, Bolsonaro representa, sim, um risco, mas esbarra na baixa popularidade e na falta de habilidade política. O docente se diz preocupado, contudo, com a proximidade de apoiadores do presidente com grupos armados e com alas militares, que, recentemente, chegaram a falar em "guerra civil" — assim como em 1964.

Confira a entrevista:

Como o senhor avalia o cenário atual do Brasil? Bolsonaro é um risco à democracia?

Sim, Bolsonaro é um risco. O Brasil tem instituições democráticas bastante fortes, mas sempre que uma sociedade elege uma figura abertamente autoritária como presidente (e isso é verdade também nos Estados Unidos), a democracia está em risco.

Em Como as democracias morrem, o senhor apresenta quatro indicadores de comportamento autoritário. Bolsonaro se encaixa em algum deles? Quais?

Os quatro indicadores são (1) rejeição das regras democráticas do jogo; (2) negação da legitimidade dos oponentes políticos; (3) propensão a restringir liberdades civis básicas de rivais ou da mídia; (4) encorajamento ou tolerância à violência. Bolsonaro se encaixa nos quatro. Isso ficou claro durante a campanha de 2018 e é por isso que era tão perigoso elegê-lo.

Bolsonaro tem 25% de aprovação. O senhor disse que políticos autoritários de outros países, como Hugo Chávez na Venezuela, chegavam a contar com 70% de apoio popular. Apesar disso, Bolsonaro tem o apoio de uma minoria radical — que, inclusive, promoveu ataques a jornalistas. Quais os riscos disso?

Em termos de proteção à democracia, é melhor ter um presidente com 25% de aprovação do que um com 70%. Como (Alberto) Fujimori, (Hugo) Chávez, (Rafael) Correa, (Evo) Morales e (Rodrigo) Duterte nas Filipinas mostraram, um presidente com 70% de aprovação pode provocar diversos danos muito rapidamente à democracia. Com 25% é mais difícil. Bolsonaro é mais fraco. Ele não pode convocar um plebiscito e fechar o Congresso. Ele não pode reescrever a Constituição. Ainda há riscos, é claro. O Brasil está polarizado e os apoiadores de Bolsonaro têm laços perigosos com grupos armados e alas militares. Então, certamente, Bolsonaro pode provocar danos. Mas é mais difícil para ele — e ele pode, facilmente, falhar e cair do poder.

No livro, o senhor enfatiza a importância dos freios e contrapesos constitucionais para evitar ditaduras. No caso do Brasil, como as instituições têm agido diante de ameaças à democracia? Nosso sistema pode evitar uma ditadura?

Eu penso que o Brasil tem uma boa chance de evitar uma ditadura, em parte porque Bolsonaro é fraco, impopular e politicamente inábil, mas também porque o Congresso e os tribunais continuam sendo instituições fortes. Nada é garantido, especialmente durante essa crise, mas eu acho que o Brasil pode atravessar.

A pandemia do novo coronavírus pode contribuir de alguma maneira para uma escalada antidemocrática?

Pode. As crises às vezes permitem que os líderes eleitos concentrem o poder autocrático — como vimos na Hungria e talvez em El Salvador. E crises econômicas prolongadas frequentemente minam democracias frágeis. Mas as crises geralmente também enfraquecem governos autocráticos. O fraco desempenho de Bolsonaro em resposta à pandemia o enfraqueceu até agora.

Esta semana, um grupo de militares divulgou uma carta que falava em "guerra civil". O senhor vê algum risco de guerra civil no Brasil?

Dado o nível de desigualdade e o crime organizado, há, certamente, um risco de escalada da violência no Brasil. Uma guerra civil de verdade parece menos provável. O que mais me preocupa são as autoridades militares usarem uma suposta ameaça de guerra civil para justificar um maior envolvimento militar na política — como aconteceu em 1964.

Algum país passou por trajetória parecida com a que estamos vivendo? Qual foi o desfecho?

Nada como isso, não.

O que deve ser feito para evitar que o Brasil entre em uma nova ditadura?

Os políticos democratas, da esquerda à direita, devem se unir em defesa das instituições democráticas e isolar os atores antidemocráticos. Os políticos brasileiros falharam em fazer isso em 2018. Não devem falhar novamente.