No encontro ministerial, Salles disse ao presidente Jair Bolsonaro que "precisa haver um esforço (...) enquanto estamos nesse período de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, focada na covid-19, e ir passando a boiada e mudando o regramento e simplificando normas".
A declaração do ministro provocou fortes reações de ambientalistas, que se manifestaram publicamente a favor da saída de Salles do governo. Ao mesmo tempo, várias entidades de classes se posicionaram favoráveis ao Ministério do Meio Ambiente, reforçando que "a burocracia também devasta".
Contrariado com o posicionamento de apoio da Sociedade Rural Brasileira (SRB) ao ministro Salles, Pedro de Camargo Neto, vice-presidente da entidade, renunciou ao seu posto. "Pretender usar o momento de dor e mesmo pânico na saúde pública para aprovar medidas contra a burocracia fere meus princípios", disse Camargo Neto, que presidiu a entidade nos anos 90 e se mantinha no colegiado até o dia 25 de maio. Camargo Neto também fez parte do Ministério da Agricultura na gestão de Fernando Henrique Cardoso. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O sr. é uma das principais lideranças do agronegócio do País. Por que decidiu sair da SRB?
A SRB é um microcosmo do Brasil. Sempre tivemos, e é bom que assim seja, as diversas tendências político-partidárias e mesmo ideológicas. Saí pela questão ética. Fui contra assinar o anúncio de apoio ao Ministério do Meio Ambiente que entendo ser equivocado e que fere meus princípios. Pretender usar o momento de dor e mesmo pânico na saúde pública para aprovar medidas contra a burocracia fere meus princípios. O debate e a participação da sociedade são essenciais. Burocracia em excesso atrapalha o desenvolvimento, empobrece a população. Temos avançado muito pouco.
O agronegócio vive uma dicotomia. Por um lado, o setor vai fechar o ano com aumento do faturamento, atingindo valores recordes. Por outro lado, enfrenta uma crise ambiental sem precedentes, desde o ano passado, provocada pelos incêndios na Amazônia. Como o sr. avalia essa questão?
Tudo indica que cresceu o desmatamento ilegal cujo maior problema são o garimpo e o comércio madeireiro ilegal, não a agropecuária legalmente estabelecida. Os ambientalistas, porém, colocam seu foco contra o agronegócio e continua sendo fácil explorar e exportar madeira ilegal.
O setor voltou ao olho do furacão com as declarações do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ao afirmar na reunião do dia 22 de abril que o governo deveria 'passar a boiada' e aprovar normas ambientais em meio à pandemia. O agronegócio é a favor do ministro?
Seu discurso forte agrada a muitos. O que precisamos, contudo, não é discurso. Estamos retrocedendo na questão ambiental. São medidas concretas que não ocorreram. A atual polarização dificulta ainda mais. A MP 910 da regularização fundiária para o pequeno e o médio produtor esquecido na Amazônia, que os ambientalistas chamam de MP da grilagem, não foi aprovada por causa da polarização. O avanço que representou o Código Florestal vem sendo crescentemente contestado.
As lideranças do agronegócio estão totalmente alinhadas ao Ministério do Meio Ambiente?
Respondo por mim.
O setor teve a imagem arranhada no ano passado por conta dos incêndios. Há risco de o País piorar a sua imagem por conta das declarações do ministro Ricardo Salles?
Certamente não ajuda.
Como essas questões delicadas deveriam ser conduzidas?
Antes de mais nada, sem polarização. Com diálogo e respeito podemos avançar. Quando fui presidente da SRB, em 1991, publicamos uma cartilha com o título "Valorize sua propriedade. Preserve o meio ambiente" antecipando a Rio Eco 92. Atacar tudo e todos facilita os que atuam de maneira ilegal. Precisamos separar o joio do trigo.
Como o setor avalia as novas demarcações de terras indígenas?
A Constituição de 1988 ampliou justamente os direitos dos indígenas. Precisam ser apoiados, saúde e educação no mínimo, valorizados em sua cultura, protegidos em suas terras. O julgamento no Supremo Tribunal Federal do épico caso da reserva Raposa do Sol, em Roraima, incluiu a jurisprudência chamada marco temporal. As populações indígenas têm o direito das áreas em que estavam em 1988. Ampliar além disso agora confronta seu vizinho, outro brasileiro, que está lá na área há 50 anos e mesmo 100 anos, com seu título de propriedade regular. Precisamos é pacificar respeitando direitos constituídos de ambos os lados.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.