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Nas entrelinhas

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Correio Braziliense
postado em 30/05/2020 04:03
Caravana democrática
Os cães ladram, mas a democracia brasileira precisa seguir seu rumo. Não faltam motivos para a nação se unir, definitivamente, em torno do drama que aflige a maioria. Não há problema mais urgente a enfrentar do que a tragédia que nos transformou no país onde mais se morre da covid-19 no mundo. O Brasil é maior do que a crise política fabricada em Brasília — fabricada tal qual a enxurrada de mensagens abjetas, difamatórias, ameaçadoras, virulentas e falsas que infestam as redes sociais. O país precisa agir de maneira firme em torno dos dramas reais que afligem todos: as consequências gravíssimas da pandemia sobre nossa gente, nossa economia, nossa sociedade, nosso futuro.

Esta semana, completaram-se três meses desde o primeiro registro da covid-19 no país. Nesse período, dois ministros da Saúde abandonaram o posto por entenderem que o comando do governo federal não está disposto a liderar o esforço nacional para enfrentar o inimigo que ceifa vidas com uma voracidade assustadora. O Brasil passou a semana com uma média de mil mortes diárias por covid-19, e não há sinais de arrefecimento na evolução pandêmica — apesar das medidas de flexibilização do isolamento que se observam em diversas cidades do país. Ainda estamos no primeiro ato da tragédia da covid-19, passando pelo sofrimento profundo de ver vidas partirem de maneira abrupta, sem direito sequer ao rito de despedida em velório e sepultamento. Assistimos, petrificados, a cenas diárias de uma guerra na qual profissionais de saúde cumprem destemidamente a missão de pôr a vida em risco para salvar outras vidas. E não há previsão para esse capítulo terminar.

O segundo ato da tragédia será o flagelo econômico que está se formando em consequência da pandemia. As projeções divulgadas, ontem, indicam que o país mergulha em um abismo de proporções monumentais, com uma legião de desempregados, empresas falidas e contas públicas em frangalhos. As desigualdades históricas do Brasil se tornarão mais profundas. Demandarão mais tempo e esforço para reconstruir as bases necessárias ao desenvolvimento: a saber, educação, justiça social e apoio ao setor produtivo. Nesse sentido, nenhum outro ente federativo tem maior responsabilidade do que o governo federal. A Europa, epicentro da covid-19 em março, caminha para aprovar um pacote de 750 bilhões de euros — R$ 4,42 trilhões — no esforço de recuperação dos países-membros atingidos pela pandemia. Subjacente a essa iniciativa de valores extraordinários está o princípio de solidariedade e união que norteia o bloco supranacional, seguindo as possibilidades orçamentárias e as especificidades de cada país. Nota-se, sobretudo, uma racionalidade na condução das saídas para a crise.

É nesse momento que se desenrola o terceiro ato da tragédia pandêmica, a responsabilidade política. Já é possível observar que os melhores resultados no enfrentamento da covid-19 ocorrem nos países onde o governo central desempenhou o papel inescapável de coordenar as ações nacionais, em auxílio às iniciativas locais de combate à pandemia. Outro fundamento essencial é seguir as recomendações da ciência, especificamente a obediência irrestrita ao isolamento social. O caso de sucesso mais recente é na Nova Zelândia, onde a jovem primeira-ministra Jacinda Ardern, de apenas 39 anos, comemora com os seus concidadãos o fim da contaminação comunitária e a retomada progressiva da vida nacional, após um rígido isolamento de várias semanas. O resultado se traduz-se em números: a mais recente pesquisa de opinião revelou que 59% dos neozelandeses consideram Ardern a pessoa mais habilitada para ocupar o cargo de premiê — o maior índice já registrado na história do país.

Se a democracia brasileira quiser sobreviver aos reais problemas que a afligem, precisa interromper a ação criminosa daqueles que a sabotam. Cumpre ao Supremo Tribunal Federal distinguir — de maneira clara, firme e inequívoca — a liberdade de expressão, direito assegurado pela Constituição, do ódio manifesto em palavras e atos. E enquadrar na lei os usurpadores da ordem democrática. Insisto: o Brasil é maior do que os gritos, arroubos e esperneios autoritários que persistem em nos desviar da nossa urgência maior — a covid-19.

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