Correio Braziliense
postado em 31/05/2020 10:19
No Brasil, país severamente afetado pela pandemia do novo coronavírus, os campeonatos de futebol estão paralisados desde meados de março. Mas o presidente Jair Bolsonaro já fez um apelo por sua retomada, algo que está longe de ser uma unanimidade."Com essa idade jovem, o jogador, caso seja acometido pelo vírus, a chance de ele partir para a letalidade é infinitamente pequena", disse o chefe de Estado recentemente em entrevista à Rádio Guaíba, do Rio Grande do Sul.
Em março, o presidente já havia afirmado que sentiria apenas uma "gripezinha" se fosse infectado, graças a seu "histórico de atleta".
"Não é surpreendente ver Bolsonaro defender a retomada. Ele não está estimulando o isolamento social desde o início. Por que iria fazer isso com o futebol? Ele até está sendo coerente na sua forma de pensar. Está seguindo a mesma linha", afirma à AFP Mauro Cezar Pereira, comentarista do canal ESPN Brasil.
Para o presidente, "o desemprego está batendo na porta dos clubes" e "os jogadores têm que sobreviver".
Ele lembra que no Brasil, se uma minoria ganha fortunas, a maioria dos jogadores profissionais, vivendo de contratos precários e mal remunerados, "precisam jogar para alimentar suas famílias".
Esse discurso anti-confinamento em nome da preservação da economia e a constante minimização de uma pandemia cujo número de mortes no Brasil continua a aumentar provocaram a irritação de Raí, ex-jogador e atualmente diretor-esportivo do São Paulo.
Ele se posicionou até a favor da renúncia de Bolsonaro em uma entrevista ao site Globoesporte.com.
"Irresponsável e genocida"
Mas, como o próprio presidente brasileiro reconheceu, diferentemente da França, onde o governo ordenou que as autoridades interrompessem definitivamente a temporada, a decisão de uma possível retomada não depende dele.
Deve ser aprovado pelos estados e municípios responsáveis pelas medidas de confinamento e pelas federações locais.
Quando as competições foram suspensas em meados de março, os campeonatos regionais estavam em andamento. O campeonato nacional estava programado para começar no início de maio, mas nenhuma nova data foi definida.
Isso não impediu Bolsonaro de receber, no dia 19 de maio, em Brasília, os presidentes de Vasco e Flamengo, também ansiosos para ver o futebol recomeçar o mais rápido possível.
As fotos dos dirigentes ao lado do presidente vestindo uma camisa do Flamengo e de seu filho Flávio com a do Vasco provocaram uma avalanche de críticas de torcedores nas redes sociais.
"Atrelou sua imagem, de forma irreversível, a um presidente irresponsável e genocida, que é apontado pela comunidade científica internacional como a maior ameaça à luta contra a pandemia de Covid-19 no mundo", denunciou o grupo de torcedores 'Flamengo da Gente' no Twitter.
Rodolfo Landim, presidente do Flamengo, citou uma "intolerância política" de certos torcedores e garantiu que só buscou "defender os interesses do clube".
No dia seguinte ao polêmico encontro, imagens feitas de helicóptero pela TV Globo mostraram que sua equipe havia desafiado a proibição municipal em vigor no Rio de Janeiro e retomado o treino em campo sem autorização.
Ana Beatriz Bush, secretária municipal de Saúde do Rio, lamentou que o clube mais popular do Brasil esteja dando o exemplo errado.
"Um clube tão importante e formador de opinião. Imagina os nossos jovens vendo o Flamengo treinar. Eles vão querer sair de suas casas no momento em que isso não é possível".
Retomada polêmica
O prefeito do Rio, Marcelo Crivella, acabou autorizando a retomada dos treinamentos em junho, considerando até jogos com portões fechados em julho.
Para a insatisfação de Fluminense e Botafogo, que consideram a retomada prematura.
"É precipitado, mas é o reflexo do desespero dos clubes. Estão numa situação muito difícil, querendo voltar para pelo menos ter a receita de televisão, de patrocinadores. Quando voltou na Alemanha, a coisa se intensificou aqui", destacou Mauro Cezar Pereira, se referindo à retomada da Bundesliga.
"Acho que o mais lógico seria esperar chegar o pico e depois começar a descer, assim vai liberando como vai acontecendo na Europa", acrescentou.
Em alguns estados menos afetados, como Rio Grande do Sul e Minas Gerais, a retomada dos treinos já está autorizada há algumas semanas, o que permitiu que grandes clubes como Internacional, Grêmio e Atlético Mineiro voltassem aos gramados.
Uma retomada marcada por outra declaração polêmica: o presidente do Inter afirmou que "jogador que não quiser jogar pede demissão".
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