Politica

Aras: Constituição não permite intervenção

Correio Braziliense
postado em 03/06/2020 04:12
Aras disse que as Forças Armadas podem ser usadas em ações pontuais


O procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou, ontem, por meio de nota, que a Constituição não abarca a hipótese de intervenção militar, como pregam determinados grupos e até políticos pelo país. Ele frisou que as Forças Armadas podem ser usadas em ações pontuais, como garantir a lei e a ordem num eventual cenário de ruptura institucional, mas que as instituições estão funcionando normalmente. As declarações ocorrem em meio a um clima de tensão entre o Executivo e o Judiciário.

Em entrevista ao programa Conversa com Bial, da TV Globo, Aras afirmou que os militares podem agir para garantir a competência dos Três Poderes. “As Forças Armadas, no plano constitucional, atuam como garantes da Constituição. Quando o artigo 142 estabelece que as Forças Armadas devem garantir o funcionamento dos Poderes constituídos, esta garantia é nos limites da competência de cada Poder”, enfatizou. “Um Poder que invade a competência de outro Poder, em tese, não há de merecer a proteção desse garante da Constituição, porque, se esses Poderes constituídos se manifestarem, dentro das suas competências, sem invadir a competência dos demais Poderes, não precisamos enfrentar uma crise que exija dos garantes uma ação efetiva de qualquer natureza.”

O presidente Jair Bolsonaro e apoiadores citam o artigo 142 para criar a narrativa de que não seria ilegal um decreto de “intervenção militar” para conter o que consideram excessos do Supremo Tribunal Federal (STF).

As declarações de Aras, que foram vistas como endosso à intervenção militar e à quebra do regime democrático, repercutiram no mundo político e nas redes sociais. Diante da controvérsia, Aras, na nota, rechaçou atuação política das Forças Armadas. “A Constituição não admite intervenção militar. Ademais, as instituições funcionam normalmente. Os Poderes são harmônicos e independentes entre si. Cada um deles há de praticar a autocontenção para que não se venha a contribuir para uma crise institucional. Conflitos entre Poderes constituídos, associados a uma calamidade pública e a outros fatores sociais concomitantes, podem culminar em desordem social”, escreve.

Críticas
A posição de Aras na TV Globo gerou críticas dentro e fora do Ministério Público Federal. Para o subprocurador-geral da República Nicolao Dino, “contraria o que diz a Constituição, pois considera a falsa premissa de que a democracia é tutelada pelas armas”. “É uma visão equivocada do regime democrático e do sistema de freios e contrapesos, pois este funciona a partir do equilíbrio entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e sob a fiscalização do MP (art 127, CF). Num estado democrático de direito, o crivo de qualquer possível conflito entre Poderes é o Judiciário, sendo o filtro último o STF”, acrescentou Dino. Para um outro integrante da PGR, Aras claramente recuou na nota, em relação ao que disse na entrevista, como forma de reduzir danos.

Em sua conta pessoal no Twitter, o ministro Gilmar Mendes, do STF, afirmou que é “incompatível com a Constituição de 1988 a ideia de que as Forças Armadas podem fechar o STF ou o Congresso”. “O Exército não é milícia”, disse.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) divulgou um parecer jurídico em que conclui que o artigo 142 da Constituição não autoriza uma intervenção militar. Para a entidade, a Carta não confere às Forças Armadas a “atribuição de intervir nos conflitos entre os Poderes em suposta defesa dos valores constitucionais, mas demanda sua mais absoluta deferência perante toda a Constituição”.

“A interpretação que confere às Forças Armadas a atribuição de um Poder Moderador, ao contrário, ignora os limites constitucionais a elas impostos, para livrá-las de qualquer controle constitucional, tornando-as a intérprete máxima da Carta Cidadã”, sustentou o parecer. “Ignora, ademais, que os conflitos entre os Poderes devem ser resolvidos pelos mecanismos de freios e contrapesos devidamente regulados pelo texto constitucional, ao estabelecer controles recíprocos entre os poderes.”

Procurado, o Ministério da Defesa afirmou que as Forças Armadas “sempre cumpriram as suas atribuições constitucionais previstas no artigo 142, sem necessidade de parecer jurídico oficial, não estando previsto no referido artigo ‘intervenção militar’ conforme já ressaltado publicamente, por mais de uma vez”. (Com Agência Estado)

“A interpretação que confere às Forças Armadas a atribuição de um Poder Moderador, ao contrário, ignora os limites constitucionais a elas impostos, para livrá-las de qualquer controle constitucional”
Trecho do parecer da OAB


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