Correio Braziliense
postado em 07/06/2020 04:18
Enquanto o país está em meio à dura batalha de combater o vírus mais letal do século, pesadelos do passado voltaram a incomodar uma parte significativa da população brasileira. Os traumas são tão fortes e deixaram tantas cicatrizes que, mesmo com um micro-organismo que já matou mais de 35 mil pessoas e infectou aproximadamente 645 mil em constante proliferação pelo território nacional, essa parcela da sociedade se sentiu na obrigação de sair às ruas para mostrar que não pode ficar calada diante de ameaças à democracia.
Entretanto, há riscos nesse movimento, o principal deles bem visível: a aglomeração de pessoas, contrariando a política de isolamento social, preconizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que foi solapada por Jair Bolsonaro. Os infectologistas e os especialistas em saúde pública afirmam que usar máscaras no meio da multidão pouco resolve contra a proliferação da covid-19. Se os apoiadores do presidente debocham da pandemia, tratam-na como uma “gripezinha” e nem se preocupam com qualquer proteção, os grupos contrários ainda não deram uma explicação convincente sobre por que agem de maneira semelhante –– em nome da causa, também formam multidões e marcham pelas ruas grudados uns aos outros.
Mas, aquilo que, de início, foi entendido como uma reação ao negacionismo bolsonarista, começa a ser visto como uma questão de saúde pública. E vozes que são respeitadas nos movimentos populares ou de esquerda começam a se insurgir contra os atos contra o governo. Uma delas é o rapper Emicida. Por uma rede social, e em vídeo, ele deu os motivos pelos quais não sairá às ruas hoje.
“Se vocês derem uma busca (pela internet), vão ver que vários infectologistas e epidemiologistas serios estão chamando isso de genocídio. Aguarda-se um crescimento de 150% (dos números da pandemia) nos próximos dias. A irresponsabilidade e a irracionalidade de quem tinha que conduzir esse país para um lugar melhor ainda vai matar muita gente. A contagem (de vítimas) não chegou ao máximo. Qualquer aglomeração, agora, por mais que sejam legítimos os nossos motivos, é pular na ciranda da necropolítica, levar uma onda de contágio pior do que essa que já está para dentro das comunidades onde vivem gente que amamos”, explicou.
Apelo
Na última quinta-feira, um grupo de senadores de partidos de oposição ao Palácio do Planalto pediu para que a população não fosse às ruas hoje e justificou a posição com os números da pandemia, que vêm subindo exponencialmente. A nota foi assinada pelos partidos rede Sustentabilidade, PSB, PT, PDT e pelo líder do PSD na Casa, Otto Alencar (BA) –– cujo partido integra o chamado Centrão. Os parlamentares dizem que a presidência de Bolsonaro é “aliada do coronavírus” e que adiarão a ida às ruas “até que possamos, sem riscos, ocupá-las, em prol da população”.
“Não tendo o país ainda superado a pandemia, que agora avança em direção ao Brasil profundo, saindo das capitais e agravando nos interiores, precisamos redobrar os cuidados sanitários e ampliar a comunicação com a sociedade em prol do distanciamento social”, diz trecho da nota, elaborada pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Um outro aspecto das manifestações contrárias ao governo chamam a atenção: a presença de várias torcidas organizadas de clubes de futebol, conhecidas pela violência com que tratam adeptos de outros times. Ainda que setores desses agrupamentos estejam unidos supostamente em nome da causa anti-bolsonarista, fato é que o Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, chegou a elaborar um ranking das mais violentas –– a Força Jovem do Vasco é a pior delas no Brasil, seguida das organizadas do Corinthians, do Fluminense e do Flamengo. O mais recente levantamento leva em conta o número de torcedores afastados dos estádios desde 2015 devido ao histórico de agressão que têm.
(Colaboraram Sarah Teófilo e Fabio Grecchi)
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