Politica

Interferência nas universidades

Entidades e políticos reagem à MP 979, que dá a Weintraub o poder de escolher reitores durante a pandemia. Partidos recorrem ao STF

Correio Braziliense
postado em 11/06/2020 04:14
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, já acusou as federais de promoverem %u201Cbalbúrdias%u201D e foi alvo de protestos nas ruas
 
O presidente Jair Bolsonaro editou medida provisória que autoriza o ministro da Educação, Abraham Weintraub, a escolher os reitores e vice-reitores das universidades federais enquanto durar a pandemia do novo coronavírus. De acordo a MP 979, “não haverá processo de consulta à comunidade, escolar ou acadêmica, ou formação de lista tríplice para a escolha de dirigentes das instituições federais de ensino durante o período da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia da covid-19”.

A MP gerou repercussão negativa entre políticos e entidades, e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), estuda a possibilidade de devolver a MP ao governo. Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a medida é inconstitucional, mas que a devolução seria uma “decisão extrema”.

Oito partidos apresentaram uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a medida. “A MP retira das próprias instituições de ensino a autonomia para deliberar, de acordo com as circunstâncias locais específicas, sobre a adoção de meios alternativos de consulta da comunidade acadêmica”, diz o documento, assinado por PSB, PDT, PT, PSol, PCdoB, Rede, Partido Verde e o Cidadania.

Em nota, entidades da educação destacaram que a medida afronta o artigo 207 da Constituição Federal de 1988, que assegura autonomia às instituições públicas. “Repudiamos tal ação e faremos todo o possível jurídica e politicamente para que a MP seja imediatamente suspensa e declarada inconstitucional”, frisa o comunicado de oito entidades, entre as quais o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) e União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes).

Ao todo, 11 instituições poderão ter reitores nomeados pelo ministro, segundo informações da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições de Ensino Superior (Andifes). Em nota, a entidade afirmou que está tomando as providências cabíveis para contestar a MP. “Há uma intenção de intervenção. A MP atenta de forma absurda contra a democracia do nosso país e a autonomia constitucional das nossas universidades”, enfatizou o presidente da Andifes e reitor da Federal da Bahia (UFBA), João Salles. Ele também defendeu a devolução da MP e que os mandatos dos reitores atuais sejam prorrogados.

O reitor da Universidade Federal de Goiás, Edward Madureira, frisou que o primeiro nome da lista tríplice é respaldado pelo presidente. “Tivemos, na Universidade Federal de Goiás, por exemplo, desde 1985, o primeiro da lista exercendo o mandato. Porém, neste governo, já tivemos casos do segundo ou terceiro lugar ser nomeado”, afirmou. De acordo com dirigente, neste período de crise sanitária, houve universidade que desenvolveu todo o processo de escolha, sem prejuízo. “É um argumento estranho dizer que a pandemia inviabiliza o processo democrático”, frisou.

Reitor conservador na UnB
Advogado em direito público, Rogério Paz Lima vê interferência. “Essa MP, na verdade, está dando uma nova roupagem a uma MP publicada no fim de dezembro. O que modifica é o caráter da urgência. O presidente passa a dizer que a medida ocorre em virtude da covid. O plano de fundo dessa medida é uma clara interferência”, frisou. “Quando se fere à autonomia e ao direito de escolha, sempre representa um ataque a democracia.”

Weintraub já acusou as federais de promoverem “balbúrdias” e foi alvo de protestos nas ruas em 2019 após corte de verbas da Educação. Ele tem indicado reitores temporários que não foram eleitos pelas universidades, como ocorreu no Rio Grande do Norte. “Enquanto o governo pressiona para a retomada das aulas, diz que é impossível fazer consulta para eleição de reitor. Um paradoxo”, destacou o presidente da Andifes. 

Nas redes sociais, Abraham Weintraub compartilhou e postou mensagens em apoio a grupos conservadores que criticam a suposta doutrinação esquerdista nas universidades. O ministro curtiu a seguinte declaração do grupo UnB Livre!, que anunciou: “A UnB, da capital federal, será a primeira a ter um reitor conservador e servirá de exemplo às outras de que é possível desmantelar o estamento esquerdista no ensino superior brasileiro”. 

Em nota, a Universidade de Brasília informou que está em contato com a bancada do DF no Congresso para discutir a contestação da MP.

Arthur Weintraub, irmão do ministro e assessor do presidente Jair Bolsonaro, também comemorou a medida que altera a eleição de reitores. “Sem a MP, seria uma eleição de cúpula. Não atingiria toda a comunidade acadêmica. Seriam só os professores membros do conselho que votariam, sem democracia. Alunos e técnicos não votariam. Lembrando que as indicações pro tempore só ocorrem com o término dos mandatos atuais”, escreveu em uma rede social. (Com Agência Estado)

Impactadas
Número de universidade federais que podem ser afetadas, o que representa 25% do total de instituições, cujos mandatos dos reitores acabam até o fim do ano. Entre elas, estão a Universidade de Brasília (UnB), e as federais do Rio Grande do Sul (UFRGS), de São Carlos (UFSCAR) e do Paraná (UFPR).

Tentativa anterior
Em dezembro, o governo editou MP que fixava pesos diferentes de voto para professores, funcionários e alunos na eleição dos reitores. Na prática, isso restringia a autonomia das instituições porque muitas adotam paridade na votação. Mas a MP não foi aprovada pelo Congresso e perdeu a validade.

68

Número de instituições públicas, das quais 63 têm processos seletivos. As outras cinco foram criadas recentemente e estão com reitores temporários

Saiba mais

Devoluções são raras
Não é comum o Congresso devolver uma medida provisória. Desde 1988, apenas três MPs foram devolvidas pelo Parlamento. Isso ocorreu nos governos José Sarney, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. No governo Bolsonaro, não houve devolução, mas o Congresso anulou os efeitos do trecho de uma MP que transferia a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura. Isso porque o chefe do Executivo assinou a mudança após a transferência ter sido rejeitada pelo Parlamento em outra medida provisória no mesmo ano, o que é proibido pela Constituição.

“A MP retira das próprias instituições de ensino a autonomia para deliberar, de acordo com as circunstâncias locais específicas, sobre a adoção de meios alternativos de consulta da comunidade acadêmica”
Trecho da Adin protocolada no STF por oito partidos

“Há uma intenção de intervenção. A MP atenta de forma absurda contra a democracia do nosso país e a autonomia constitucional das nossas universidades”
João Salles, presidente da Andifes e reitor da UFBA

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