Politica

Fogos contra o STF

Ministros do Supremo, ex-presidentes da República e outras autoridades repudiam a mais grave manifestação a atingir um dos Poderes republicanos. Toffoli exige investigação sobre o episódio que resultou na prisão de manifestante e na exoneração de chefe da PMDF

Correio Braziliense
postado em 15/06/2020 04:02
Horas depois de serem retirados de acampamento, manifestantes soltaram fogos de artifício e ameaças aos integrantes do STF: violência dos ataques extrapola a liberdade de expressão

Rosinei Coutinho/SCO/STF

Ed Alves/CB/D.A Press
 
 
O Brasil assistiu, no último fim de semana, à mais agressiva manifestação contra Poderes democraticamente constituídos durante pandemia de covid-19. O ataque mais intimidador ocorreu na noite de sábado. Reunidos na frente do Supremo Tribunal Federal, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro lançaram fogos de artíficio para ameaçar a mais alta corte de Justiça do país. Durante as explosões, os manifestantes gritavam palavras de ordem e ameças contra os integrantes do tribunal e o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha. Em um dos vídeos, postado nas redes sociais, um dos participantes grita: “(Estamos) em frente aos bandidos do STF. Isso é para mostrar para eles e para o bandido do GDF: não vamos arregar!”. Ministros do Supremo, ex-presidentes da República e outras autoridades repudiaram o ato. O Ministério Público Federal (MPF) determinou a abertura imediata de inquérito policial para investigar o ocorrido.

“O Brasil vivenciou mais um ataque ao Supremo Tribunal Federal, que também simboliza um ataque a todas as instituições democraticamente constituídas”, declarou o presidente do STF e ministro Dias Toffoli. Ele afirmou, ainda, que os atos são financiados ilegalmente e que há o estímulo de integrantes do próprio Estado. “Financiadas ilegalmente, essas atitudes têm sido reiteradas e estimuladas por uma minoria da população e por integrantes do próprio Estado, apesar da tentativa de diálogo que o Supremo Tribunal Federal tenta estabelecer com todos — Poderes, instituições e sociedade civil, em prol do progresso da nação brasileira”, continuou Toffoli. Ele disse, ainda, que a instituição repudia ameaças. “O Supremo jamais se sujeitará, como não se sujeitou em toda a sua história, a nenhum tipo de ameaça, seja velada, indireta ou direta e continuará cumprindo a sua missão. Guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal repudia tais condutas e se socorrerá de todos os remédios, constitucional e legalmente postos, para sua defesa, de seus Ministros e da democracia brasileira”, finalizou.

Além de repudiar os ataques à instituição que preside, Toffoli encaminhou ofício à Procuradoria-Geral da República e à Polícia Federal pedindo que tomem medidas contra o episódio depois de adiantar que iria recorrer com “todos os remédios, constitucional e legalmente postos”. O pedido se estende contra Renan da Silva Sena, ativista bolsonarista suspeito de participar dos disparos de fogos de artifício contra o prédio do STF. A justificativa são “ataques e ameaças à Instituição deste Supremo Tribunal Federal e ao Estado democrático de direito, inclusive por postagens em redes sociais, bem como todos os demais participantes e financiadores, inclusive por eventual organização criminosa”.

Na noite de ontem, a Procuradoria-Geral da República acatou o pedido, instaurando uma investigação preliminar. O procurador João Paulo Lordelo mencionou que já havia encaminhado ao Ministério Público Federal a interpretação de que Renan cometeu crime de agressão contra os profissionais da Saúde em 5 de maio. Lordelo pede, ainda, que o MPF mantenha a procuradoria informada sobre as investigações.

Renan Sena foi detido, ontem, por integrantes da Polícia Civil do DF no Setor de Indústrias Gráficas (SIG). Foi ele também quem, em maio, hostilizou e agrediu verbalmente enfermeiras que estavam em um protesto silencioso na Praça dos Três Poderes. Em depoimento, o bolsonarista negou ter ameaçado governador. Advogados fizeram uma vaquinha e pagaram a fiança de R$ 1,5 mil para liberá-lo (leia mais detalhes na página 13).

A nova série de ataques antidemocráticos em Brasília começou na tarde de sábado. Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro invadiram área restrita do Congresso Nacional, em protesto contra o desmonte de acampamento na Esplanada dos Ministérios desmontado pela Polícia Militar do DF. Além de xingar o Legislativo, os manifestantes ameaçaram o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha. Em entrevista concedida para a Rede Globo, Ibaneis advertiu que será duro contra manifestações violentas: “Aqueles que acham que viriam para Brasília para fazer baderna, fiquem nos seus lugares, porque aqui serão reprimidos de forma bastante virulenta, porque aqui eu sei usar o poder”. Ele também explicou que exonerou o subcomandante-geral da PMDF, coronel Sérgio Luiz Ferreira de Souza, porque o militar não tomou “as medidas corretas para não ter chegado a ponto de jogar fogos em cima de um Poder, que é o nosso Supremo Tribunal Federal”, disse.

Repercussão
Além de Toffoli, os ministros do STF Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes se manifestaram contra os ataques que miraram a Corte. “O STF jamais se curvará ante agressões covardes de verdadeiras organizações criminosas financiadas por grupos antidemocráticos que desrespeitam a Constituição Federal, a democracia e o Estado de direito. A lei será rigorosamente aplicada e a Justiça prevalecerá”, publicou Moraes, em uma rede social.

Também por meio da internet, Gilmar Mendes comentou o ataque ao Supremo e as imagens divulgadas pelos bolsonaristas. “O ódio e as ameaças do vídeo são lamentáveis. A incitação à violência desafia os limites da liberdade de expressão”, escreveu. O ministro também parabenizou o Correio “pela corajosa cobertura desses atos” e o governador Ibaneis Rocha “pelas medidas de segurança”.

Luís Roberto Barroso condenou a ação de “guetos pré-iluministas” que, apesar de minoria, “não torna menos grave a sua atuação”. Ele afirmou que “instituições e pessoas do bem” devem impor limites a esses grupos e esclareceu: “Há diferença entre militância e bandidagem.”

Pelo lado do governo, o ministro da Justiça, André Mendonça, disse que “o poder emana do povo”, mas frisou a necessidade de se respeitar as instituições democráticas. “Todos devemos fazer uma autocrítica. Não há espaço para vaidades. O momento é de união. O Brasil e seu povo devem estar em 1º lugar”, opinou. Ministro de governo da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, foi mais enfático. “Ataque ao STF ou a qualquer instituição de Estado é contrário à nossa democracia, prejudica nosso país, e deve ser repudiado”, postou, entendendo que o ato representa pensamentos individuais, que não podem ser “mais importantes do que nossos ideais”.

Para o Ministério Público Federal, o lançamento de fogos de artifício contra o STF pode ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional, nos crimes contra a honra, além da Lei de Crimes Ambientais por abranger a sede do STF, situada em área tombada como Patrimônio Histórico Federal. O inquérito tramita em regime de urgência e sob caráter reservado “por questões relacionadas à inteligência das informações”. O MPF também solicitou perícia no local para identificar danos ocorridos no edifício e resguardar provas processuais.

Ex-presidentes
Ex-presidentes da República manifestaram o repúdio às ações antidemocráticas contra o Supremo. “Os fogos vistos no YouTube e a voz tremebunda atacando-o são contra a democracia. Gritemos: não ao golpismo!", escreveu Fernando Henrique Cardoso na página pessoal do Twitter. Ele aproveitou, ainda, para dar um recado às forças militares. “Os militares são cidadãos: devem obediência à Constituição como todos nós. Defendamos juntos Brasil, povo e lei, antes que seja tarde”, pediu.

Fernando Collor disse que o ataque é uma afronta “à mais básica racionalidade democrática e uma ofensa à ordem constitucional”. Disse, ainda, que tentar amedrontar a Justiça “com manifestações de ódio é intolerável”. José Sarney manifestou “o meu protesto contra inqualificável e criminosa agressão ao STF: guardião da Constituição, integrado por magistrados de altas virtudes culturais e morais”. Para Michel Temer, as agressões revelam o desconhecimento das elevadas funções do STF como “um dos principais garantidores da democracia integrada”.  


“O Supremo jamais se sujeitará, como não se sujeitou em toda a sua história, a nenhum tipo de ameaça, seja velada, indireta ou direta e continuará cumprindo a sua missão.”
 
 
Dias Toffoli 

“O ódio e as ameaças do vídeo são lamentáveis. A incitação à violência desafia os limites da liberdade de expressão.”
 
 
Gilmar Mendes 


“O STF jamais se curvará ante agressões covardes de verdadeiras organizações criminosas (...)
A lei será rigorosamente aplicada e a Justiça prevalecerá.”
 
 
Alexandre de Moraes

“Há no Brasil, hoje, alguns guetos pré-iluministas. Instituições e pessoas de bem devem dar limites a esses grupos. Há diferença entre militância e bandidagem.”
 
 
Luís Roberto Barroso

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