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Com maioria formada, STF retoma hoje votação do inquérito das fake news

Maioria do Supremo vota a favor da continuidade do inquérito que apura ameaças e notícias falsas contra a Corte. Ministros repudiam veementemente os ataques, e Gilmar Mendes critica a PGR por não ter tomado a iniciativa de fazer as apurações

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria pela continuidade do inquérito das fake news, que investiga ameaças e notícias falsas contra ministros da Corte. Dos 11 magistrados, oito já votaram, todos favoráveis às apurações. Faltam Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Dias Toffoli. O julgamento será retomado hoje. O plenário avalia uma ação da Rede, que contesta a legalidade do inquérito.

Na sessão virtual, os ministros repudiaram veementemente os ataques à Corte e expuseram os motivos da improcedência da ação da Rede. Também mandaram recados à Procuradoria-Geral da República (PGR). Gilmar Mendes, por exemplo, destacou que o órgão teve 14 oportunidades de abrir o inquérito e não o fez.

De qualquer forma, há controvérsia sobre o inquérito, por ter sido aberto de ofício, pelo presidente do STF, Dias Toffoli, sem provocação da PGR. Além disso, há contestações sobre o fato de a Corte ser a responsável por investigar e julgar. Para especialistas, o Supremo entrou numa área que caberia ao Ministério Público Federal ou à Polícia Federal. Depois que a investigação começou a se aproximar de apoiadores e parlamentares ligados ao presidente Jair Bolsonaro, o governo também intensificou as críticas aos trabalhos da Corte. As apurações apontam para a existência do Gabinete do Ódio, uma organização criminosa dedicada a disseminar notícias falsas e ataques a pessoas e instituições. 

Nos votos, porém, os ministros destacaram que o STF tem, sim, permissão para investigar o que se propõe no inquérito. Entre os exemplos mais repetidos está o de que outros órgãos não persecutórios, como a Receita Federal e o Banco Central, além do Poder Legislativo — nesse caso, por meio de comissões parlamentares de inquérito (CPIs) —, têm o mesmo poder de investigação que o MPF e as polícias judiciárias.

Já o ministro Gilmar Mendes mandou uma mensagem à PGR. Ele reclamou que o órgão questiona o inquérito, mas não teria agido nas 14 oportunidades que teve de iniciar as investigações. Ele citou, mais de uma vez, nominalmente, o procurador-geral, Augusto Aras. “Diversas manifestações de agentes públicos e particulares com incitação de atos inconstitucionais e antidemocráticos, como fechamento da Corte e até mesmo a prisão e destituição de seus ministros, não foram objeto da devida atenção por parte da PGR, até a instauração do inquérito pelo tribunal”, disparou.

Relator do inquérito das fake news, Alexandre de Moraes foi duro sobre ameaças à Corte. Ele relatou algumas delas (leia quadro) e enfatizou: “Coagir, atacar, constranger, ameaçar, atentar contra o STF, seus magistrados e seus familiares é atentar contra a Constituição, a democracia, o Estado de direito e a defesa intransigente dos direitos humanos fundamentais”. Já a ministra Cármen Lúcia frisou que “milícias e organizações criminosas formadas para estilhaçar o sistema democrático não têm espaço nem tutela do direito vigente numa democracia”.

As ameaças

Alexandre de Moraes detalhou, em seu voto, algumas ameaças contra os ministros do Supremo:

1. “Que estuprem e matem as filhas dos ordinários ministros do STF” — publicada por uma advogada do Rio Grande do Sul.

2. “Quanto custa atirar à queima-roupa nas costas de cada ministro filho da p. do STF que queira acabar com a prisão de segunda instância? Se acabarem com a prisão em segunda instância, só nos resta jogar combustível e tocar fogo no plenário do Supremo Tribunal Federal com ministros dentro” — outra publicação.

3. “Já temos no poder armas e munição de grosso calibre. Esconda seus filhos e parentes bem escondidos na Europa, porque, aqui, você não vai ter onde se esconder. O inferno e a revolta vão cair sobre a sua cabeça. Faremos um tribunal em praça pública com direito a fuzilamento de todos os parasitas e vagabundos estatais” — ataques cibernéticos em e-mails institucionais de 
alguns ministros.

4. Imagens gravadas por câmeras de segurança mostraram um artefato explosivo que foi jogado na frente da casa de um 
ministro do STF.

5. Em uma investigação, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) se deparou, em 25 de março de 2019, com um detalhado plano de atentado contra um dos ministros do STF. Havia horários de viagens, voos, a rotina de viagens do ministro entre São Paulo e Brasília, os locais a que ele ia, e insinuando como deveria ser uma ação contra ele.

6. Tentativa de agressão física, com arremesso de objetos, contra um ministro que saía de uma palestra. A pessoa foi detida.

7. Na deep web (uma camada mais interna da internet, que não pode ser acessada por mecanismos simples de busca, como Google), foi encontrado um esboço da planta do STF, segundo Moraes, para uma tentativa de atentado contra os ministros da Corte.

Apreensão

O julgamento sobre o inquérito das fake news é acompanhado com apreensão pelo Palácio do Planalto, já que as investigações podem pavimentar o caminho da cassação da chapa da eleição de 2018 do presidente Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A avaliação entre ministros do tribunal é de que, caso seja autorizado, um compartilhamento das provas do STF com a Justiça Eleitoral deve dar novo fôlego às investigações que apuram o disparo de mensagens em massa na campanha de Bolsonaro.

Falas

“A Constituição Federal não permite que criminosos se escondam, sob o manto da liberdade de expressão, para a prática de discurso de ódio, antidemocrático, de infrações penais e de atividades ilícitas”, Alexandre de Moraes.

“Liberdade de expressão é gênero de primeira necessidade. Liberdade rima com responsabilidade, mas não rima com impunidade de atos criminosos ou que podem vir a ser investigados”, Cármen Lúcia.
 
"A expressão sede ou dependência do artigo 43 não pode ser tomada em sua literalidade, sobretudo porque a jurisdição dos ministros e ameaças que vêm sofrendo ocorrem em ambiente virtual”, Ricardo Lewandowski.
 
"Ataques deliberados e destrutivos contra o Judiciário não só revelam desapreço à democracia (...) como, em seu extremo de ameaças graves, configuram crimes previstos em nosso ordenamento jurídico”, Rosa Weber.
 
"Não se trata de liberdade de expressão. O movimento orquestrado de robôs, recursos e pessoas para divulgar ameaças ao STF (...) passa longe da mera crítica”, Gilmar Mendes.
 
"A democracia comporta militância, sim. Agora, quem recebe dinheiro para fazer campanhas de ódio não é militante. Primeiro, é mercenário, que recebe dinheiro para a causa. E, segundo, é criminoso”,Luís Roberto Barroso.
 
"Um do fundamentos da República é o repúdio ao terrorismo, e esses atos que estão sendo praticados é o germe inicial de instalação no Brasil de atos de terrorismo 
contra a Corte”, Luiz Fux.
 
Fachin pediu ajustes no inquérito
O ministro Edson Fachin votou em 10 de junho. Ele foi favorável à validade do inquérito, mas defendeu ajustes. Entre os quais, a delimitação de um foco específico da apuração, maior participação do Ministério Público Federal no caso e o respeito à liberdade de expressão. No voto, ele afirmou serem “inadmissíveis”, no Estado democrático de direito, a defesa da ditadura, do fechamento do Congresso ou do Supremo. “Não há liberdade de expressão que ampare a defesa desses atos. Quem quer que os pratique precisa saber que enfrentará a Justiça constitucional de seu país. Quem quer que os pratique precisa saber que este Supremo Tribunal Federal não os tolerará.” Fachin é o relator da ação da Rede Sustentabilidade, por isso, foi o primeiro a votar.