Correio Braziliense
postado em 19/06/2020 19:25
O jornalista investigativo e podcaster Ivan Mizanzuk, que revelou os casos de tortura durante a apuração do sumiço de duas crianças em Guaratuba, Paraná, no início da década de 1990, comentou a presença de Frederick Wassef nos autos dos casos de desaparecimento. Wassef é advogado de Jair Bolsonaro e do senador Flávio Bolsonaro, e ganhou destaque após a polícia prender, em uma propriedade do defensor, o ex-policial Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador e amigo da família do presidente da República.
Mais de uma vez, Wassef negou que soubesse onde estaria Queiroz, suspeito de envolvimento em um esquema de rachadinha no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) quando o filho mais velho do chefe do Executivo era deputado estadual do Rio.
Após a prisão de Queiroz, passaram a circular nas redes sociais fotos de notas de jornais da época, que associam Wassef ao acontecimento e à suspeita de prática de magia negra, o que não é verdade. Mizanzuk destaca que o caso Queiroz é muito mais importante, e lembra que o jornalismo policial no início da década de 1990 nem sempre tinha apurações completas.
Ainda segundo o podcaster, a tese de magia negra e satanismo nunca foi provada pela Polícia. A juíza não concedeu o pedido de prisão contra Wassef e, posteriormente, o próprio delegado assumiu que errou a envolver o advogado nos casos.
Mizanzuk alerta, ainda, que os inquéritos para investigar os desaparecimentos das duas crianças no município paranaense apontou falsos culpados, e investigados tiveram as vidas destruídas por conta de falsas acusações. Por isso, é preciso ter cuidado ao trazer as histórias à tona. O receio é que essas pessoas, vítimas de um erro do estado, voltem a ser incomodadas e sofram, novamente, com falsas acusações.
"A grande história ontem foi a prisão do Queiroz. O que isso tem a ver (com o caso Queiroz)? Nada. Não estou nem um pouco do lado do Wassef. Mas ao resgatar essa história, tem pessoas inocentes que tiveram a vida destruída, e não tem o que fazer. Essas vidas, esse tempo, não voltam, e daqui a pouco tem gente enchendo o saco delas de novo. São inocentes. Nuca teve seita satância. E os depoismentos dele (Wassef), não tinham nada contra o cara", destacou.
Os desaparecimentos
Mizanzuk contou a história das crianças desaparecidas e da investigação falida da Polícia Civil e da Polícia Militar do Paraná no podcast Projeto Humanos. Agora, o jornalista escreve um livro sobre o caso. O primeiro a desaparecer foi Leandro Bossi, 8 anos, em meados de fevereiro. Houve uma investigação para encontrá-lo, mas o caso nunca foi encerrado. Dois meses depois, em 6 de abril, desapareceu Evandro Ramos Caetano. O segundo ganhou uma repercussão maior, pois a polícia encontrou o corpo do menino com muitos ferimentos.
Para investigadores, os casos estavam relacionados. A região recebe muitos turistas, principalmente argentinos. Na mesma época em Leandro desapareceu, o grupo místico Lineamento Universal Superior (LUS) fazia um evento no hotel em que trabalhava a mãe de Leandro, e Wassef fazia parte do grupo.
O grupo foi fundado na argentina na década de 1980 por Valentina de Andrade. Ela se dizia médium e recebia mensagem de seres extraterrestres. Um sincretismo comum, principalmente àquela época no Brasil. É um fenômeno do Século XX. O Lineamento Universal Superior tinha essa vertente e o Wassef fazia parte”, explicou Mizanzuk.
O jornalista conta que a mãe de Leandro trabalhava no hotel, e com frequência levava o filho. Um gerente reclamou, o menino saiu e desapareceu. “O Leandro nunca foi encontrado. Os dois meninos eram muito parecidos. Eram loiros, tinham o olho claro, idade parecida, entre 7 e 8 anos. E começou a ter uma ideia de que os casos estivessem relacionados. Eu, particularmente, acredito que tem relação. No Paraná, ou estava sumindo muitas crianças, ou a imprensa começou a falar mais sobre isso, mas não existe dado para comparar. Mas o pânico social de desaparecimento de crianças era real e você percebia pela imprensa”, contou.
Sob tortura
“Em julho de 1992, a PM, seguindo dicas erradas de um ex-policial parente do Evandro, faz investigação por conta própria e prende e tortura inocentes para que cofessem os crimes. A acusação é de que fariam parte de uma seita satânica, e teriam sacrificado Evandro em um ritual satânico. Dois eram pais de santo e outras cinco pessoas eram do círculo social deles, incluindo, a filha e a mulher do prefeito”, lembra Mizanzuki.
O ex-policial militar era inimigo do prefeito local, e havia uma disputa política na região. “Quando aos sete são presos, quatro estão falando que foram torturados. Três continuam a sofrer tortura e estão sendo pressionados a assumir casos de outras crianças. Esse ano eu consegui gravações das torturas em áudio. Um dos policiais tenta fazer com que um dos homens assumissem o desaparecimento de uma terceira criança. Tem gravações bem pesadas, com gente sem ar, gritando de dor, pedindo para parar. Depois que achei as fitas, as torturas ficaram provadas. Digo categoricamente. Eu provei. Está tudo publicado”, explica o jornalista.
Durante as torturas, as vítimas disseram que Leandro foi vendido para uma “gringa loira e gorda”, que os policiais identificaram como sendo a líder do grupo religioso que, no entanto, era brasileira, magra e não era loira. “A suspeita recai nessa descrição em cima da Valentidna Andrade, que estava em Guaratuba. Eram os gringos esquisitos, faziam festas, as pessoas sabiam que eram parte de um grupo místico. E a suspeita era de uma seita satânico e teriam outros membros. Era a narrativa formada. Mas tudo isso parte de torturas, nunca se provou que existia uma seita satânica. É um caso de delírio coletivo, pânico de seita satânica”, explica.
Saiba Mais
As provas contra os sete eram tão frágeis, que não seria difícil achar um fiozinho de cabelo que puxasse para Valentina ou Wassef. Não existe nem indício que o Leandro morreu ou que foi sequestrado. A polícia chegou a pegar prontuário de aviões e nunca encontraram nada. Foi um trabalho ruim, com confissões sob tortura. Tem um assassino que ficou à solta. A família Bossa, tem 30 anos que não sabe do paradeiro de seu filho, e o estado do Paraná acreditou em bicho papão”, criticou.
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