Apesar de ter anunciado, ontem, que estava deixando o Ministério da Educação para ir para Washington ser diretor executivo do Banco Mundial (Bird), Abraham Weintraub pode ter a indicação barrada. Integrantes do banco estão se movimentando para impedir a posse no board de representantes de 189 países que possuem ações da instituição, de acordo com fontes próximas ao organismo multilateral. Para agravar a situação, documento elaborado por grupo liderado pelo diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero e pelo empresário Philip Yang alerta para a inadequação da indicação do governo de Jair Bolsonaro.
O manifesto foi remetido aos oito países que, como o Brasil, compõem o constituency. Nada menos que 270 assinaturas, que representam entidades e de personagens com trânsito na economia, na diplomacia e em entidades internacionais de relevo, subscreveram o documento contrário a Weintraub.
Segundo Ricupero, a indicação do ex-ministro da Educação é “um atentado ao pouquíssimo que restava da credibilidade externa do Brasil”. Para ele, o atual governo destroçou o patrimônio de soft power acumulado pelo país em décadas de atuação proativa em meio ambiente, direitos humanos, povos indígenas, reforma da ordem internacional. O diplomata salienta que se mantinha ainda “um resquício de competência e seriedade” dos representantes brasileiros em órgãos financeiros mundiais, como o Bird, o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).
“Com a indicação de indivíduo desqualificado e extremista de direita, até esse resquício desaparece. A única esperança é que os outros países representados pelo diretor do Brasil no Banco Mundial, nossa constituency, como se diz na organização, resistam à absurda indicação. Ou que a própria direção da instituição, por meio de seus mecanismos de defesa de valores de direitos humanos, oponha um veto em nome da decência”, cobrou Ricupero, que já foi representante do Brasil nas Nações Unidas e embaixador nos Estados Unidos.
A carta enviada às embaixadas dos países-membros do Bird desaconselha “fortemente” a indicação de Weintraub, e alega os riscos de “danos irreparáveis” que ele causaria aos respectivos países e à instituição. “Em primeiro lugar, a demissão de Weintraub de sua posição é o culminar de um ambiente destrutivo e venenoso que ele inflou em todo o sistema político do Brasil”, salienta um trecho do texto remetido aos representantes diplomáticos.
Contradição
A indicação de alguém com perfil ideológico e sem traquejo diplomático, como Weintraub, para o Bird, é uma contradição, sobretudo porque o governo Bolsonaro assumiu uma postura semelhante à dos Estados Unidos, e passou a criticar o multilateralismo e os organismos internacionais –– como, por exemplo, a Organização Mundial da Saúde (OMS). Não bastasse isso, alguns expoentes do bolsonarismo –– como o ex-ministro da Educação –– fizeram ataques grosseiros à China, “terceiro maior acionista do Banco Mundial e ocupa uma cadeira muito importante na diretoria executiva”, conforme destacou a economista Monica de Bolle, pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics, em Washington. Com o conhecimento de quem trabalhou no FMI e sabe das sutilezas de instituições internacionais como Bird, ela crê que Weintraub “não passará” pelo crivo dos acionistas. Mas, se conseguir, Monica considera que dificilmente permanecerá no cargo depois de 31 de outubro, quando começa a nova gestão por meio de eleição.
Apesar de ser incomum barrarem um nome indicado pelo governo brasileiro, fontes lembram que, antes de assumir, o ex-ministro também precisará ser avaliado pelo Bank Information Center (BIC) para saber se não tem denúncias de racismo no currículo. Esse é outro problema, pois o Supremo Tribunal Federal (STF) abriu processo para investigar Weintraub por crime de racismo, devido a um tuíte em que debochou da suposta forma de os chineses falarem o português.
Procurado pelo Correio, o Bird informou que recebeu uma comunicação oficial das autoridades brasileiras sobre a indicação de Weintraub. Na confirmação, o Ministério da Economia destacou que Weintraub tem “mais de 20 anos de atuação como executivo no mercado financeiro”, atuando como economista-chefe e diretor do Banco Votorantim, além de CEO da Votorantim Corretora no Brasil e da Votorantim Securities nos Estados Unidos e na Inglaterra.
Para saber mais
Importância da afinidade
O Banco Mundial (Bird) abriga 189 países, que são sócios da instituição, e contribuem para o funcionamento da instituição. Os 25 diretores executivos são os representantes dos integrantes do Conselho, o Board. São indicados ou eleitos pelos acionistas a cada dois anos.
Os maiores contribuintes têm cadeira cativa, como Estados Unidos, China e países europeus. O Brasil participa de uma reunião de países –– o constituency ––, que elege seu diretor executivo. O grupo é formado por Colômbia, Equador, Trinidad & Tobago, Filipinas, Suriname, Haiti, República Dominicana e Panamá. O nome de Abraham Weintraub ainda precisa ser aprovado por todos os sócios do grupo.
Tradicionalmente, quando há discordâncias entre esses países, a indicação é retirada por uma questão protocolar. Como o Brasil tem mais de 50% da cota de participação nesse bloco no Bird, tem prioridade para ocupar a cadeira, que está vaga desde o ano passado e cujo mandato vence em outubro deste ano. Apesar do atropelo na liturgia, mesmo se os demais países não gostarem da indicação, o ex-ministro da Educação poderá assumir.
Contudo, haverá um constrangimento do Brasil frente aos demais integrantes do Board, órgão eminentemente diplomático. Para o mandato seguinte, será preciso nova eleição entre os sócios do grupo, em outubro. Além de Fábio Kanczuk, que deixou a vaga no fim do ano passado para assumir uma diretoria do Banco Central, ocuparam a cadeira do Brasil economistas renomados como Pedro Malan, Paulo César Ximenes e Otaviano Canuto. (RH)
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