Politica

Os conflitos que Bolsonaro demonstra ter na Presidência da República

Entre "adversários" visíveis e imaginários, presidente sustenta polêmicas e mantém sua estratégia negacionista da pandemia, que já matou mais 50 mil pessoas no país

Correio Braziliense
postado em 22/06/2020 08:45
O presidente Jair Bolsonaro disse, pelas redes sociais, que Fabrício Queiroz estava em Atibaia para tratamento médico e acabou desmentindo seu advogadoO Brasil vive seus dias mais críticos da pandemia do novo coronavírus, com mais de 1 milhão de casos confirmados e mais de 50 mil mortes. O presidente Jair Bolsonaro, entretanto, segue com sua estratégia negacionista da doença e com os constantes conflitos com os “adversários” visíveis ou imaginários, como a imprensa, a ciência, os outros poderes da República e o comunismo.

Como se não bastasse, ele se empenha também em guerra de narrativas. A mais grave foi com os ex-ministros Sergio Moro (Justiça) e Luiz Henrique Mandetta (Saúde). E na última semana, com o Ministério Público do Rio e com a Polícia Civil sobre a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor parlamentar do seu filho Flávio Bolsonaro. Confira as frentes de batalhas abertas por Bolsonaro.


Narrativas


Acusado de operar esquema de “rachadinhas” de salários na Assembleia Legislativa do Rio como assessor do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz foi preso na última quinta-feira numa casa em Atibaia (SP). O imóvel pertence ao advogado Frederick Wasseff, que defende a família Bolsonaro e abrigava Queiroz havia mais de um mês, segundo as investigações. Wasseff nega que o presidente e o filho soubessem da presenaça de Queiroz na casa. Bolsonaro, entretanto, afirmou no mesmo dia, em sua live nas redes sociais, que o ex-assessor estava em Atibaia para fazer tratamento médico, dando a entender que sabia do paradeiro dele. Dois hospitais de Atibaia negaram que Queiroz estivesse em tratamento.

A pressão pela saída do ministro da Educação, Abraham Weintraub, após um ano de trapalhadas e ofensas ao Supremo Tribunal Federal, levou o Palácio do Planalto a tentar uma saída honrosa para o aliado. Weintraub conseguiu entrar nos EUA, em plena pandemia, usando seu passaporte diplomático para escapar da quarentena, e só depois foi exonerado. Bolsonaro o indicou para uma vaga no Banco Mundial, mas integrantes da própria instituição se mobibilizam para barrar Weintraub por considerarem que não tem qualificação para o cargo.

A saída do governo do principal ministro gerou guerras de narrativas entre Bolsonaro e o ex-juiz. Sergio Moro foi imediatamente rebaixado da condição de ‘superministro’ a ‘Judas’ por Bolsonaro, seus filhos e simpatizantes. Acusado por Moro de tentar interferir na Polícia Federal, o presidente disse que o então ministro queria barganhar uma vaga para o Supremo Tribunal Federal.

O presidente também atacou abertamente governadores estaduais e prefeitos que determinaram medidas de isolamento social durante a pandemia. Contrário ao distanciamento, Bolsonaro não poupou quem adotou políticas contrárias ao seu pensamento. Os alvos preferidos foram os outrora aliados: governadores Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, e João Doria, de São Paulo.


Outros poderes


O conflito com outros poderes é outra rotina de Bolsonaro. É o que faz com o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Em em 16 de abril, por exempolo, atacou o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Naquele dia, ele havia demitido o ministro Henrique Mandetta. Coincidentemente, em 22 de maio, data em que o ministro Celso de Mello, do STF, determinou a liberação da gravação da reunião ministerial de 22 de abril, Bolsonaro também usou os microfones para insultar adversários políticos e afrontar outros poderes da República. Nesse dia, ele declarou abertamente que não cumpriria eventual decisão judicial que determinasse que ele entregasse seu celular para perícia.

Antes de desafiar Mello, Bolsonaro já havia provocado o também ministro Alexandre de Moraes e o próprio STF, após Moraes ter suspendido a nomeação de um indicado do presidente para o comando da Polícia Federal. “Chegamos no limite. Não tem mais conversa” e “não engoli ainda essa decisão do senhor Alexandre de Moraes” foram algumas das declarações públicas de Bolsonaro.


Ciência


No Brasil de Bolsonaro, não são raras as atitudes contrárias ao pensamento científico. Cortes no orçamento da educação, manifestantes universitários chamados de ‘idiotas’, política armamentista contrária a estudos acadêmicos, canetadas para suprimir radares de trânsito num país onde acidentes automobilísticos matam mais de 30 mil pessoas por ano. Durante a pandemia, o presidente faz passeios em Brasília, causa aglomerações, frequenta manifestações, raramente usa máscara e faz questão de ter contato físico com aliados políticos e apoiadores. O presidente ainda demitiu o ortopedista Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde por discordar do entendimento do médico sobre gestão da crise. Seu sucessor, o oncologista Nelson Teich, não foi demitido, mas se desligou voluntariamente após ser pressionado e desautorizado publicamente por Bolsonaro. 

Apesar de manter um general no comando do Ministério da Saúde, Bolsonaro chegou a atacar o diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), o etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus. “Nem é médico”, disse ele, em suas tentativas de desqualificar a entidade . Tedros realmente não é médico. Ele é biólogo, com mestrado em imunologia e doenças infecciosas (Universidade de Londres) e doutorado em filosofia e saúde comunitária (Universidade de Nottingham, Reino Unido). Foi ministro da Saúde e das Relações Exteriores da Etiópia, presidente do Conselho Executivo da União Africana, presidente do Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária, além de acumular outras diversas experiências ligadas à área da saúde. Além de tentar desqualificar o superqualificado presidente da OMS, Bolsonaro ameaçou seguir os passos do presidente americano Donald Trump e romper relações com o órgão, alegando que a organização atua com ‘viés ideológico’.

No fim de abril, Bolsonaro publicou em sua página do Facebook uma lista de falsas “diretrizes para políticas educacionais” da Organização Mundial da Saúde em que apareciam recomendações sobre masturbação e relações homossexuais para crianças de 0 a 6 anos. A publicação não citava a fonte dos tais ‘dados’ e foi apagada poucos minutos após a divulgação.

Curiosamente, em algumas oportunidades, Bolsonaro usou informações da OMS para tentar fundamentar seu discurso. No final de março, o presidente da República citou uma fala de Tedros Adhanom sobre a volta ao trabalho de informais e alegou que o chefe da OMS estaria “associado” ao seu posicionamento sobre o fim da quarentena. Contudo, Bolsonaro omitiu o trecho em que o diretor da entidade explica que é preciso que os governos dos países garantam assistência às pessoas que ficaram sem renda durante o isolamento social, recomendado pela própria OMS.


Números


Outra batalha travada por Bolsonaro foi contra a transparência na divulgação dos números das vítimas da covid-19. Depois de alterar a estrutura do site do Ministério da Saúde, tirando o destaque dos dados negativos – sobre mortos e contaminados –, o governo decidiu postergar para as 22h a divulgação do boletim epidemiológico diário (inicialmente divulgado às 18h) para evitar que os telejornais pudessem dar destaque ao balanço. A forma de contagem também foi alterada pelo governo, que, passou a contabilizar os óbitos ocorridos apenas no dia da divulgação dos dados, sem considerar mortes passadas que ainda pendiam de confirmação. O governo só recuou por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.


Imprensa


São recorrentes os arroubos de Bolsonaro contra a imprensa. “Isso é uma patifaria! É uma canalhice o que vocês fazem. Uma canalhice, fazer uma matéria dessas em um horário nobre, colocando sob suspeição que eu poderia ter participado da execução da Marielle Franco”, esbravejou ele. A declaração foi dada em outubro e 2019, após reportagem que noticiava que o porteiro do condomínio onde mora havia dito que ele teria autorizado a entrada no local do PM Élcio Queiroz, acusado de dirigir o carro de onde partiram os tiros contra a vereadora carioca Marielle Franco, em 2018.

Saiba Mais

Em 15 de fevereiro de 2020, o presidente fez um gesto de banana a repórteres que o questionaram sobre uma reforma na biblioteca do Palácio do Planalto, feita para acomodar o gabinete de sua esposa, Michelle Bolsonaro. Em 5 de maio de 2020, ele atacou de novo: “Cala a boca, não perguntei nada”, no mesmo dia, ao ser questionado se realmente havia interferido no comando da PF. Em várias outras vezes, ele também atacou a imprensa.

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