Politica

Aras: MP não deve questionar ato de governo sobre temas sem consenso científico

Recomendação assinada pelo PGR Augusto Aras afirma que, em casos sem consenso científico, "não cabe ao Ministério Público a adoção de medida judicial". ANPR vê tentativa de limitar atuação dos MPs em plena pandemia de covid-19

Correio Braziliense
postado em 22/06/2020 19:41
O procurador-geral da República e presidente do CNMP, Augusto ArasO Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) publicou uma recomendação para que os membros dos MPs "atentem para os limites de suas funções institucionais". O documento, assinado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, também presidente do conselho, traz uma recomendação específica sobre políticas públicas a respeito de temas sobre os quais não há "consenso científico".

"Diante da falta de consenso científico em questão fundamental à efetivação de política pública, é atribuição legítima do gestor a escolha de uma dentre as posições díspares e/ou antagônicas, não cabendo ao Ministério Público a adoção de medida judicial ou extrajudicial destinadas a modificar o mérito dessas escolhas", afirma um trecho do documento, que pode ser acessado na íntegra no site do CNMP.

Durante a pandemia do novo coronavírus, tem sido um debate constante a adoção de certas políticas públicas por parte dos governos municipais, estaduais ou federais, a exemplo de medidas para aumentar o isolamento social, adotadas por vários prefeitos e governadores, e a recomendação do uso de cloroquina para tratar pacientes com covid-19, defendida pelo presidente Jair Bolsonaro e hoje recomendada pelo Ministério da Saúde. O que o CNMP afirma é que, em casos sem consenso científico, nos quais alguns desses atos podem se encaixar, não caberá uma atuação dos MPs. 

Entidades vão impugnar recomendação

Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Fábio George Cruz da Nóbrega, a recomendação "limita a atuação do Ministério Público em áreas essenciais, como no próprio combate à pandemia da covid-19, trazendo prejuízo para a sociedade". Segundo ele, as entidades associativas do MP irão impugnar (contestar a validade) a recomendação, que, "não foi objeto de prévio debate no âmbito do CNMP, como costuma ocorrer com as recomendações ali aprovadas".

"A recomendação interfere na atividade finalística e na independência funcional dos membros do MP, seja quando limita, no artigo 1, a sua área de atuação, impondo balizas que nem a lei e o poder judiciário delimitam, seja também quando desconhece, em áreas essenciais como a saúde, a possibilidade de atuação concorrente de vários MPs. Por fim, também no art. 2, quando assevera que a fiscalização das políticas públicas deve respeitar a autonomia administrativa de gestão, esquecendo que o MP é importante órgão indutor de políticas públicas e também pode propor a sua correção quando conduzidas com infração à lei", diz Nóbrega.

O artigo 1, ao qual Nóbrega se refere, afirma que compete aos MPs estaduais "a atuação de controle dos atos normativos e de gestão emanados pelas autoridades municipais e estaduais". Já os atos de autoridades federais competem ao Ministério Público Federal.

Saiba Mais

Para Adib Abdouni, especialista em direito constitucional e criminal, Aras busca, com a recomendação, evitar excessos por parte dos MPs. "Ele está botando ordem na casa", avalia. Na opinião do jurista, seguir a recomendação pode evitar extrapolações que podem levar a processos com base na Lei de Abuso de Autoridade. "O procurador-geral normatizou de uma forma que, se agirem desse jeito, os MPs estarã respaldados", diz.

Nóbrega, da ANPR, porém, tem outra opinião. "A própria afirmação, contida na recomendação, de que diante da falta de consenso científico a escolha da medida a ser adotada cabe ao gestor, desconsidera o que foi decidido pelo STF na análise de diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade propostas contra a Medida Provisória 966/2020. O STF reconheceu ali que os standards técnicos e as evidências científicas que devem ser observados são aqueles que partem de organizações e entidades internacionais e nacionais reconhecidas e respeitadas, como a OMS, bem como que, com base no princípio da prevenção-precaução, deve-se cobrar a autocontenção no uso de substâncias ou produtos que podem causar danos à vida ou à saúde das pessoas", afirma.

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